31 agosto, 2013

Trilhas ecológicas como ferramenta para a interdisciplinaridade e educação ambiental (artigo completo).

por ; Liane T. Dorneles ; Roselice Parmegiani ; Simone Dalla Costa Lemos.

Acadêmicos da CARVI/UCS percorrendo a trilha.

Introdução
A importância da interdisciplinaridade tem sido a tônica da educação do século XXI, bem como, um dos temas centrais em debates entre cientistas de diferentes áreas. A escola deve ser capaz de concretizar os princípios da interdisciplinaridade por meio de uma contextualização do currículo, organização do tempo escolar e enriquecimento da prática pedagógica. Para tanto, faz-se necessário priorizar o desenvolvimento de habilidades e competências, a fim de que os educandos se tornem aptos a construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais.
Embora os sistemas biológicos gerem fascinantes padrões através do tempo e do espaço muitos estudantes ainda veem a biologia como uma lista estática de nomes de espécies, estruturas e moléculas e não, surpreendentemente, concluem que é enfadonha. Entretanto estudantes que participam de pesquisas descobrem que os sistemas biológicos podem ser entendidos através do “sentir” o ambiente ou os organismos. Segundo Chiel et al. (2012) estudantes que aprendem a fazer questionamentos  corretos com técnicas adequadas são hábeis em decifrar os elementos chaves, que fazem um sistema biológico funcionar.
A vida cotidiana é um contexto naturalmente interdisciplinar, onde as ações, aparentemente simples, fazem uso de conhecimento elaborado. Contudo, se a Educação Básica não estabelecer as relações entre o que está sendo estudado e o cotidiano dos educandos, isto permanecerá invisível. Nesse sentido, a interdisciplinaridade deve se constituir num processo de mobilização permanente, onde o saber fechado e estático seja substituído por um conhecimento aberto e dinâmico, que estabeleça um diálogo entre as diversas áreas do conhecimento e suas interfaces.
Qualquer indivíduo capaz de entender e usar o conhecimento científico ou artístico, disponibilizado pelas diversas áreas da produção cultural humana terá vantagens pessoais na construção de uma vida mais digna. Todavia, a apropriação deste conhecimento requer a capacidade de interpretá-lo e traduzi-lo para situações concretas do cotidiano. Em outras palavras, os professores não podem apenas “dizer o conteúdo”, mas precisam criar situações pedagógicas que viabilizem vivências construtivas, ou seja, que possibilitem o envolvimento pessoal de cada educando na descoberta dos conceitos científicos (DORNELES ; CUNHA, 2005).
Neste contexto, se insere a educação ambiental através de trilhas ecológicas como um instrumento interdisciplinar por excelência, que possibilita a articulação de saberes específicos com práticas pedagógicas diferenciadas, que provoquem reflexões e desencadeiem novos saberes e ações. Este trabalho desenvolvido em 2006 objetivou preparar os licenciandos para atuarem atendendo os parâmetros curriculares para o ensino de ciências naturais, contrapondo-se a uma abordagem tradicional que, particularmente no Ensino Fundamental, aborda os conteúdos conceituais de modo estanque e fragmentado.
Material e métodos

Planejamento da trilha ecológica: Um grupo de professores do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas reuniu-se com o objetivo de definir atividades adequadas, que pudessem ser aplicadas, pelos acadêmicos, a estudantes do ensino básico. Tais atividades incluíram coleta de dados e observação ambiental contemplando disciplinas de botânica, zoologia, química e matemática. Para isso, definiram-se temas centrais a serem abordados, um trajeto a ser percorrido e diferentes  estações para coleta de dados.

Acadêmicos recebendo orientações sobre aspectos relevantes das estações.

Preparação do grupo de trabalho: A preparação dos acadêmicos para orientar os visitantes envolveu o deslocamento por todo o percurso junto com os professores de cada uma das áreas envolvidas, os quais levantaram aspectos relevantes, que foram aprofundados através de pesquisa bibliográfica e retomados posteriormente. Os acadêmicos também desenvolveram materiais concretos para a delimitação das áreas e realização de medidas, a fim de trabalhar os conteúdos de matemática, evidenciando suas relações com a biologia.

