Por Bruna Muriel
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Viradão 2013 por Felipe Camargo. |
Eu?Eu
derreti. E subi... e desci.... Vai e vem
de suspiro e leveza em um balanço gigantesco, pendurado no viaduto. Jéssica, travesti
e prostituta, me empurrava. Contou-me que
aproveitava a virada para fazer um freela. E ríamos, Jéssica e eu, ela empurrando, eu
balançando.
E
de novo subi, muito e mais, em transe, de mãos dadas com Iansã, entre o afoxé e
o maracatu no cortejo do Anhangabaú. Adentramos Orum - o espaço sagrado dos
Orixás - e ainda eram quatro horas da tarde, de um sábado prenhe de possibilidades
infinitas.
E
agora? Ibrahim Ferrer Hijo? Fagner? Língua de Trapo, Marina de La Riva, Luis
Caldaaaas? Gal????? Sidnei Magal???!!!!!
Por
fim, o acaso nos deu Billy Cox. Abre-se a sessão rock and roll da virada com nada mais nada menos que o ex-baixista
do Hendrix. E como o grupo era eclético – e herético - partimos de Chuck Berry
para o Forró.
Tiziu do Araripe com Fubá de Taperoá.
“Tudo
em volta é só beleza”...
Foi
quando derreter na virada “literou-se” em suor. E o seguiria fazendo, dias
depois, em secreções outras. Gástricas, lácrimais... Mas isto, eu ainda não
sabia. Eram apenas dez horas, de uma noite assanhada, que escancarava seu
caráter belo, lúdico, louco. E um tanto quanto perigoso.
Segui
– seguimos – dissolvendo. Escorrendo. Pelo buraco do esgoto urbano, diariamente
tapado, mas sempre sentido e teorizado. Estação da Luz. Na rua dos
protestantes, que ninguém-passa-ninguém-vê,
era o purgatório cristão que se explicitava. Na Helvétia, éramos só nós.
Nós, e os “nóia”.
Alheios,
estrangeiros, adentramos o território do vício e do acerto de contas. Eu ainda
não sabia que meu primo-irmão, querido, em sua recém vigésima terceira recaída,
já estava por ali. Era uma hora da manhã, de uma madrugada... Entranha.
“Irmão,
tenho medo”. E numa inversão da relação não cronológica inventada, ele me deu a mão. Abre alas de um grupo que
emanava força e humildade, caminhamos protegidos.
“Ei, ei!!” “Que cê qué?” “3 por 10!” “Vai da branca?” “Olha a Brahma!” “Dá licença, por favor” “E aí,
maluco!” “To perdido” “Empurra não,
mano” “Gostosa” “Julio prestes...?” “Fodeu”
“Partiu” “Psiu!” “Foi mal” “Olha o milho!” “Hahaha” “Kkkk” “Foi mal aê, irmão” “Impreixta
o ixqueiro?” “É nóis” “Tá na mão!” “ “Maravilha!”
“Vai se fudê!” “ Viu a lua?”
Oásis.No
coreto da Praça da Bolsa de Valores, onde tudo o que não é mercado financeiro se fez, Ione
Papas de branco, em cantoria encantou. “O samba é sinal de paz, a minha fé, o
meu pecado. Com o samba do lado eu estou com os meus, mas junto a Deus. O samba
é o meu axé, o meu som sagrado...” Leveza, suspensão, recompensa... A vida evidenciando-se
cíclica...
Tempos
depois (ou seriam tempos antes? Que horas são? Que horas foram?), George
Clinton - “Ow,
we want the funk Ow, we need the
funk ” - incita a uma
série de palmas, gritos e assobios histéricos que vão se intensificando num crescendum contínuo até que às seis da
manhã clareia o relógio da estação Júlio Prestes.
É
quando uma senhora adentra o palco, ajudada pelos seguranças.
A
idosa, frágil e pequena mulher move os grossos lábios e, sem fazer esforço, o
que se ouve é:
ELZA
SOARES.
Jovem,
Lúcida, Forte. E-nor-me.
“A
caaaaarne mais barata do mercaaaaaado, é a carne: negrrrrraaaaaaaaaaaa!!!!”
