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Acadêmicos da CARVI/UCS percorrendo a trilha. |
Introdução
A importância da
interdisciplinaridade tem sido a tônica da educação do século XXI, bem como, um
dos temas centrais em debates entre cientistas de diferentes áreas. A escola
deve ser capaz de concretizar os princípios da interdisciplinaridade por meio
de uma contextualização do currículo, organização do tempo escolar e
enriquecimento da prática pedagógica. Para tanto, faz-se necessário priorizar o
desenvolvimento de habilidades e competências, a fim de que os educandos se
tornem aptos a construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento
para a compreensão de fenômenos naturais.
Embora os sistemas biológicos gerem
fascinantes padrões através do tempo e do espaço muitos estudantes ainda veem a
biologia como uma lista estática de nomes de espécies, estruturas e moléculas e
não, surpreendentemente, concluem que é enfadonha. Entretanto estudantes que
participam de pesquisas descobrem que os sistemas biológicos podem ser
entendidos através do “sentir” o ambiente ou os organismos. Segundo Chiel et al. (2012) estudantes que aprendem a
fazer questionamentos corretos com
técnicas adequadas são hábeis em decifrar os elementos chaves, que fazem um
sistema biológico funcionar.
A vida cotidiana é um contexto
naturalmente interdisciplinar, onde as ações, aparentemente simples, fazem uso
de conhecimento elaborado. Contudo, se a Educação Básica não estabelecer as
relações entre o que está sendo estudado e o cotidiano dos educandos, isto
permanecerá invisível. Nesse sentido, a interdisciplinaridade deve se constituir
num processo de mobilização permanente, onde o saber fechado e estático seja
substituído por um conhecimento aberto e dinâmico, que estabeleça um diálogo
entre as diversas áreas do conhecimento e suas interfaces.
Qualquer indivíduo capaz de entender
e usar o conhecimento científico ou artístico, disponibilizado pelas diversas
áreas da produção cultural humana terá vantagens pessoais na construção de uma
vida mais digna. Todavia, a apropriação deste conhecimento requer a capacidade
de interpretá-lo e traduzi-lo para situações concretas do cotidiano. Em outras
palavras, os professores não podem apenas “dizer o conteúdo”, mas precisam
criar situações pedagógicas que viabilizem vivências construtivas, ou seja, que
possibilitem o envolvimento pessoal de cada educando na descoberta dos
conceitos científicos (DORNELES ; CUNHA, 2005).
Neste contexto, se insere a
educação ambiental através de trilhas ecológicas como um instrumento
interdisciplinar por excelência, que possibilita a articulação de saberes específicos
com práticas pedagógicas diferenciadas, que provoquem reflexões e desencadeiem
novos saberes e ações. Este trabalho desenvolvido em 2006 objetivou preparar os
licenciandos para atuarem atendendo os parâmetros curriculares para o ensino de
ciências naturais, contrapondo-se a uma abordagem tradicional que,
particularmente no Ensino Fundamental, aborda os conteúdos conceituais de modo
estanque e fragmentado.
Material e métodos
Planejamento da trilha ecológica: Um grupo de professores do Curso de Licenciatura
em Ciências Biológicas reuniu-se com o objetivo de definir atividades adequadas,
que pudessem ser aplicadas, pelos acadêmicos, a estudantes do ensino básico.
Tais atividades incluíram coleta de dados e observação ambiental contemplando
disciplinas de botânica, zoologia, química e matemática. Para isso, definiram-se
temas centrais a serem abordados, um trajeto a ser percorrido e diferentes estações para coleta de dados.
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Acadêmicos recebendo orientações sobre aspectos relevantes das estações. |
Preparação do grupo de trabalho: A preparação dos acadêmicos para orientar os
visitantes envolveu o deslocamento por todo o percurso junto com os professores
de cada uma das áreas envolvidas, os quais levantaram aspectos relevantes, que
foram aprofundados através de pesquisa bibliográfica e retomados
posteriormente. Os acadêmicos também desenvolveram materiais concretos para a
delimitação das áreas e realização de medidas, a fim de trabalhar os conteúdos
de matemática, evidenciando suas relações com a biologia.