Trilhas ecológicas: A trilha previamente demarcada localiza-se no Campus Universitário da Região dos Vinhedos da Universidade de Caxias do Sul, no município de Bento Gonçalves. Ao longo dos seus 1100 metros de extensão, foram definidas sete estações com características marcantes do ecossistema local, envolvendo áreas antropizadas e de mata natural. O tempo destinado para a execução da trilha envolveu uma hora de caminhada, mais 30 minutos para as atividades nas estações de trabalho.

Estações: os visitantes percorreram todo o trajeto, durante o qual, os acadêmicos realizaram paradas de cinco minutos para explicar aspectos relevantes. Além disso, cada grupo de visitantes realizou levantamento de dados em uma das estações, onde foi possível aprofundar as particularidades daquele microambiente, de forma interdisciplinar.  Para tanto, ao chegar às respectivas estações os acadêmicos dividiam os visitantes em subgrupos.  Assim, em cada estação, os estudantes do Ensino fundamental orientados por 3 a 5 acadêmicos, realizaram atividades que incluíram observações, coletas e o registro de dados.  Para isso, cada subgrupo delimitou uma parcela com área de 1 m2 , onde aplicavam metodologias utilizadas nas pesquisas biológicas, integrando conhecimentos de matemática, botânica e zoologia. Ao final da trilha, foi realizada uma reflexão sobre as observações, questionando-se as relações do ser humano com o ambiente natural.

Organização das atividades na trilha: Na chegada, os estudantes do Ensino Básico, foram recebidos e informados sobre as atividades das quais participariam, sendo, posteriormente, subdivididos em sete grupos. O primeiro grupo composto por cerca de 20 alunos e 3 monitores iniciou a caminhada em direção à sétima estação. O segundo grupo iniciou a caminhada após cinco minutos da saída do primeiro, tendo como objetivo trabalhar na sexta estação e, assim, sucessivamente para os demais grupos, de forma que o último grupo trabalhou na estação um e, após, percorreu o restante da trilha, observando os aspectos relevantes do trajeto.
Alunos do Ensino Fundamental recebem orientações no início da trilha.
Interdisciplinaridade nas estações: Os conteúdos de matemática foram explorados através da demarcação, no solo, de uma área na forma de um quadrado com um metro de lado, em lugar predeterminado em cada uma das estações. Esta técnica assemelha-se, em menor escala, aos procedimentos utilizados na pesquisa ecológica para levantamento da biodiversidade. Para construir o quadrado, os alunos utilizaram fita métrica, barbante, estacas, esquadros e transferidores. As noções matemáticas exploradas nesta atividade foram figuras planas e espaciais, ângulos retos e outros tipos de ângulos, unidades de medida de comprimento, instrumentos de medida, múltiplos e submúltiplos do metro, medidas de superfície e perímetro. Exploraram-se, ainda, as noções de círculo, circunferência, comprimento da circunferência, diâmetro e raio, a partir da medição do perímetro do caule das árvores inclusas no quadrado demarcado. Ainda, com o auxílio de um teodolito rudimentar e de calculadoras foram feitas estimativas da altura destas árvores pelo uso de conceitos trigonométricos. Em zoologia, observou-se a presença de animais invertebrados bem como vestígios de animais vertebrados, tais como: penas, ninhos, pegadas ou fezes. Em botânica, compararam-se as diferentes características das espécies presentes e suas estratégias adaptativas. Também foram explorados os conceitos de plantas nativas e exóticas e, como estas últimas, interferem num ambiente diferente da sua origem.

Os acadêmicos destacam para os visitantes os pontos relevantes ao longo da trilha.

Resultados
A concepção da trilha realizada por um grupo interdisciplinar de professores permitiu que fossem exploradas as interfaces entre o conhecimento matemático e biológico, pois cada professor trouxe o olhar da sua respectiva área de formação. O estabelecimento de estações e a forma de organização, ao longo da trilha, favoreceu a vivência de conteúdos específicos destas diferentes áreas do conhecimento. Por outro lado, a subdivisão dos grupos e o intervalo de tempo entre eles para percorrer o trajeto e atuar na respectiva estação permitiu atender um grande número de alunos sem impactar a trilha.

