02 fevereiro, 2014

O sossego de um naturalista na baia do Botafogo do século XIX.

por
Baía de Botafogo,1822. Aquarela de T.Hunt (acervo da Pinacoteca do Estado de SãoPaulo).

Darwin esteve no Brasil na primeira metade do século XIX entre os dias 20 de fevereiro e 5 de julho de 1832, durante o período de Regência que durou até 1840.

No mesmo ano da visita de Darwin nasceu Vítor Meireles, que foi o autor dos quadros Batalha de Guararapes, Combate Naval de Riachuelo, Passagem de Humaitá, Primeira Missa no Brasil, entre outros. Desse modo, as descrições do seu diário de viagem nos dão uma fotografia de como era o Brasil há quase dois séculos e nos permite comparar com o que se pode encontrar no século XXI.
Baía de Botafogo no século XXI - Foto de Carlos MR Gonçalves (agosto, 2011 – tripadvisor) 
Darwin: Todos já ouviram falar da beleza do cenário da Baía de Botafogo. A casa em que me achava hospedado estava situada bem debaixo da famosa montanha do Corcovado. Com muita verdade afirma-se que os morros cônicos e abruptos são os característicos da formação a que Humboldt chamou de granito-gneiss. Nada mais admirável do que o efeito dessas colossais massas redondas de rocha nua emergindo do seio da mais luxuriante vegetação. Muitas vezes, me entretinha olhando as nuvens, que, rolando sobre o mar, vinham formar um manto logo abaixo do ponto mais elevado do Corcovado. Como muitas outras, esta montanha, quando parcialmente velada, parecia se erguer a uma altura mais nobre do que a realidade possui: seiscentos e noventa metros.

Corcovado antes da Construção do Cristo Redentor (inaugurado em 12 de outubro de 1931) – imagem disponibilizada na Wikipedia.
Na realidade, o morro do Corcovado possui 710 metros de altura e encontra-se no Parque Nacional da Tijuca. Situado ao oeste do centro da cidade pode ser observado desde longas distâncias (Wikipédia).

Darwin: Mr. Daniell, em seus ensaios meteorológicos, fez observar que uma nuvem às vezes parece se fixar no cume de uma montanha, não obstante o vento continuar a soprar sobre ela. O mesmo fenômeno se produz aqui, mas com aspecto pouco diferente. Via-se claramente, neste caso, a nuvem rodear o cume e passar por ele rapidamente, sem que sofresse nenhum aumento ou diminuição de volume. O sol ia-se pondo, e uma brisa suave do sul, cobrindo esse lado da rocha, vinha misturar-se às correntes de ar mais frio das camadas superiores, dando ensejo a que se condensasse o vapor. Mas, à medida que passavam pela encosta, e sentiam a influência da atmosfera quente do declive ao norte, as leves massas de nuvem tornavam imediatamente a se dissolver.

Atualmente, a estátua do Cristo Redentor permite que as formações de nuvens que passam rapidamente pelo topo do corcovado criem uma atmosférica mística, como na foto abaixo.


Foto de Marcos Estrella (2011) disponível no Globo

Darwin: O clima durante os meses de maio e junho, ou no começo do inverno, era delicioso. A temperatura média, tomada às nove horas da manhã e da noite, sendo apenas 22°C. Frequentemente chovia com abundância, porém logo os ventos secos do sul restituíam o prazer dos passeios. Certa manhã, num período de seis horas, caíram quatro centímetros de chuva. Ao passar esta tempestade por cima das florestas ao redor do Corcovado, as gotas da chuva, caindo sobre o número incalculável de folhas, produziam um ruído estranho que se podia ouvir a quatrocentos metros de distância. Após um dia de calor, era muito agradável sentar-se comodamente no jardim e ver a tarde ir-se transformando gradualmente em noite.


Enseada do Botafogo, ao cair da tarde, em foto especial da jornalista Sandra Ney postada por  Vânia Mara Welte (Solidão- 2009). 
Darwin: Para o coro vocal destes climas, a natureza escolhe animais mais modestos que na Europa. Uma rã, do gênero Hyla, acomodada sobre a relva à flor da água faz ouvir o seu alegre coaxar. Quando várias estão reunidas, ouve-se, então, uma melodia de notas harmoniosas. Encontrei muita dificuldade em apanhar um espécime dessa rã. 0s animais do gênero Hyla têm pequenas ventosas na ponta dos dedos. O exemplar que apanhei podia subir por uma parede de vidro quando posta absolutamente na perpendicular. Inúmeras cicadárias e grilos produzem, ao mesmo tempo, um cricri estridente e incessante, que, ouvido à distância, não é de todo desagradável. Todas as noite, começava o concerto ao escurecer, e eu me sentava distraidamente a ouvi-lo, minha atenção voltando-se de quando em quando para um curioso inseto  que passava.

Nota: Nos textos em inglês não há diferenciação para denominar as rãs e pererecas, como costumamos fazer no Brasil. Neste caso, a presença de pequenas ventosas nas pontas dos dedos é característica das pererecas e não das rãs. As espécies com ventosas, ou pererecas, têm hábitos arborícolas, enquanto as rãs são essencialmente aquáticas e possuem as pernas bastante adaptadas ao nado.

Porém, na maioria das traduções de textos ou documentários científicos esta diferenciação não aparece, como é o caso do material que tenho utilizado como fonte para os diários de Darwin.

Na imagem ao lado se vê um exemplar da perereca Hyla meridionalis com suas ventosas características nas pontas dos dedos, subindo por uma parede vertical ( Fonte Wikipedia).


Referência:
Darwin, C., Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo - Vol.1, Nova edição, 1871. Abril Cultural. Companhia Brasil Editora, São Paulo, [1937].Google books Partes anteriores: *1* *2*  ... *21**22**23*

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