Trilhas ecológicas: A trilha previamente demarcada localiza-se no
Campus Universitário da Região dos Vinhedos da Universidade de Caxias do Sul,
no município de Bento Gonçalves. Ao longo dos seus 1100 metros de extensão, foram
definidas sete estações com características marcantes do ecossistema local,
envolvendo áreas antropizadas e de mata natural. O tempo destinado para a
execução da trilha envolveu uma hora de caminhada, mais 30 minutos para as
atividades nas estações de trabalho.
Estações: os visitantes percorreram todo o trajeto,
durante o qual, os acadêmicos realizaram paradas de cinco minutos para explicar
aspectos relevantes. Além disso, cada grupo de visitantes realizou levantamento
de dados em uma das estações, onde foi possível aprofundar as particularidades
daquele microambiente, de forma interdisciplinar. Para tanto, ao chegar às respectivas estações
os acadêmicos dividiam os visitantes em subgrupos. Assim, em cada estação, os estudantes do
Ensino fundamental orientados por 3 a 5 acadêmicos, realizaram atividades que incluíram
observações, coletas e o registro de dados.
Para isso, cada subgrupo delimitou uma parcela com área de 1 m2
, onde aplicavam metodologias utilizadas nas pesquisas biológicas, integrando conhecimentos
de matemática, botânica e zoologia. Ao final da trilha, foi realizada uma
reflexão sobre as observações, questionando-se as relações do ser humano com o
ambiente natural.
Organização das atividades na
trilha: Na chegada, os estudantes do Ensino Básico, foram recebidos e
informados sobre as atividades das quais participariam, sendo, posteriormente, subdivididos
em sete grupos. O primeiro grupo composto por cerca de 20 alunos e 3 monitores
iniciou a caminhada em direção à sétima estação. O segundo grupo iniciou a
caminhada após cinco minutos da saída do primeiro, tendo como objetivo
trabalhar na sexta estação e, assim, sucessivamente para os demais grupos, de
forma que o último grupo trabalhou na estação um e, após, percorreu o restante
da trilha, observando os aspectos relevantes do trajeto.
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Alunos do Ensino Fundamental recebem orientações no início da trilha. |
Interdisciplinaridade nas
estações: Os conteúdos de matemática foram explorados através da demarcação, no
solo, de uma área na forma de um quadrado com um metro de lado, em lugar
predeterminado em cada uma das estações. Esta técnica assemelha-se, em menor escala,
aos procedimentos utilizados na pesquisa ecológica para levantamento da
biodiversidade. Para construir o quadrado, os alunos utilizaram fita métrica,
barbante, estacas, esquadros e transferidores. As noções matemáticas exploradas
nesta atividade foram figuras planas e espaciais, ângulos retos e outros tipos
de ângulos, unidades de medida de comprimento, instrumentos de medida,
múltiplos e submúltiplos do metro, medidas de superfície e perímetro.
Exploraram-se, ainda, as noções de círculo, circunferência, comprimento da
circunferência, diâmetro e raio, a partir da medição do perímetro do caule das
árvores inclusas no quadrado demarcado. Ainda, com o auxílio de um teodolito
rudimentar e de calculadoras foram feitas estimativas da altura destas árvores
pelo uso de conceitos trigonométricos. Em
zoologia, observou-se a presença de animais invertebrados bem como vestígios de
animais vertebrados, tais como: penas, ninhos, pegadas ou fezes. Em botânica,
compararam-se as diferentes características das espécies presentes e suas
estratégias adaptativas. Também foram explorados os conceitos de plantas
nativas e exóticas e, como estas últimas, interferem num ambiente diferente da
sua origem.
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Os acadêmicos destacam para os visitantes os pontos relevantes ao longo da trilha. |
Resultados
A concepção da trilha realizada por um grupo interdisciplinar de
professores permitiu que fossem exploradas as interfaces entre o conhecimento
matemático e biológico, pois cada professor trouxe o olhar da sua respectiva
área de formação. O estabelecimento de estações e a forma de organização, ao
longo da trilha, favoreceu a vivência de conteúdos específicos destas
diferentes áreas do conhecimento. Por outro lado, a subdivisão dos grupos e o
intervalo de tempo entre eles para percorrer o trajeto e atuar na respectiva
estação permitiu atender um grande número de alunos sem impactar a trilha.