A proposta de fazer com que os alunos do ensino básico atuassem como pesquisadores evidenciou que o trabalho científico é essencialmente interdisciplinar. Embora a Biologia seja constituída por múltiplas subáreas, nesta proposta, evidenciou-se, também, o quanto a matemática interage com o conhecimento científico, fornecendo instrumentos para coleta e análise de dados. Além disso, demonstrou-se que a pesquisa científica não requer habilidades inatas ou especiais, mas sim, requer curiosidade, disciplina e busca pelo conhecimento. Nesse trabalho, foram atendidos cerca de 300 visitantes oriundos de duas escolas de Ensino Fundamental, em um único turno de trabalho, quando as mesmas desenvolvem atividades complementares com seus alunos.
Auxiliados pelos acadêmicos os alunos fazem medição do perímetro do caule de algumas árvores.

Cada estação possibilitou, ainda, abordagens específicas das diferentes áreas do conhecimento, permitindo o aprofundamento de diversos saberes. A estação 1 continha espécimes de araucária (Araucaria angustifolia), de erva mate (Ilex paraguaiensis) e de pinus (Pinus elliotti), os quais foram comparados de modo a trabalhar os conceito de organismos nativos e exóticos, analisando-se o efeito que cada planta causa ao seu entorno e os desequilíbrios que a introdução de espécies exóticas podem provocar.

Na estação 1 o solo com pouca vegetação sob o grande pé de pinus.
A estação 2, era um microambiente mais úmido no qual constatou-se a presença de várias espécies de musgos. Além disso, havia neste local um muro de pedras construído para evitar a erosão do solo em uma parte inclinada do terreno, evidenciando que a interferência humana no ambiente também pode ser benéfica. Nessa estação, todos os grupos realizaram a medição do perímetro do caule da maior araucária ao longo da trilha, de forma a comparar a influência do ambiente, sobre o desenvolvimento das plantas, num mesmo ecossistema, bem como, esclarecer que o perímetro do caule, geralmente, reflete a idade dos indivíduos.

Na estação 3, a trilha cruzava uma nascente junto a qual havia a presença de resíduos sólidos deixados por frequentadores do campus, espaço este muito utilizado pelos munícipes para realização de caminhadas ou outras atividades físicas ao ar livre. A atitude questionável  de descartar resíduos diretamente no ambiente desencadeou um breve debate sobre a responsabilidade humana na preservação dos recursos hídricos. Já na estação 4,  onde há uma pequena represa, observaram-se planárias (Dugesa spp. ) de coloração escura  e corpo arredondado, indicando que não havia poluição química da água, mas, provavelmente, havia coliformes fecais. Aproveitou-se este contexto e exemplo para abordar a utilização dos bioindicadores para análise das condições ambientais de um ecossistema.

Na estação 5, foi destacada a presença de xaxins (Dicksonia sellowiana), explicando-se que seu crescimento era de 1 cm por ano, de modo que, a partir da medição de um dos exemplares pode-se inferir sua idade aproximada de 160 anos. Após a medição, enfatizou-se o perigo de extinção dessa espécie que é muito procurada para confecção de vasos feitos do seu caule, eliminando-se, nesse processo, o indivíduo. Nesta estação, também foi informado que esta Pteridófita está sendo investigada para produção de um fitoterápico que combate a asma, neste caso, sendo utilizadas as folhas de espécimes cultivados e preservando-se os indivíduos. Através desses exemplos, compararam-se os processos de desenvolvimento predatório versus desenvolvimento sustentável, em relação à utilização dos recursos naturais.

Dicksonia sellowiana

Já na estação 6 voltou-se a discutir a questão de introdução de espécies não nativas num ambiente natural, pois, neste local, havia espécimes de castanheiras portuguesas (Castanea vesca) que são árvores exóticas de crescimento rápido, capazes de atingir até 30 m de altura. Estas árvores são cultivadas no Brasil, do estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul, pois se adaptam a locais de clima temperado. O solo sob as castanheiras estava recoberto de palminhas (Crocosmia crocosmiiflora), que é uma espécie originária da África do Sul, cultivada com fins ornamentais. A associação destas duas espécies exóticas criou, nessa estação, um microambiente mais pobre do que a mata nativa circundante. Neste ponto, mais uma vez, alertou-se para o perigo da introdução de espécies exóticas de forma não manejada.

