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Extração de gás de xisto com perfuração horizontal. |
O shale gas, ou gás de xisto como também é conhecido no Brasil, é uma fonte de energia não convencional, onde o gás natural é encontrado dentro de formações de folhelho.
Essa nova fonte energética vem com a proposta de causar uma revolução energética primeiramente nos Estados Unidos da América (EUA). Atualmente o EUA é o país que detém a segunda maior reserva do produto e a tecnologia de exploração sendo seu maior explorador[1].
De fato, a descoberta do shale gas nos EUA pode acarretar uma série de impactos no mercado global de energia, assim como uma série de impactos geopolíticos, estratégicos e ambientais.
Reservas de gás de xisto
A distribuição das reservas de gás de xisto se dá de forma globalizada, conforme mostra a Figura 1. As fontes de gás são encontradas em dezenas de países e possuem maior concentração em alguns deles.
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Figura 1: Concentração das reservas de xisto pelo mundo (em trilhões de metros cúbicos). |
O Brasil encontra-se na décima posição deste ranking que, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), possui reservas recuperáveis de 6.4 trilhões de m³ de gás de xisto e de 5.3 bilhões de barris de óleo leve de xisto, em pelo menos três bacias sedimentares [2].
Para Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as reservas brasileiras podem ser o dobro das estimativas da AIE [2].
Para o pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paulo César Soares, essa é a chance de o Brasil acompanhar a caminhada energética mundial. Quando se usava carvão, o país não tinha matéria de boa qualidade, quando se passou para o petróleo, o Brasil demorou para acompanhar, afirma.
Agora, seria necessário seguir rumo à economia do gás, que seria inevitável: “A principal fonte distribuidora de energia é o gás, em condições muito mais favoráveis que qualquer outra energia. Nós temos um consumo baixíssimo de gás no país, por falta de suprimento e gasodutos.
Consumimos um décimo do que um argentino consome” destaca Soares [3].
No ranking mundial de reservas de gás, a China fica com a primeira colocação, com seus 36,1 trilhões de m³ seguida de Estados Unidos, Argentina, Argélia e Canadá. Os EUA ocupam a segunda posição com uma reserva de aproximados 24,4 trilhões de m³.
O panorama geral de distribuição das reservas da matéria prima está ilustrado na Figura 1.
Contudo, isso não significa que estes países sejam os maiores produtores do gás. Apenas os EUA e o Canadá têm uma produção significativa, enquanto a China ainda produz pouco. Os índices de exportação do gás de xisto ainda são pequenos.
O Canadá se destaca no setor, enviando grande parte de sua produção para o vizinho Estados Unidos [3].
Pelas projeções da Agência Internacional Americana (AIE), a produção de gás de xisto nacional deve ganhar força no início dos anos 2020 e adicionar cerca de 6 bilhões de metros cúbicos ao fornecimento de gás do país até 2035.
Independência Energética dos EUA e impacto geopolítico
A maior inovação na energia neste século, até agora, tem sido o desenvolvimento do gás de xisto e o recurso associado conhecido como "xisto betuminoso". A energia de xisto situa-se no topo não apenas pela sua abundância nos Estados Unidos, mas também devido ao seu impacto mundial profundo [4].
Os EUA já prevêem a sua independência energética para os próximos anos. Essa autossuficiência tem potencial para mudar o mundo.
A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e a petrolífera BP acreditam nisso e prevêem que os Estados Unidos obterão essa independência em 2035 [5]. A independência energética vai trazer de volta aos EUA às fábricas de empresas americanas.
O Santo Graal dos presidentes americanos ao longo das últimas quatro décadas, de Richard Nixon a Barack Obama, têm sido a independência energética e, graças ao gás e petróleo de xisto, esse sonho pode se tornar realidade em breve.
O país não parará de importar energia da noite para o dia, mas ser autossuficiente irá gerar grandes implicações não só para os Estados Unidos, mas também no resto do mundo.
O progresso das indústrias de gás e petróleo de folhelho nos EUA já mostram impactos consideráveis sobre a economia americana, tendência que deverá se aprofundar nos próximos anos, afetando também a economia global.