A proposta de fazer com que os alunos do ensino básico atuassem como
pesquisadores evidenciou que o trabalho científico é essencialmente
interdisciplinar. Embora a Biologia seja constituída por múltiplas subáreas,
nesta proposta, evidenciou-se, também, o quanto a matemática interage com o
conhecimento científico, fornecendo instrumentos para coleta e análise de
dados. Além disso, demonstrou-se que a pesquisa científica não requer
habilidades inatas ou especiais, mas sim, requer curiosidade, disciplina e
busca pelo conhecimento. Nesse trabalho, foram atendidos cerca de 300
visitantes oriundos de duas escolas de Ensino Fundamental, em um único turno de
trabalho, quando as mesmas desenvolvem atividades complementares com seus
alunos.
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Auxiliados pelos acadêmicos os alunos fazem medição do perímetro do caule de algumas árvores. |
Cada estação possibilitou, ainda, abordagens específicas das diferentes áreas
do conhecimento, permitindo o aprofundamento de diversos saberes. A estação 1
continha espécimes de araucária (Araucaria
angustifolia), de erva mate (Ilex
paraguaiensis) e de pinus (Pinus
elliotti), os quais foram comparados de modo a trabalhar os conceito de
organismos nativos e exóticos, analisando-se o efeito que cada planta causa ao
seu entorno e os desequilíbrios que a introdução de espécies exóticas podem
provocar.
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Na estação 1 o solo com pouca vegetação sob o grande pé de pinus. |
A estação 2, era um microambiente mais úmido
no qual constatou-se a presença de várias espécies de musgos. Além disso, havia
neste local um muro de pedras construído para evitar a erosão do solo em uma
parte inclinada do terreno, evidenciando que a interferência humana no ambiente
também pode ser benéfica. Nessa estação, todos os grupos realizaram a medição
do perímetro do caule da maior araucária ao longo da trilha, de forma a
comparar a influência do ambiente, sobre o desenvolvimento das plantas, num
mesmo ecossistema, bem como, esclarecer que o perímetro do caule, geralmente,
reflete a idade dos indivíduos.
Na estação 3, a trilha
cruzava uma nascente junto a qual havia a presença de resíduos sólidos deixados
por frequentadores do campus, espaço este muito utilizado pelos munícipes para
realização de caminhadas ou outras atividades físicas ao ar livre. A atitude
questionável de descartar resíduos
diretamente no ambiente desencadeou um breve debate sobre a responsabilidade
humana na preservação dos recursos hídricos. Já na estação 4, onde há uma pequena represa, observaram-se
planárias (Dugesa spp. ) de coloração
escura e corpo arredondado, indicando
que não havia poluição química da água, mas, provavelmente, havia coliformes
fecais. Aproveitou-se este contexto e exemplo para abordar a utilização dos
bioindicadores para análise das condições ambientais de um ecossistema.
Na estação 5, foi
destacada a presença de xaxins (Dicksonia
sellowiana), explicando-se que seu crescimento era de 1 cm por ano, de modo
que, a partir da medição de um dos exemplares pode-se inferir sua idade
aproximada de 160 anos. Após a medição, enfatizou-se o perigo de extinção dessa
espécie que é muito procurada para confecção de vasos feitos do seu caule, eliminando-se,
nesse processo, o indivíduo. Nesta estação, também foi informado que esta
Pteridófita está sendo investigada para produção de um fitoterápico que combate
a asma, neste caso, sendo utilizadas as folhas de espécimes cultivados e
preservando-se os indivíduos. Através desses exemplos, compararam-se os
processos de desenvolvimento predatório versus
desenvolvimento sustentável, em relação à utilização dos recursos naturais.
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Dicksonia sellowiana |
Já na estação 6 voltou-se
a discutir a questão de introdução de espécies não nativas num ambiente natural,
pois, neste local, havia espécimes de castanheiras portuguesas (Castanea vesca) que são árvores exóticas
de crescimento rápido, capazes de atingir até 30 m de altura. Estas árvores são
cultivadas no Brasil, do estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul, pois se
adaptam a locais de clima temperado. O solo sob as castanheiras estava
recoberto de palminhas (Crocosmia
crocosmiiflora), que é uma espécie originária da África do Sul, cultivada
com fins ornamentais. A associação destas duas espécies exóticas criou, nessa
estação, um microambiente mais pobre do que a mata nativa circundante. Neste
ponto, mais uma vez, alertou-se para o perigo da introdução de espécies
exóticas de forma não manejada.