A estação 7 se caracterizava por uma cobertura vegetal mais densa, em contraposição ao que fora observado na estação 6. Este local apresentava um ambiente menos iluminado, onde ocorriam vegetais com folhas maiores e mais escuras, que maximizam a captação de luz para fotossíntese. Também se observou a ocorrência de orquídeas (Capaneimia superflua) e de liquens de coloração avermelhada (Herpothallon rubrocinctum) que são extremamente sensíveis à poluição atmosférica, servindo como bioindicadores de qualidade do ar. Ao final da trilha, já de volta aos locais mais antropizados, voltou-se a observar resíduos sólidos descartados no ambiente, os quais possibilitaram a retomada da discussão sobre o descaso humano em relação à poluição ambiental.

A realização de atividades relacionadas às pesquisas biológicas, tais como: coleta, comparação e registro de dados permitiu o debate sobre o trabalho científico, que demanda observação criteriosa, utilização de instrumentos de medida e definição de uma metodologia adequada ao estudo. No caso dessa trilha, foi aplicada uma metodologia para caracterização ambiental, a qual utilizou conhecimentos de matemática, botânica e zoologia. Observou-se, também, que, para as crianças do Ensino Fundamental, esta atividade teve um aspecto lúdico, pois as mesmas se mantiveram interessadas e participativas durante todo o percurso, sem reclamações de cansaço. Além disso, a metodologia utilizada pelos guias, de perguntar antes de fornecer as informações, estimulou estas crianças a resolverem problemas, bem como, sentirem-se confiantes para dialogar com os educadores, expondo suas próprias dúvidas, curiosidades e conclusões, processo este, fundamental, para o desenvolvimento da Inteligência e autonomia para elaboração de hipóteses.
Orientados pela acadêmica, um grupo de alunos registra os dados observados na área delimitada.

Por outro lado, o trabalho de guiar uma trilha ecológica preparou os acadêmicos do curso de Ciências Biológicas para atuarem de forma interdisciplinar nos estágios didáticos. Este resultado verificou-se, posteriormente, nos anos de 2010, 2011 e 2012, quando houve diferentes experiências utilizando esta metodologia no Estágio IV. Este estágio tem como objetivo geral a vivência do processo educativo em ambientes formais ou não formais. Assim sendo, os acadêmicos já aplicaram quatro projetos interdisciplinares com trilha ecológica em ambientes não formais e com educandos de diferentes faixas etárias. Tais experiências têm sido muito bem avaliadas pelas instituições concedentes do estágio, por propiciarem um ambiente lúdico e interativo de construção do conhecimento.

Discussão
A “Trilha Ecológica” possibilitou o trabalho em equipes e a abordagem interdisciplinar de conteúdos de diferentes áreas, estabelecendo o contato entre os acadêmicos e alunos de escolas públicas para partilhar conhecimentos. Este tipo de atividade se contrapõe às metodologias equivocadas, que utilizam a repetição e a “decoreba”, sem estabelecer relações entre os conteúdos abordados e o cotidiano.  Como destacou Vygotsky (2001) um conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas formadas pela memória, pois se trata de um ato real e complexo do pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento. O desenvolvimento dos conceitos pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar (VYGOTSKY, 2001). Tais funções intelectuais foram exercitadas quando os alunos do ensino básico compartilhavam suas dúvidas, curiosidades e conclusões, à medida que foram sendo questionados, pelos acadêmicos, ao longo da trilha e nas estações de trabalho.

O professor que, na sua prática comum de sala de aula, aborda de forma isolada os conhecimentos dos diferentes componentes curriculares, dando ênfase ao conteúdo em si, gera uma compartimentalização do conhecimento. Neste contexto, o trabalho com trilhas ecológicas se contrapõe a esta prática, formando professores capazes de estabelecer relações dos conteúdos com o cotidiano dos educandos, evitando a reprodução de metodologias voltadas para a memorização, num processo de ensino-aprendizagem destituído de vida ou de inspiração transformadora.

Assim, as práticas interdisciplinares com a metodologia de trilhas ecológicas superam a divisão do conhecimento em áreas estanques, permitindo o desenvolvimento de uma consciência crítica. Conforme destacou Barbosa (1979) a função da interdisciplinaridade não é comunicar ao indivíduo uma visão integrada de todo o conhecimento, mas desenvolver um processo de pensamento que o torne competente para buscar novas sínteses diante do inesperado. Na opinião de Fazenda (1997, p.8), a interdisciplinaridade “é uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida frente ao problema do conhecimento, ou seja, é a substituição de uma concepção fragmentária para unitária do ser humano”.