Com a chamada "revolução do folhelho", as previsões apontam um crescimento mais forte do Produto Interno Bruto (PIB), maior geração de empregos, mais receitas para os cofres públicos e um impulso importante à reindustrialização nos EUA, ao baratear o custo da energia. Há ainda um efeito sobre as contas externas americanas, com a dependência menor das importações, o que terá implicações geopolíticas relevantes - há quem aposte em queda não desprezível dos preços do petróleo [6].
A equipe de commodities do Citigroup Global Markets estima que, em 2020, o PIB americano será de 2% a 3,3% maior do que seria devido ao impacto cumulativo da nova produção de gás e petróleo, em grande parte devido à indústria do xisto, do menor consumo e das atividades associadas ao setor, diz o analista do Citi Eric Lee. A equipe do Citi espera ainda a criação de 2,7 milhões a 3,6 milhões de empregos nesse período [6].
A fatia do gás de folhelho na produção total de gás natural dos EUA pulou de 4% a 5% em meados da década passada para 34% em 2012. Em 2040, deve atingir 50%, segundo a Administração de Informação de Energia dos EUA (EIA, na sigla em inglês).
Pelas projeções da EIA, a produção local de gás deve superar o consumo doméstico por volta de 2020, tornando os EUA um exportador líquido.
No caso do petróleo, a EIA estima no cenário básico que o país continuará a ser um importador líquido até 2040, embora a parcela do consumo abastecida por produtos do exterior, de 37%, deverá ser inferior aos 40% de 2012 e muito menor que os 60% de 2005. Em 2012, a fatia do petróleo de folhelho na produção total ficou um pouco abaixo de 30% [6].
Vice-presidente para o setor público da consultoria IHS Global Insight, John Larson diz que o termo "revolução de folhelho" não é exagero. "É o evento mais importante do setor de energia deste século até o momento."
A IHS estima que a indústria do petróleo e do gás não convencional gerou US$ 238 bilhões em termos de valor adicionado para a economia americana, valor que deve subir para US$ 416 bilhões em 2020. "Dados os atuais níveis de produção, essas estimativas podem ser conservadoras", observa Larson.
O gás de xisto e o xisto betuminoso nos Estados Unidos já estão transformando os mercados de energia mundiais e reduzindo a competitividade da Europa com os Estados Unidos e a competitividade da indústria da China no geral. Trazem também mudanças na política mundial.
De fato, como a energia do xisto pode mudar o papel dos Estados Unidos no Oriente Médio está se tornando um tema quente em Washington e mesmo no Oriente Médio [4].
Imagine um mundo em que os Estados Unidos não se importem tanto com o que acontece no Oriente Médio – porque abastecer as frotas de Nova York ou Chicago não depende de um combustível vindo do Iraque ou da Arábia Saudita.
O poder da influente Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) está esvaziado. A Europa não precisa do gás russo e a China não está tão preocupada em financiar regimes africanos para garantir sua fatia da produção local de combustíveis fósseis [7].
É mais ou menos esse o cenário de médio prazo pintado por consultorias e especialistas entusiasmados com novas tecnologias, que permitem a exploração de reservas de gás e petróleo de difícil acesso. "Até pouco tempo, eram dominantes as previsões de que os países importadores aumentariam sua dependência do Oriente Médio e não haveria solução para altos preços do petróleo", diz o geólogo e economista Robin Mills, autor do livro O Mito da Crise do Petróleo (The Mith of the Oil Crisis) e consultor em Dubai.
Em centros de estudos e consultorias especializadas, o termo "revolução do gás de xisto" já virou corrente, e a respeitada Agência Internacional de Energia (AIE) chegou a perguntar em um relatório no ano passado: "Estaríamos entrando na 'era dourada do gás'" [7]?
Extração de gás de xisto nos EUA e no mundo
Há algumas ressalvas importantes no que diz respeito à exploração desses combustíveis fósseis não convencionais. A primeira é a questão dos altos custos, que fazem com que a utilização de muitas dessas tecnologias só se justifique se os preços de seus produtos se mantiverem em um patamar relativamente elevado.
Contudo, duas tecnologias foram cruciais para viabilizar a exploração do gás de xisto. A primeira é a técnica de perfuração horizontal, que permite o aproveitamento de reservas espalhadas por grandes áreas geográficas, mas pouco profundas. A segunda é a de fraturamento hidráulico[7].