A estação 7 se
caracterizava por uma cobertura vegetal mais densa, em contraposição ao que
fora observado na estação 6. Este local apresentava um ambiente menos
iluminado, onde ocorriam vegetais com folhas maiores e mais escuras, que
maximizam a captação de luz para fotossíntese. Também se observou a ocorrência de
orquídeas (Capaneimia superflua) e de
liquens de coloração avermelhada (Herpothallon
rubrocinctum) que são extremamente sensíveis à poluição atmosférica, servindo
como bioindicadores de qualidade do ar. Ao final da trilha, já de volta aos
locais mais antropizados, voltou-se a observar resíduos sólidos descartados no
ambiente, os quais possibilitaram a retomada da discussão sobre o descaso
humano em relação à poluição ambiental.
A realização de atividades
relacionadas às pesquisas biológicas, tais como: coleta, comparação e registro
de dados permitiu o debate sobre o trabalho científico, que demanda observação
criteriosa, utilização de instrumentos de medida e definição de uma metodologia
adequada ao estudo. No caso dessa trilha, foi aplicada uma metodologia para
caracterização ambiental, a qual utilizou conhecimentos de matemática, botânica
e zoologia. Observou-se, também, que, para as crianças do Ensino Fundamental,
esta atividade teve um aspecto lúdico, pois as mesmas se mantiveram
interessadas e participativas durante todo o percurso, sem reclamações de
cansaço. Além disso, a metodologia utilizada pelos guias, de perguntar antes de
fornecer as informações, estimulou estas crianças a resolverem problemas, bem
como, sentirem-se confiantes para dialogar com os educadores, expondo suas
próprias dúvidas, curiosidades e conclusões, processo este, fundamental, para o
desenvolvimento da Inteligência e autonomia para elaboração de hipóteses.
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Orientados pela acadêmica, um grupo de alunos registra os dados observados na área delimitada. |
Por outro lado, o
trabalho de guiar uma trilha ecológica preparou os acadêmicos do curso de
Ciências Biológicas para atuarem de forma interdisciplinar nos estágios
didáticos. Este resultado verificou-se, posteriormente, nos anos de 2010, 2011
e 2012, quando houve diferentes experiências utilizando esta metodologia no
Estágio IV. Este estágio tem como objetivo geral a vivência do processo
educativo em ambientes formais ou não formais. Assim sendo, os acadêmicos já aplicaram
quatro projetos interdisciplinares com trilha ecológica em ambientes não
formais e com educandos de diferentes faixas etárias. Tais experiências têm
sido muito bem avaliadas pelas instituições concedentes do estágio, por propiciarem
um ambiente lúdico e interativo de construção do conhecimento.
Discussão
A “Trilha Ecológica”
possibilitou o trabalho em equipes e a abordagem interdisciplinar de conteúdos
de diferentes áreas, estabelecendo o contato entre os acadêmicos e alunos de
escolas públicas para partilhar conhecimentos. Este tipo de atividade se
contrapõe às metodologias equivocadas, que utilizam a repetição e a “decoreba”,
sem estabelecer relações entre os conteúdos abordados e o cotidiano. Como destacou Vygotsky (2001) um conceito é
mais do que a soma de certas conexões associativas formadas pela memória, pois
se trata de um ato real e complexo do pensamento que não pode ser ensinado por
meio de treinamento. O desenvolvimento dos conceitos pressupõe o
desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória
lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar (VYGOTSKY, 2001).
Tais funções intelectuais foram exercitadas quando os alunos do ensino básico
compartilhavam suas dúvidas, curiosidades e conclusões, à medida que foram
sendo questionados, pelos acadêmicos, ao longo da trilha e nas estações de
trabalho.
O professor que, na
sua prática comum de sala de aula, aborda de forma isolada os conhecimentos dos
diferentes componentes curriculares, dando ênfase ao conteúdo em si, gera uma
compartimentalização do conhecimento. Neste contexto, o trabalho com trilhas
ecológicas se contrapõe a esta prática, formando professores capazes de
estabelecer relações dos conteúdos com o cotidiano dos educandos, evitando a
reprodução de metodologias voltadas para a memorização, num processo de
ensino-aprendizagem destituído de vida ou de inspiração transformadora.
