16 fevereiro, 2015

Darwin e os pirilampos da “antiga, mui antiga” noite do Rio.

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Noite do Rio em 2013 por Pontos Turísticos
Quem atualmente vive ou conhece a cidade do Rio de Janeiro, não imagina quanto bucólica já foi esta agitada metrópole brasileira. Através dos olhos de Darvin pode-se viajar no tempo e reencontrá-la ainda em seu estado “virginal”, repleta de pirilampos, há quase duzentos anos, entre abril e junho de 1832.

Darwin: A essas horas, veem-se os pirilampos acender sua luzinha aqui e acolá. A luz, em noites escuras, é visível a cerca de duzentos passos de distância. É digno de nota que, em todas as diferentes espécies de insetos luminosos, elatérios reluzentes e animais marinhos (como crustáceos, medusas, nereidas e coraliários dos gêneros Clytia e Pyrosoma) que observei, a luz tem sido de uma cor verde muito acentuada. 

Clytia noliformis por NaturaMalta.com
Darwin: Todos os insetos luminosos que apanhei, aqui, pertencem à família Lampyridae (na qual se acham incluídos os que se veem na Inglaterra), constituindo o maior número de espécimes do Lampyris occidentalis.

Verifiquei que os insetos emitiam seu maior brilho quando eram irritados, ficando escuros nos intervalos os anéis abdominais. O brilho era quase simultâneo nos dois anéis, mas a princípio apenas perceptível no anel anterior. A substância luminosa era fluida e muito adesiva, e, nos lugares onde a pele havia sido tirada, continuavam pequenos pontos a brilhar com ligeira cintilação, ao passo que as partes intactas permaneciam obscuras. Decapitado o inseto, os anéis mantinham-se com brilho ininterrupto, não tão intenso, porém, como antes: a excitação local com o estilete sempre intensificava a vivacidade da luz.

Espécime da Família Lampyridae (wordnik)

Darwin: Numa das experiências, os anéis retiveram sua propriedade luminosa durante quase vinte e quatro horas depois da morte do inseto. Conclui-se da observação destes fatos, que o animal tem apenas o poder de ocultar ou extinguir a luz durante curtos intervalos, e que, fora disso, a emissão de luz é involuntária. 

Atualmente, é sabido que na bioluminescência há uma transdução quimiofísica, ou seja, uma transformação de energia química em energia luminosa. O estudo bioquímico desse fenômeno revelou que é extremamente variável, dependendo em geral da ação de uma enzima, a luciferase, sobre um substrato, a luciferina. Ambas reagem entre si, com a oxidação de um substrato pelo oxigênio, liberando luz. Nos insetos, como no caso do vaga-lume, além de luciferina e luciferase é necessária a presença de ATP, consumido durante a emissão de luz (Infoescola).

Darwin: No cascalho úmido e lamacento dos caminhos encontrei um grande número de larvas deste Lampyris, que muito se pareciam com as fêmeas dos ingleses. As larvas possuíam apenas fraco poder luminoso e, contrário aos insetos adultos, aparentavam ao mais leve contato, o estado de morte, deixando de brilhar. Nenhuma excitação conseguia fazer reaparecer a luminosidade.


Guardei por algum tempo várias larvas vivas. A cauda é um órgão bastante singular, por isso que representa, por meio de dispositivo adequado, o papel de ventosa ou órgão de fixação, ao mesmo tempo que funciona como reservatório de saliva, ou líquido semelhante. Dei-lhes várias vezes como alimento carne crua, e sempre pude notar que, de momento em momento, a extremidade da cauda procurava a boca do animal e deixava uma gotícula de um fluido qualquer sobre a carne, no instante em que esta ia ser consumida. Apesar desse movimento se processar tão frequentemente, a cauda parece não poder dirigir-se sobre a boca diretamente, o pescoço sendo invariavelmente tocado em primeiro lugar, talvez como ponto de reparo.

Larva de vagalume (lifebiologi

Vaga-lumes são insetos coleópteros das famílias Elateridae, Phengodidae ou Lampyridae. Dependendo da espécies, observa-se que as larvas alimentam-se principalmente de vegetais e outros insetos menores, consumindo também “piolho-de-cobra” ou gongolos e caramujos (Wikipedia).

Darwin: Quando estávamos na Bahia, o inseto luminoso que parecia ser  mais comum era o Pyrophorus luminosus, IIlig (cuja luminosidade também se tornava mais intensa com a excitação do animal). Passei, um dia, momentos distraídos estudando o poder de saltar de que goza este inseto, propriedade que, parece-me, não foi ainda convenientemente descrita. 

Quando se achava de costas, preparando-se para o salto, o animal recolhia a cabeça e o tórax de modo que a espinha peitoral sobressaía e tocava a borda da invaginação. Na continuação desse movimento para trás, a espinha se curvava como uma mola, sob a ação dos músculos, e o inseto tomava apoio com a extremidade da cabeça e dos élitros. A cessação brusca dessa tensão fazia com que a cabeça e o tórax se projetassem para cima, e a reação do choque da base dos élitros contra a área de sustentação, lançava o inseto num salto de três ou cinco centímetros. As saliências torácicas e a bainha da espinha contribuíam a manter o equilíbrio do corpo durante o salto. 

Nas descrições que tenho lido, nunca se chamou suficientemente a atenção para a elasticidade da espinha: uma mola tão súbita não poderia ser o resultado de simples contração muscular, sem auxílio de algum dispositivo mecânico.

Infelizmente, no século XXI, os vaga-lumes correm risco de extinção, pela forte iluminação das cidades, pois quando entram em contato com ambientes muito iluminados, sua bioluminescência é anulada interferindo fortemente na reprodução. O desaparecimento dos vaga-lumes poderia causar desequilíbrios ambientais, uma vez que eles ajudam a controlar a população de outros insetos.

Nota:
Elatério (do grego elatérion) é um termo utilizado em botânica com diferentes significados, mas principalmente se refere a plantas americanas da família das Cucurbitáceas que possuem um fruto capaz de expelir suas sementes como ocorre na “maria-sem-vergonha”. Também se refere a uma estrutura em forma de hélice presente no interior dos esporângios, a qual auxilia na dispersão dos esporos amadurecidos, arremessando-os à distância (Dicionário online Português e Wikipedia) Também se refere à superfamília Elateroidea à qual pertencem os vagalumes da família Lampyridae observados por Darwin (wordnik

Referência: 
DARWIN, C. Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo - Vol.1, Nova edição, 1871. Abril Cultural. Companhia Brasil Editora, São Paulo, [1937].Google books.

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