O shale gas é um recurso não convencional. Essas matérias primas são hidrocarbonetos que se encontram em condições que não permitem o movimento de fluido, por se encontrarem presos em rochas pouco permeáveis, ou por se tratar de petróleos com uma viscosidade muito elevada. A sua extração requer o emprego de tecnologia especial, pelas propriedades do próprio hidrocarboneto e pelas características da rocha que o contém [8].
Existem vários métodos de extração de petróleo não convencional, entre os quais se destacam:
•Mineração a céu aberto quando as oilsands (petróleo de hidrocarboneto de muito alta densidade e viscosidade) são superficiais [8].
•Poços verticais e injeção de polímeros ou vapor para mobilizar o óleo cru extrapesado [8].
•Poços horizontais e fratura em caso de Shale ou TightOil (petróleo proveniente de reservatórios com baixa porosidade e permeabilidade) [8].
A produção de gás e petróleo de folhelho tem crescido com força nos últimos anos graças tecnologia de perfuração horizontal e a fratura hidráulica.
No caso do Shale Gas, a produção de gás das rochas mãe que apresentam muito baixa permeabilidade é possível graças à perfuração horizontal e fraturamento hidráulico. Esse processo de escavação consiste das seguintes etapas:
1.Perfuração vertical na direção do xisto.
2.Perfuração horizontal. Freqüentemente com trajetórias horizontais que ultrapassam os 1000 metros conforme Figura 2.
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Figura 2: Perfuração. |
3. Inserida a pistola de detonação. Estas detonam explosivos que causam as fraturas liberando gás metano conforme está representado na Figura 3.
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Figura 3: Inserção da pistola (a) e detonação (b). |
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Figura 4: Tubo. |
5. Injeta-se por etapas em alta pressão uma mistura de água, sólido granulado (tipo areia) e de produtos químicos no poço previamente perfurado. A mistura penetra pelas paredes do poço na formação de Shale Gas (ou gás de xisto). Estas injeções sob pressão provocam uma rede de microfraturas na formação, permitindo assim ao gás preso fluir para o interior do poço, conforme Figura 5.
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Figura 5: Injeção de fluido a alta pressão (a) e microfraturas (b). |
O processo é tecnologicamente muito complexo. Nos EUA existem poços com 1.500, até 2.000 metros de profundidade. Em resumo, quando a perfuração chega próximo da camada que contém esse gás, eles derivam esses poços do vertical para o horizontal e furam horizontalmente dentro da rocha. Por ser uma rocha impermeável, só tem gás dentro dela.
Em cada perfuração, são feitos de 8 a 10 poços horizontais, como se fosse abrindo um leque dentro da rocha. Depois disso, é introduzido um sistema de água comprimida e feita uma espécie de explosão de pressão, e essa explosão abre fraturas na rocha. A rocha, que era impermeável, torna-se permeável e deixa o gás sair.
Impactos ambientais da extração do gás de xisto
A exploração de gás de xisto entusiasma, mas levanta preocupações ambientais.
No caso da exploração de gás de xisto, outro agravante é que ainda não há clareza sobre os riscos de contaminação do lençol freático pelos produtos químicos usados em sua exploração.
Também se acredita que o gás liberado no processo de extração possa causar pequenas explosões subterrâneas e tremores, embora a tese ainda não esteja comprovada [7].
A extração do gás natural a partir dessa nova fonte não está livre de efeitos colaterais indesejáveis. O processo utiliza grandes volumes de água e, o que é pior, com adição de produtos químicos como o benzeno, o que resulta em uma água ácida. Doenças em animais têm sido atribuídas à contaminação do solo por essa água [9].
A preocupação é tão séria que o processo está proibido na França, Bulgária e em alguns estados da Austrália, Alemanha e Espanha. Até mesmo o Estado de Nova York, nos EUA, proíbe sua utilização, pois a água que abastece a cidade vem do aqüífero onde está o gás.
Há cientistas que alertam até para a influência do sistema de fraturamento em eventos sismológicos.
Outros lembram que, no processo, ocorre a liberação de gás metano, 21 vezes mais problemático na atmosfera que o dióxido de carbono (embora por menos tempo) -, o que leva também a restrições do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Aqui, as diretorias da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Academia Brasileira de Ciências solicitam que seja sustada a licitação de áreas para a exploração de gás de folhelho por um período suficiente para aprofundar os estudos sobre a real potencialidade da utilização da fratura hidráulica e os possíveis prejuízos ambientais.