No campo da produção do conhecimento científico, Lück (1994) destaca que a interdisciplinaridade orienta a produção de novos conhecimentos. A prática do diálogo com outras áreas leva às relações e conexões de ideias, faz perceber, sentir e pensar de forma interdisciplinar, exigindo a necessidade de transpor barreiras.  Isto foi constatado durante as atividades nas estações de trabalho, quando os alunos atuavam como se fossem pesquisadores e precisavam utilizar conhecimentos da matemática para a coleta de dados biológicos. Em outro contexto, experiências de trabalho interdisciplinar com estudantes universitários de cursos de Engenharia e Biologia, também mostraram que, após a interação, ambos passaram a compreender suas respectivas áreas de forma mais ampla (CHIEL et al. 2012).

Em se tratando do Ensino Fundamental, a fragmentação torna mais difícil o aprendizado, dificultando a compreensão das relações entre campos do conhecimento que são solidários na formação dos conceitos científicos. A sala de aula tradicional intimida o educador a promover dinâmicas diferenciadas devido as suas limitações de espaço e de tempo, contribuindo para um ensino voltado para a repetição e alienação frente ao conhecimento elaborado. Para estabelecer uma contraposição a esta realidade é preciso criar oportunidades e desafios que promovam uma participação ativa dos educandos e o dialogo com os pares, que é uma das essências do trabalho interdisciplinar, como se observou durante a trilha ecológica.

No campo educativo, a Matemática pode se associar com as disciplinas científicas em projetos interdisciplinares, pois comporta um amplo campo de relações, regularidades e coerências que despertam a curiosidade e instigam a capacidade de generalizar, projetar, prever, abstrair, favorecendo a estruturação do pensamento e o desenvolvimento do raciocínio lógico (BRASIL, 2002). Porém, como destacam Larson e Begg (2011) o sucesso dos esforços interdisciplinares exige o domínio de competências específicas que podem ser aprendidas e aperfeiçoadas. 

Nesse sentido, a etapa preparatória para conduzir uma trilha ecológica foi essencial, pois envolveu a formação de um grupo cooperativo de acadêmicos, o conhecimento prévio do local, bem como a pesquisa bibliográfica para aprofundamento das questões mais relevantes e a elaboração de materiais concretos, para viabilizar as atividades dos educandos, nas estações de trabalho.

Uma trilha ecológica, por se constituir um exercício de laboratório a céu aberto, oferece condições não controladas, permitindo que novas variáveis surjam inesperadamente. Assim sendo, suas abordagens são, naturalmente, de caráter interdisciplinar. Nesse contexto, por exemplo, a Matemática contribui com ferramentas essenciais como médias, áreas, volumes, proporcionalidade, e procedimentos, tais como, formulação de hipóteses, realização de cálculos, coleta, organização e interpretação de dados estatísticos para a compreensão de fenômenos que ocorrem no ambiente. Já a Química, Física, Geologia e Biologia estabelecem  interações, aparentemente, mais óbvias, as quais passam desapercebidas se não ocorrer um direcionamento específico para isto, através das observações e questionamentos propostos pelos guias.

Foi observado que, ao se preparar para guiar uma trilha ecológica, um acadêmico de Biologia consegue, como propõe Labov et al., (2010) um profundo entendimento biológico, o qual emerge a partir de um pensamento multifacetado pelas diversas disciplinas. Esta compreensão mais aguda amplia os conhecimentos e as capacidades de observação e análise que permitirão avanços sobre os complexos e inter-relacionados desafios observados no ambiente.

Ao guiarem a trilha, os acadêmicos compartilharam seus conhecimentos com os educandos oriundos do Ensino Básico, os quais mais cedo desenvolverão habilidades e competências para  interpretar os fenômenos naturais. Segundo Piaget (1995), a comunicação de um determinado conhecimento exige um processo de abstração reflexionante, que depende de uma construção prévia, portanto, ao explicar um conteúdo, amplia-se sua compreensão e desenvolve-se a inteligência como um todo.