Assim, as práticas
interdisciplinares com a metodologia de trilhas ecológicas superam a divisão do
conhecimento em áreas estanques, permitindo o desenvolvimento de uma
consciência crítica. Conforme destacou Barbosa (1979) a função da
interdisciplinaridade não é comunicar ao indivíduo uma visão integrada de todo
o conhecimento, mas desenvolver um processo de pensamento que o torne competente
para buscar novas sínteses diante do inesperado. Na opinião de Fazenda (1997,
p.8), a interdisciplinaridade “é uma relação de reciprocidade, de mutualidade,
que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida frente ao problema do
conhecimento, ou seja, é a substituição de uma concepção fragmentária para
unitária do ser humano”.
No campo da produção
do conhecimento científico, Lück (1994) destaca que a interdisciplinaridade
orienta a produção de novos conhecimentos. A prática do diálogo com outras
áreas leva às relações e conexões de ideias, faz perceber, sentir e pensar de
forma interdisciplinar, exigindo a necessidade de transpor barreiras. Isto foi constatado durante as atividades nas
estações de trabalho, quando os alunos atuavam como se fossem pesquisadores e
precisavam utilizar conhecimentos da matemática para a coleta de dados
biológicos. Em outro contexto, experiências de trabalho interdisciplinar com
estudantes universitários de cursos de Engenharia e Biologia, também mostraram que,
após a interação, ambos passaram a compreender suas respectivas áreas de forma
mais ampla (CHIEL et al. 2012).
Em se tratando do
Ensino Fundamental, a fragmentação torna mais difícil o aprendizado, dificultando
a compreensão das relações entre campos do conhecimento que são solidários na
formação dos conceitos científicos. A sala de aula tradicional intimida o
educador a promover dinâmicas diferenciadas devido as suas limitações de espaço
e de tempo, contribuindo para um ensino voltado para a repetição e alienação
frente ao conhecimento elaborado. Para estabelecer uma contraposição a esta
realidade é preciso criar oportunidades e desafios que promovam uma
participação ativa dos educandos e o dialogo com os pares, que é uma das
essências do trabalho interdisciplinar, como se observou durante a trilha
ecológica.
No campo educativo, a
Matemática pode se associar com as disciplinas científicas em projetos
interdisciplinares, pois comporta um amplo campo de relações, regularidades e
coerências que despertam a curiosidade e instigam a capacidade de generalizar,
projetar, prever, abstrair, favorecendo a estruturação do pensamento e o
desenvolvimento do raciocínio lógico (BRASIL, 2002). Porém, como destacam
Larson e Begg (2011) o sucesso dos esforços interdisciplinares exige o domínio
de competências específicas que podem ser aprendidas e aperfeiçoadas.
Nesse
sentido, a etapa preparatória para conduzir uma trilha ecológica foi essencial,
pois envolveu a formação de um grupo cooperativo de acadêmicos, o conhecimento
prévio do local, bem como a pesquisa bibliográfica para aprofundamento das
questões mais relevantes e a elaboração de materiais concretos, para viabilizar
as atividades dos educandos, nas estações de trabalho.
Uma trilha ecológica,
por se constituir um exercício de laboratório a céu aberto, oferece condições
não controladas, permitindo que novas variáveis surjam inesperadamente. Assim
sendo, suas abordagens são, naturalmente, de caráter interdisciplinar. Nesse
contexto, por exemplo, a Matemática contribui com ferramentas essenciais como
médias, áreas, volumes, proporcionalidade, e procedimentos, tais como,
formulação de hipóteses, realização de cálculos, coleta, organização e
interpretação de dados estatísticos para a compreensão de fenômenos que ocorrem
no ambiente. Já a Química, Física, Geologia e Biologia estabelecem interações, aparentemente, mais óbvias, as
quais passam desapercebidas se não ocorrer um direcionamento específico para
isto, através das observações e questionamentos propostos pelos guias.
Foi observado que, ao
se preparar para guiar uma trilha ecológica, um acadêmico de Biologia consegue,
como propõe Labov et al., (2010) um profundo entendimento biológico, o qual
emerge a partir de um pensamento multifacetado pelas diversas disciplinas. Esta
compreensão mais aguda amplia os conhecimentos e as capacidades de observação e
análise que permitirão avanços sobre os complexos e inter-relacionados desafios
observados no ambiente.
Ao guiarem a trilha, os
acadêmicos compartilharam seus conhecimentos com os educandos oriundos do
Ensino Básico, os quais mais cedo desenvolverão habilidades e competências
para interpretar os fenômenos naturais.
