15 setembro, 2013

Três casos recentes de crianças selvagens!

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Maturana e Varela celebrizaram em seu livro “A árvore do conhecimento” o caso das duas meninas que foram retiradas de uma família de lobos que as havia criado em total isolamento de qualquer contato humano, em 1922. Uma delas tinha oito anos e a outra cinco, quando foram encontradas e não sabiam andar sobre os pés, mas se moviam rapidamente quando assumiam uma postura quadrúpede.  Além disso, elas não falavam e seus rostos eram inexpressivos, queriam comer apenas carne crua, tinham hábitos noturnos, repeliam o contato humano e preferiam a companhia de cães e lobos.

Ao serem separadas da família lobo, elas entraram em profunda depressão e a menor morreu, mas a mais velha ainda sobreviveu dez anos. A “menina-loba”, que sobreviveu, mudou seus hábitos alimentares e ciclos de atividades, aprendeu a falar e a andar sobre os pés, embora sempre voltasse a correr de quatro em situações de emergência.

Todavia, no final do século XX ainda surgiram outros casos de crianças “selvagens” criadas por animais sociais como cães ou macacos. Três destes casos serão relatados abaixo.

Conceitualmente, uma criança feral ou criança selvagem é um indivíduo que viveu isolado do contato humano, a partir de uma idade muito jovem, e não vivenciou o cuidado humano, nem desfrutou do comportamento amoroso ou social e, fundamentalmente, não compartilhou a linguagem humana.

O ator Rad Kaim na peça “Ivan e os cães”(2011), uma alegoria baseada numa história real [1].
Michael Newton relata a história de vários casos de crianças selvagens, verdadeiros e documentados, quase inacreditáveis de tão extraordinários. Tais crianças, que por vários motivos foram "isoladas do convívio humano", sobreviveram a situações cruéis, abusivas e penosas. O autor discute o conceito de que essas crianças seriam a imagem inversa de fantasmas, pois enquanto os espíritos são "almas sem corpos", as crianças selvagens foram vistas por muitos, sobretudo durante os séculos XVIII e XIX, como "corpos sem almas", por não compartilharem a linguagem e consequentemente o pensamento humano.

Caso 1: Ivan Mishukov foi um pequeno moscovita que fugiu de casa para morar nas ruas dos quatro aos seis anos de idade. Ele nasceu em 1992 e em 1996 fugiu de casa e foi morar nas ruas de Moscou, sendo adotado por uma matilha de cachorros. Para conquistas a confiança dos cães ele mendigava por comida e dividia com os cães o que conseguia, em troca a matilha passou a protegê-lo, sempre que alguém tentava molestá-lo ou roubar. Além disso, o calor da matilha o manteve vivo e aquecido mesmo quando nevava, mais tarde, ele tornou-se o líder da matilha, tendo sido resgatado pela polícia de Moscou em 1998, aos seis anos de idade, após três tentativas.
 
Ivan Mishukov

Esse menino, filho de mãe alcoólatra e padrasto violento se tornou um “selvagem urbano”, mas, neste caso, como ele já aprendera a falar antes de ser adotado pelos cães, conseguia se comunicar com os seres humanos, ao contrário de outras crianças selvagens. Depois de resgatado e após passar uma temporada num abrigo para crianças, Ivan começou a estudar numa escola regular e não parecia diferente de qualquer outra criança, mas relatava que à noite sonhava com os cães.

Caso 2: Oxana Malaya nasceu em 1983, ela passou grande parte da sua infância, dos 3 até os 8 anos, vivendo em um canil no quintal da casa da família na Ucrânia. Sem atenção e acolhimento dos pais alcoólatras, a menina encontrou abrigo entre os cães e se refugiou num barracão habitado por eles nos fundos da casa. Isso fez com que a menina adquirisse um padrão de comportamento tipicamente canino.
 
Oxana Malaya
O vínculo com a matilha de cães era tão forte que as autoridades que vieram para salvá-la foram expulsas na primeira tentativa pelos cães. Logo que foi encontrada, em 1991, ela mal conseguia falar e só sabia dizer “sim” e “não”, no mais rosnava, latia e andava por todos os lados como um cão selvagem. Além disso, cheirava a comida antes de comer, e tinha os sentidos de audição, olfato e visão extremamente aguçados.

Oxana teve grandes dificuldades para adquirir habilidades sociais e emocionais, tipicamente humanas, pois tinha sido privada de estimulação intelectual e social, e seu único apoio emocional recebera dos cães com que vivia. Desde 2010, ela reside em uma fazenda clínica, utilizada como lar para deficientes mentais, onde ajuda a cuidar das vacas, mas ainda afirma que é mais feliz quando está entre os cães. O vídeo abaixo documenta um pouco da sua história, ele inicia com imagens de Oxana, aos 15 anos, repetindo, a pedido dos documentaristas, o comportamento que já abandonara desde os 13 anos de idade.