Ao
fim do show, o selinho na companheira de palco Gaby Amarantos. “É pra você
Feliciano!” E a Luz inteira grita durante um tempo infinito de indignação, em
coro e com os braços em riste: “Fora! Fora Feliciano, fora!”
A
virada indignada, que a Globo não mostrou.
Gaby
faz tremer a virada. E a esta que, outrora, tanto a criticou.
A
rainha do Brega.O fenômeno do Pará! A quem, depois da virada, concedo o troféu de
embaixatriz da bioenergética. Porque é necessário reafirmar, sempre - e da
maneira que for - Galeano:
“O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência.
Nem uma culpa como nos fez crer a religião.
O corpo é uma festa.”
E
Gaby o reafirmou, com seus gritos de “Sensualiza Brasil!” e “Acredita no corpo!”.
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Viradão 2013 por Felipe Camargo. |
(Aliás, sigo com Gaby, para lembrar-te, Ex my Love,
que o “Meu amor era verdadeiro, O teu era pirata, O
meu amor era ouro, E o teu não passava de
um pedaço de lata”). Ai de quem nunca sofreu por amor, o suficiente para
ler-se em ridículas cartas de amor. Ou em letra de (tecno) brega...
São
11hs da manhã e o domingo se anuncia, exausto e belo. Faz sol, o centro brilha.
E no largo do Arouxe repito pro mais belo dos belos, que “ Ilê Aye , como você
é bonito de se ver...” Logo adiante, o
Criolo unissoniza Morumbis e Itaqueras na música “Ogum adjo ê mariô”, levando
ao delírio manos e patricinhas que se solidarizam ao rivalizar, ombro a ombro, um oitavo de metro quadrado para vê-lo. Medida
oposta ao sentimento gigantesco de harmonia e paz que predominam e que são, em
seguida, captados por Mano Brown,em show multitudionário do Racionais. Aquele inspira a revolta criativa ao criticar a
atuação dos grupelhos minoritários, que assumiram –e conquistaram - o objetivo
de causar pânico durante os shows.
Revolta
e paz. Encontros e Arrastões. Teses e Antítesis. Síntesis... Céu, Inferno. Entrega
e Contenção.Burguesia, proletariado, Artista, marginal. Indígena, fazendeiro,
político, quilombola batuqueiro. Sêmen e Sangue. Cronópios, famas. Eu, Você. PM e ladrão. Eros,
Tânatus, Id e Opressão. Apolíneo e
Dionisíaco. Esperança e Traição. Descrença, fé.
Espaço,
liberdade, movimento e respiração. A cracolândia em ebulição. A virada cultural
vira, vira virou. E revirou. As esperanças, a Cidade, os Corações.
Outros
fenômenos de uma mesma virada, que explicitou suas intensas contradições, tão
próprias. Tão nossas.
São
quatro horas da tarde e decidimos parar. Sendo que “parar” significa deitar na
estátua do Pátio do Colégio e despedir da Virada 2013 ao som dos Oswaldinhos,
do acordeon e da cuíca, seguidos de homenagem à Paulo Vanzolini.
É quando a saudade corta “como aço de navaia, os óio se enche
d'água, que até a vista se atrapáia”...
Mas, muito embora a “Ronda”,
não há retorno abatido. Como sempre, rezo a “Volta por cima”, levantando e
sacudindo a poeira, fechando o dia, digo, a noite, digo, o outro dia, digo, a
outra noite, embalada pela voz de Renato Braz cantando os Caymmis todos.
A lua tá no alto, abraço os amores que estão
comigo e aqueles que não estão. São nove da noite quando partimos. 27 horas
depois. Sabendo-te, Virada ( e sabendo-te Sampa e a ti e a mim) tão “avesso do avesso do
avesso do avesso...”
Esta crônica reflexiva da Bruna Muriel revela a filtragem de mundo de uma paulistana, que vivenciou um mega evento somente possível numa megalópole como São Paulo. As imagens de Felipe Camargo contribuem para o tom poético e turbilhonado do texto, assim fica a sugestão para visitarem o álbum completo linkado em cada imagem.
ResponderExcluirEsta contribuição ao Teliga se encaixa nas temáticas de crônicas e existencial, contribuindo com um olhar diferente dos autores do blog que moram num pacato sítio no interior do município gaúcho de Bento Gonçalves.
Texto e fotos de despertar coisas belas...
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