Segundo Piaget (1995), a comunicação de um determinado conhecimento
exige um processo de abstração reflexionante, que depende de uma construção
prévia, portanto, ao explicar um conteúdo, amplia-se sua compreensão e desenvolve-se a inteligência
como um todo.
Através da trilha
ecológica, os acadêmicos puderam desenvolver atividades que exigiram
observação, comparação, reflexão e pensamento crítico, favorecendo a aquisição
de conhecimentos e competências para o trabalho interdisciplinar. Como esta
proposta de trabalho foi desenvolvida com acadêmicos iniciantes, ela contribuiu
para uma visão integrada do curso de Ciências Biológicas, indicando que este
tipo de trabalho merece ser continuado, uma vez que, estrutura a futura atuação
docente, onde é necessária a integração dos diversos conteúdos entre si e deles
com o cotidiano. Corroborando com Sorgo (2010), quando sugere que propostas pedagógicas
capazes de conectar conteúdos devem ser introduzidas desde o ensino fundamental,
de modo a produzir mentes preparadas para lidar com problemas complexos, cuja solução
exija a articulação de profissionais de diferentes áreas.
Para ensinar
interdisciplinaridade é preciso saber trabalhar numa equipe (LARSON; BEGG,
2011), pois equipes exigem parceria e responsabilidade. Em síntese, para que
seja possível desenvolver um trabalho interdisciplinar, é necessária uma
mudança de postura. Essa mudança implica o abandono de práticas pedagógicas
rígidas, centradas no professor, caminhando rumo a uma metodologia motivadora,
diferenciada e coletiva, que respeite a opinião do outro e parta de
conhecimentos anteriores (MOLL, 2004), como observado neste trabalho. As
experiências de 2006 e os projetos subsequentes desenvolvidos, posteriormente,
indicaram que esta metodologia estabelece uma relação interativa entre
educadores e educandos, integra conceitos e métodos de várias disciplinas e
aborda uma temática com diferentes perspectivas, evidenciando a importância do
trabalho em equipe.
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Um dos projetos interdisciplinares do Estágio IV que utilizou atividade de trilha em 2010. |
O projeto de trilha
ecológica envolveu professores de diferentes disciplinas e foi aplicado
a acadêmicos de Ciências Biológicas,
mas seu caráter interdisciplinar indicou que poderá constituir-se numa
atividade complementar, que seja oferecida a diferentes cursos universitários, ampliando o diálogo entre diferentes
áreas e contribuindo com novas
perspectivas sobre os problemas de pesquisa. Assim, concordando com Karsai e
colaboradores (2011), que trabalharam com estudantes de matemática, ciências da
computação, química e biologia formando grupos interdisciplinares para resolver
problemas da biologia quantitativa em cursos de verão. Seus resultados indicaram
que o trabalho em equipe trouxe tantos ou mais subsídios do que o trabalho
tradicional e intensivo dos estudos independentes. Os autores observaram, ainda, que a maioria
dos estudantes permaneceu conectada às suas equipes após a conclusão dos cursos,
utilizando as abordagens do projeto em outras pesquisas até mesmo em trabalhos
de cursos de graduações. O que, no caso do presente trabalho, também foi
comprovado nos trabalhos subsequentes de 2010, 2011 e 2012, desenvolvidos pelos
acadêmicos no Estágio IV.
Conclusões
O projeto de trilha
ecológica permitiu que fossem exploradas as três dimensões do conhecimento
(saber, saber fazer e ser ) fornecendo, aos acadêmicos, bases significativas
para construção de competências e habilidades necessárias à sua futura atuação profissional como
educadores.
A experiência educativa proporcionada através
de projetos como os desenvolvidos nas trilhas ecológicas contribui com a
formação de indivíduos mais críticos e preocupados com as questões ambientais.
Ao privilegiar o trabalho em grupo, promoveu-se
o comprometimento e a responsabilidade dos acadêmicos, predispondo à elaboração
de projetos interdisciplinares em sua futura prática docente, contribuindo para
a aceitação do outro, a divisão de responsabilidades e a comunicação com os
colegas.
A abordagem interdisciplinar possibilita a
mudança de paradigma dos futuros profissionais, para que eles compreendam que o
professor vai vencendo seus limites, dia a dia, caso se disponha a descobrir,
elaborar, explorar e ouvir novas frentes de conhecimento, reconhecendo a
importância do trabalho em equipe e a socialização dos conhecimentos.
Fonte:
G.F. Cunha; L.T. Dorneles; R.
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