Nesta passagem do diário de Darwin estão descritos os últimos dias vividos no Brasil. Ele apresenta um tom de espera pela partida do Beagle, que logo zarparia para Argentina. Neste período de espera são realizados pequenos passeios pela cidade do Rio de Janeiro, como o Jardim Botânico e o morro da Gávea, cujas vivências são descritas com certo tom poético.
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Jardim Botânico do Rio de Janeito (fonte: IPJB-RJ) |
Ainda hoje quem vai ao Rio de Janeiro não pode se furtar de uma visita ao Jardim Botânico. Fundado em 13 de junho de 1808 pelo então príncipe regente português D. João, que desejava instalar no local uma fábrica de pólvora e um jardim para aclimatação de espécies vegetais originárias de outras partes do mundo. Quando foi visitado por Darwin, em 1832, ele tinha apenas 24 anos e chamava a atenção pelo cultivo das espécies de plantas “úteis ao homem”.
Darwin: Em várias ocasiões, fiz excursões muito agradáveis pelas vizinhanças. Visitei, um dia, o Jardim Botânico, onde cresciam plantas muito conhecidas pela grande utilidade de suas propriedades.
As folhas da cânfora, da pimenta, da canela e do cravo desprendiam um aroma muito delicioso, e a fruta-pão, a jaca e a manga disputavam entre si a primazia da magnificência da folhagem. A paisagem dos arredores da Bahia quase que se caracteriza por estas duas últimas árvores.
Antes de as ter visto, não fazia nenhuma ideia de que houvessem árvores capazes de projetar no solo uma sombra tão preta. As duas estão para com a vegetação sempre-verde destes climas, na mesma razão em que, na Inglaterra, os loureiros e os azevinhos estão para com o verde mais pálido das árvores decíduas.
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A mangueira e sua sombra; foto de Silvia Brito. |
Em outra ocasião, tendo partido cedo andei até a montanha da Gávea [1]. O ar estava deliciosamente fresco e fragrante e as gotas de orvalho brilhavam ainda sobre as grandes liliáceas que cobriam com sua sombra a água clara dos riachos. Sentei-me sobre um bloco de granito e desfrutei alguns instantes vendo passar a voar perto de mim um sem número de insetos e pássaros.
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Pedra da Gávea, no ângulo em que é possível “ver” a cabeça do imperador D.Pedro II (fonte: Wikipédia). |
Os colibris parecem gostar imensamente destes recantos sombrios e solitários. Sempre que ouvia uma destas criaturinhas sussurrar em torno de uma flor, escondendo as asas no célere adejar, lembrava-me da mariposa-esfinge, cujos hábitos são em muitos aspectos semelhantes.
Esta mariposa referenciada por Darwin pode se tratar da Macroglossum stellatarum, que é um inseto polinizador com hábitos semelhantes aos dos beija-flores (ver imagens abaixo).
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Mariposa-esfinge-colibri sugando nectar com sua longa tromba(fonte: Ferran Pestaña) |
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Imagens dorsal e ventral da Macroglossum stellatarum, imagen de Didier Descouens disponibilizada na Wikipédia. |
No trecho a seguir pode-se perceber novamente um Darwin embasbacado pela grandiosidade da Floresta Atlântica, quando comparada às paisagens europeias.
Darwin: Seguindo por uma picada penetrei no interior de uma nobre floresta e, de uma altura de cento e cinquenta a duzentos metros, um dos soberbos panoramas tão comuns ao redor de todo o Rio. Vista desta altura, a paisagem atinge o máximo de brilho no seu colorido e todas as formas e sombras ultrapassam de tal modo tudo quanto um europeu passa jamais ter visto em sua terra natal, que não sabe como há de expressar as emoções de seu espírito. O efeito geral sempre me trazia à mente o cenário das óperas nos grandes teatros.
A seguir Darwin destaca a ocorrência de relações ecológicas semelhantes em áreas geográficas e com espécies diferentes. Para alguns autores estas observações podem caracterizar o início de um processo de raciocínio que o tenha levado à elaboração da Teoria da Evolução [2].
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Hymenophallus indusiatus (fonte: SANTOS; LIMA, 2012) |
A última observação de Darwin neste parágrafo merece ser destacada, pois reflete uma preocupação, cada vez mais atual com as alterações ambientais provocadas pelo ser humano, que podem romper relações de equilíbrio ecológico.
Darwin: Quando o homem é o agente da introdução de nova espécie num país, essa relação muitas vezes se rompe. Como exemplo disto posso mencionar as folhas do repolho e da alface que na Inglaterra serve de pasto a uma infinidade de lagartas, ao passo que aqui permanecem intactas.
Cabe ressaltar que o exemplo acima utilizado por Darwin já não tem mais sentido, pois as hortaliças introduzidas no Brasil já “ganharam” pragas tropicais e nossa agricultura se destaca pelo uso abusivo de agrotóxicos.
Notas:
[1] - A Pedra da Gávea é um monólito de gnaisse cujo ponto culminante situa-se na Barra da Tijuca, estendendo-se pelos bairros do Joá, do Itanhangá e de São Conrado. Com topo de granito subindo 842 metros acima do nível do mar, é o maior bloco de pedra a beira mar do planeta. É um dos pontos extremos do parque da Floresta da Tijuca e um dos mirantes mais espetaculares (Wikipédia).
[2] – Tais afirmações aparecem no livro usado como fonte das citações literais de Darwin nestas postagens do Teliga, o qual foi publicado pela Abril cultural em 1937. Nesta publicação esta é a segunda das Notas do Consultor, Professor Ladislau Deutcher, da Fundação Parque Zoológico de São Paulo.
[3] Os fungos Hymenophallus também podem ser designados como Dictyophora sendo que a espécie H.indusiatus da imagem utilizada nesta postagem é comestível e tem uma distribuição cosmopolita nas regiões tropicais, podendo ser encontrado no sudeste Brasileiro. Mais informações podem ser obtidas na publicação de Tânia Monteiro dos Santos e Milton Luiz da Paz Lima disponível no Blog: Estudos em doenças de plantas - IFGoiano câmpus Urutaí.
[4] o Gênero Strongylus se refere a vermes nematódeos e, possivelmente, houve alteração na nomenclatura de coleópteros desde a citação do texto de Darwin.
[5] – Referir-se a um fungo como “planta” não merece tanta estranheza no diário de Darwin, cuja primeira edição ocorreu em 1845, pois até recentemente os fungos e as algas eram incluídos nas disciplinas de Botânica, que estudam os vegetais (Briófitas, Pteridófitas, Gimnospermas e Angiospermas). Atualmente as algas são estudas pelos protoctistologistas enquanto os fungos são estudados pelos micologistas.
Referências:
Fonte da citações literais de Darwin:
1- Darwin, C., Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo - Vol.1, Nova edição, 1871. Abril Cultural. Companhia Brasil Editora, São Paulo, 1937.
Outras referências:
2- Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Histórico.
3- SANTOS, T.M.; LIMA, M. L. P. Ocorrencia de Dictyophora indusiata no sudoeste do Estado de Goiás. Blog: ESTUDOS EM DOENÇAS DE PLANTAS - IFGoiano câmpus Urutaí, publicado em 21/02/2012. Disponível em: http://fitopatologia1.blogspot.com.br/2012/02/ocorrencia-de-dictyophora-indusiata-no.html, acesso em 29/02/2016.
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