Através da trilha ecológica, os acadêmicos puderam desenvolver atividades que exigiram observação, comparação, reflexão e pensamento crítico, favorecendo a aquisição de conhecimentos e competências para o trabalho interdisciplinar. Como esta proposta de trabalho foi desenvolvida com acadêmicos iniciantes, ela contribuiu para uma visão integrada do curso de Ciências Biológicas, indicando que este tipo de trabalho merece ser continuado, uma vez que, estrutura a futura atuação docente, onde é necessária a integração dos diversos conteúdos entre si e deles com o cotidiano. Corroborando com Sorgo (2010), quando sugere que propostas pedagógicas capazes de conectar conteúdos devem ser introduzidas desde o ensino fundamental, de modo a produzir mentes preparadas para lidar com problemas complexos, cuja solução exija a articulação de profissionais de diferentes áreas.

Para ensinar interdisciplinaridade é preciso saber trabalhar numa equipe (LARSON; BEGG, 2011), pois equipes exigem parceria e responsabilidade. Em síntese, para que seja possível desenvolver um trabalho interdisciplinar, é necessária uma mudança de postura. Essa mudança implica o abandono de práticas pedagógicas rígidas, centradas no professor, caminhando rumo a uma metodologia motivadora, diferenciada e coletiva, que respeite a opinião do outro e parta de conhecimentos anteriores (MOLL, 2004), como observado neste trabalho. As experiências de 2006 e os projetos subsequentes desenvolvidos, posteriormente, indicaram que esta metodologia estabelece uma relação interativa entre educadores e educandos, integra conceitos e métodos de várias disciplinas e aborda uma temática com diferentes perspectivas, evidenciando a importância do trabalho em equipe.

Um dos projetos interdisciplinares do Estágio IV que utilizou atividade de trilha em 2010. 

O projeto de trilha ecológica envolveu professores de diferentes disciplinas e foi  aplicado  a acadêmicos de Ciências Biológicas,  mas seu caráter interdisciplinar indicou que poderá constituir-se numa atividade complementar, que seja oferecida a diferentes cursos universitários,  ampliando o diálogo entre diferentes áreas  e contribuindo com novas perspectivas sobre os problemas de pesquisa. Assim, concordando com Karsai e colaboradores (2011), que trabalharam com estudantes de matemática, ciências da computação, química e biologia formando grupos interdisciplinares para resolver problemas da biologia quantitativa em cursos de verão. Seus resultados indicaram que o trabalho em equipe trouxe tantos ou mais subsídios do que o trabalho tradicional e intensivo dos estudos independentes.  Os autores observaram, ainda, que a maioria dos estudantes permaneceu conectada às suas equipes após a conclusão dos cursos, utilizando as abordagens do projeto em outras pesquisas até mesmo em trabalhos de cursos de graduações. O que, no caso do presente trabalho, também foi comprovado nos trabalhos subsequentes de 2010, 2011 e 2012, desenvolvidos pelos acadêmicos no Estágio IV.

Conclusões
O projeto de trilha ecológica permitiu que fossem exploradas as três dimensões do conhecimento (saber, saber fazer e ser ) fornecendo, aos acadêmicos, bases significativas para construção de competências e habilidades necessárias à  sua futura atuação profissional como educadores.

A experiência educativa proporcionada através de projetos como os desenvolvidos nas trilhas ecológicas contribui com a formação de indivíduos mais críticos e preocupados com as questões ambientais.
Ao privilegiar o trabalho em grupo, promoveu-se o comprometimento e a responsabilidade dos acadêmicos, predispondo à elaboração de projetos interdisciplinares em sua futura prática docente, contribuindo para a aceitação do outro, a divisão de responsabilidades e a comunicação com os colegas.
A abordagem interdisciplinar possibilita a mudança de paradigma dos futuros profissionais, para que eles compreendam que o professor vai vencendo seus limites, dia a dia, caso se disponha a descobrir, elaborar, explorar e ouvir novas frentes de conhecimento, reconhecendo a importância do trabalho em equipe e a socialização dos conhecimentos.

Fonte: G.F. Cunha; L.T. Dorneles; R. Parmegiani; S.D.C. Lemos. Environmental educational trails as a tool for interdisciplinarity and environmental education. IX CONVENCIÓN INTERNACIONAL SOBRE MEDIO AMBIENTE Y DESARROLLO, Memorias, ISBN 978-959-300-034-5, 2013, p 812-816.

Referências:
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