Recentemente, aos 29 anos, Oxana foi entrevistada pela antropóloga Elizabeth Grice em sua casa localizada em Odessa, na Ucrânia. Grice encontrou uma jovem crescida conversando de pé com os amigos. Quando questionada sobre sua infância Oxana parecia muito embaraçada de falar sobre isso, respndendo: "Foi há muito tempo. Tudo o que eu me lembro são dos cuidadores e enfermeiros tentando me pegar, mas eu era rápida". Já as suas memórias da primeira infância ela bloqueou completamente.

Enquanto estava sendo entrevistada, um cão se aproximou e Oxana acariciou o cachorro e continuou andando com Grice. Ela disse que seu trabalho na casa é ordenhar as vacas e isso "ajuda a manter minha mente longe de querer ser um cão de novo". Ela também disse que ainda anda como um cão em seu quarto quando ninguém está olhando, pois isso lhe dá prazer e acalma quando se sente rejeitada pelas pessoas, mas está em paz com seu passado e é feliz.

Caso 3: John Ssabunnya, de Uganda, fugiu para a floresta aos 4 anos, após ver sua mãe sendo assassinada pelo seu pai. Ele foi reencontrado, em 1991, por uma mulher chamada Millie, integrante de uma tribo.

Quando foi visto pela primeira vez, Ssebunya estava escondido em uma árvore. Millie voltou para o vilarejo onde vivia e pediu ajuda para resgatá-lo, mas o garoto não apenas resistiu como também foi defendido por sua família adotiva de macacos. Quando foi capturado, seu corpo estava recoberto por ferimentos e seus intestinos infestados por vermes.
John Ssebunya

No começo, Ssebunya não sabia falar e nem chorar. Depois, ele não apenas aprendeu a se comunicar como, também, aprendeu a cantar e tomou parte em um coral infantil chamado Pearl Of Africa (“Pérola da África”). Ssebunya foi tema de um documentário produzido pela rede BBC, exibido em 1999. John disse  que recordava vagamente que um grupo de macacos se aproximou dele com curiosidade. Eram tímidos e precavidos, mas, pouco a pouco foram se acostumando a ele e ofereceram comida: raízes, frutas, nozes, etc. Após duas semanas parecia que o haviam aceitado como membro periférico de seu grupo. John viajava com eles em busca de alimento e subia em árvores para dormir de forma desconfortável com a cabeça mais para baixo e as nádegas para cima.

Cercopithicus aethiops
Algumas pessoas duvidavam da veracidade desta história, porém Debbie Cox, uma doutora em primatologia, do Centro de Educação e Vida Selvagem de Entebbe (Uganda), estudou a interação de John com um grupo de Cercopithicus aethiops, declarando que John era capaz de comunicar-se com estes macacos de una maneira que ela nunca havia visto. Ela supôs que para aprender a complexa linguajem corporal e sonora dos macacos, John deveria ter passado, como dizia, alguns anos convivendo com eles.

Logo que foi resgatado John evitava o contato visual e se aproximava de lado com as palmas das mãos abertas, de uma maneira classicamente simiesca. Ele também caminhava de lado, puxava os lábios para trás quando sorria e saudava as pessoas abraçando forte como os símios.

John foi adotado pelo orfanato Paul y Molly Wasswa, onde lhe ensinaram a falar e adotar costumes humanos como comer em um prato e dormir em uma cama. Como parte da sua terapia aprendeu a cantar salmos, revelando-se dono de uma bela voz e musicalidade. Atualmente, John vive no povoado de Kabonge, próximo de Bombo, ao norte de Kampala.

Nota:
[1] – Esta mesma peça concebida por Hattie Naylor e dirigida por Fernando Villar também foi encenada no Sesi Cultural em agosto de 2013. https://www.facebook.com/culturasesiae?hc_location=timeline

Referências e links:
1- BARBOSA, Jaque. Conheça a história de 5 crianças que foram criadas por animais. Hypeness, maio de 2013. http://www.hypeness.com.br/2013/05/conheca-a-historia-de-5-criancas-que-foram-criadas-por-animais/

2- CUNHA, Gladis Franck. Os filhos do seu tempo. Teliga.net, 29/03/2009. http://www.teliga.net/2009/03/os-filhos-do-seu-tempo.html

3- FISHER, Mark.  Ivan and the Dogs explores notion of feral children: Theatre piece based on true story of Ivan Mishukov, 18/03/2011. http://www.list.co.uk/article/33333-ivan-and-the-dogs-explores-notion-of-feral-children/

4- MASSINI-CAGLIARI, Gladis. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. Resenha: NEWTON, Michael 2002. Savage Girls and Wild Boys. A History of Feral Children. London: Faber and Faber. 284p. DELTA vol.19 no.1 São Paulo  2003. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502003000100008&script=sci_arttext

5- NOGUEZ, Luis Ruiz. Los niños salvajes (26). Marcianitos verdes, 09/10/2007. http://marcianitosverdes.haaan.com/2007/10/los-nios-salvajes-26/

6- Rised by dogs, 13/02/2013. http://oxanamalaya.blogspot.com.br/

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