Os aditivos mais freqüentemente usados totalizam cerca de sessenta substâncias.
á temores também de que o metano contido no folhelho possa escapar para a atmosfera, contribuindo para o efeito estufa. Na Pensilvânia (EUA), em certos locais próximos a minas de gás em folhelho a água sai da torneira com tanto metano que é possível pôr fogo nela. Mas, ainda não se conseguiu confirmar a procedência desse metano [9].
No Brasil, o aproveitamento do gás existente em folhelhos está longe de ser um consenso entre os geólogos. A Agência Nacional de Petróleo diz estar estabelecendo as regras para sua extração, mas elas não estarão prontas até outubro, quando será realizado o primeiro leilão de áreas para extração de gás.
A preocupação é muito procedente, pois em São Mateus do Sul a USP verificou excesso de poluentes atmosféricos e até mesmo presença de mercúrio no leito de um rio, o que motivou ação da promotoria local contra a Petrobras.
Algumas reflexões finais...
Com a independência energética assegurada, o interesse americano no petróleo do Oriente Médio seria reduzido. Muito disso depende do quanto à importação de petróleo é importante para a política externa dos Estados Unidos, mas alguns analistas têm comparado a política americana na Síria, um produtor de petróleo relativamente pequeno, com a sua política no Iraque, um dos maiores produtores do mundo [5].
Basta olhar a reação da Europa à movimentação russa na Criméia para ver o quanto a segurança energética está interligada à política externa. Com a Rússia provendo cerca de um terço da energia da Europa, as mãos dos líderes europeus estão, em grande parte, atadas [5].
De um lado o grande potencial de produção de energia, de outro, possíveis danos ambientais: a extração do gás de xisto levanta uma polêmica entre especialistas.
Pelo fato do gás se encontrar em rochas, é preciso quebrá-las injetando água e produtos químicos. Este processo de extração causa severos impactos na região de extração. Estatisticamente não se sabe o quanto esse impacto é significativo em relação à contaminação das águas dos lençóis subterrâneos e do solo, bem como da vegetação nos locais de exploração [10].
Os rumos de nossa crise no abastecimento de água e na geração de energia já são muito preocupantes.
Não precisamos adicionar novos componentes. É preciso ouvir a ciência e não fazer da questão apenas um item na agenda de negócios e de rentabilidade.
É indiscutível a necessidade de investimentos em nossa matriz energética, contudo em se tratando do xisto, é necessário ainda muito investimento em estudos e pesquisa para se apurar os verdadeiros danos que a extração deste produto pode vir a causar para a humanidade, a curto e longo prazos.
Fontes e links
[1] BELLELLI, J. The Shale gas 'revolution' in the United States: Global implications, options for the EU. DG EXPO, 2013
[2] BARBOSA, v. Brasil tem uma das 10 maiores reservas de gás xisto. Revista Exame. 28 de abril de 2014.
[3] TERRA – OPERAÇÕES EMPRESARIAIS. Polêmico, gás de xisto já é produzido nos EUA e no Canadá. 17 de dezembro de 2013.
[4] YERGIN, D. O impacto mundial do gás de xisto dos EUA. Jornal de Negócios. 26 de dezembro de 2013.
[5] ANDERSON, R. Independência energética dos EUA tem potencial para mudar o mundo. BBC, 04 de abril de 2014.
[6] LAMUCCI, S. Gás de xisto estimula economia dos EUA. Valor Econômico, São Paulo, 1º de julho de 2013.
[7] COSTAS, R. 'Novo petróleo' promete mudar mapa geopolítico da energia. BBC – Brasil, 02 de maio de 2012.
[8] MENDES, V. B. O impacto da descoberta de Gás Natural em Moçambique: Plano de Negócios. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Economia. Universidade do Porto, 2014.
[9] CPRM. Mapas de Geodiversidade. S.d.
[10] INSTITUTO HUMANITAS – UNISINOS. Xisto: implicações econômicas e ambientais. Entrevista especial com Luiz Fernando Scheibe, 11 de setembro de 2013.
Autores
Daniel de Cesar; Douglas Mendes e Cícero Zanoni
Curso de Engenharia Elétrica, Universidade de Caxias do Sul/CARVI
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