08 fevereiro, 2013

Darwin e a escravidão no Brasil - parte 2: cenas terríveis!

por
Mercado de Escravos, Debret.
Ao chegar ao Brasil, Darwin havia recém completado 23 anos, porém sua cultura científica já era invejável, pois tinha sólidos conhecimentos de Geologia, Botânica e Zoologia, frutos de sua formação acadêmica.

Além disso, seu avô, Erasmus Darwin, tinha sido um médico respeitado na Inglaterra, com vários livros publicados sobre medicina, filosofia natural e poesia. Sua obra de destaque, Zoonomia, de 1792, abordava aspectos acerca da evolução - a transmutação das espécies - tendo antecipado os mecanismos de seleção, sendo grandemente admirada mais tarde por seus netos, Charles Darwin e Francis Galton.


Porém, Darwin não desenvolveu um trabalho isolado, pois em todos os portos a que chegava enviava correspondência e amostras de coletas geológicas e biológicas para serem identificadas e estudadas por especialistas destas áreas.

A viagem do Beagle prevista para durar 2 anos foi concluída em 4 anos e 9 meses. Ainda no início da viagem, em 1832, Darwin passou 19 dias na Bahia e 3 meses no Rio de Janeiro, onde  teve um contato mais direto com a escravidão negra.

Posteriormente, na volta para Inglaterra o Beagle voltou à Bahia no dia 1º de agosto de 1836, onde ficou por seis dias, partindo daí com destino a Cabo Verde, mas teve ainda que permanecer no Recife entre os dias 12 e 19 de agosto, em função de ventos contrários. Foi no Recife que ele ouviu os gritos de um escravo sendo trucidado.

Desde antes da viagem do Beagle e contemporaneamente a ela, havia um grande debate científico entre ciência e religião, com predominância da crença no criacionismo e a busca de argumentos para colocar os nãos caucasianos, como negros e índios, num patamar abaixo do “ser humano”, tornando a escravidão tão aceitável quanto eram a pecuária e a agricultura, que permitem aos homens utilizar-se de outros seres vivos para atenderem suas necessidades de sobrevivência.

Todavia, Darwin não compartilhava desse ponto de vista, em boa medida influenciado por seu avô que era partidário da Society for Effecting the Abolition of the Slave Trade, ou seja um abolicionista. Desse modo, nesta parte do diário Darwin expressa seu profundo desgosto pelos maus tratos infligidos por alguns escravagistas aos seus escravos, ao contrário do que havia presenciado na fazenda do Sr. ManuelFiguireda.

Os maus tratos aos escravos influenciaram seu desejo de não mais voltar ao Brasil após seu retorno à Inglaterra. Tal decisão se atribui, especialmente, ao caminho de volta, após quase cinco anos viajando numa embarcação sem os recursos ou confortos dos transatlânticos modernos, cansado e já com a saúde debilitada, ao escutar os gritos de um escravo sendo martirizado em Recife. Contudo, após o retorno à Inglaterra, as viagens de Darwin se resumiram, basicamente, a períodos curtos na própria ilha da Grã-Bretanha.

A próxima parte de seu diário relata, portanto, os aspectos aviltantes da escravidão, analisados por um jovem de 23 anos de idade, partidário da igualdade entre os homens e originário de um país, cujo Ato de Abolição da Escravatura seria aprovado em 1833, um ano após sua estada no Brasil.

Darwin:14 de abril de 1832. - Deixando Sossego, dirigimo-nos a outra propriedade, no Rio Macaé, o último pedaço de chão cultivado nesta direção. A fazenda contava quatro quilômetros de comprimento, mas o proprietário tinha esquecido quanto media de largura. Apenas pequena parte tinha sido roçada, entretanto cada alqueire era capaz de produzir todas as riquezas de uma terra tropical”.

Darwin:Levando em conta a vasta superfície do Brasil, insignificante é a área cultivada, quando comparada a enorme extensão abandonada ao estado de natureza selvagem. Numa era futura, que população imensa este país não sustentará”!

Darwin: “Durante o segundo dia da nossa jornada, encontramos a estrada tão fechada que se tornou preciso mandar um homem à frente, de facão, a fim de abrir passagem no cipoal. Lindos objetos se viam em profusão na floresta. Dignos de admiração eram os fetos que, embora pequenos, ostentavam nas curvas elegantes de sua fronde uma folhagem verde e brilhante”.

Nota: ‘Fetos’ era uma denominação utilizada no tempo de Darwin para designar as samambaias, pois o desenvolvimento das folhas passa por uma etapa que lembra a aparência de um feto de vertebrado, como mostra a figura abaixo.


Darwin: “À tarde choveu muito, e senti bastante frio, apesar do termômetro marcar 18°C. Logo que parou de chover, foi curioso observar a extraordinária evaporação que começou a ocorrer sobre toda extensão da floresta. A uma altura de trinta metros, as colinas desapareciam em densa neblina branca, que se erguia como colunas de fumaça saindo das partes mais cerradas da mata, especialmente dos vales. Observei o mesmo fenômeno em várias ocasiões, e suponho que seja devido à grande superfície de folhagem aquecida pelos raios solares”.

Nota: A neblina após a chuva numa floresta tropical, como foi observada por Darwin no interior do estado do Rio de Janeiro, ainda pode ser contemplada na floresta amazônica, como na imagem abaixo.

Neblina na floresta amazônica.
Darwin: “Durante a minha permanência nesta fazenda, por pouco não fui testemunha ocular de um desses atos de atrocidade, somente presenciáveis numa terra de escravos. Por questões de processo jurídico, o proprietário esteve na iminência de tirar da companhia dos escravos todas as mulheres e crianças e vendê-las separadamente nos leilões do Rio. O interesse, e não nenhum sentimento de compaixão, foi o que impediu a perpetração desta desumanidade. Na verdade, não creio mesmo que à mente do proprietário tivesse sequer ocorrido a ideia da covardia de separar trinta famílias, que há tantos anos viviam unidas. Posso assegurar, todavia, que, em matéria de humanidade e de boa índole, este cavalheiro está acima da média dos homens. Não há limites, pode-se dizer, à cegueira do interesse e do egoísmo”.

Outra gravura de Debret, que mostra a compra de uma criança, separadamente de seus familiares.
Darwin:A seguinte ocorrência, que se passou comigo, impressionou-me muitíssimo mais intensamente de que qualquer história de crueldade que eu pudesse jamais ter ouvido. Aconteceu que, certo dia, atravessando um ferry em companhia de um negro que era excessivamente estúpido, a fim de ser compreendido, passei a falar alto e a gesticular. Devo, em algum momento, ter-lhe passado a mão próximo ao rosto, pois, julgando talvez que eu estivesse irado e fosse batê-lo, deixou penderem os braços, com a fisionomia transfigurada pelo terror, e os olhos semicerrados, na atitude de quem espera uma bofetada da qual não pretende esquivar-se. Nunca me hei de esquecer da vergonha, surpresa e repulsa que senti ao ver um homem tão musculoso ter medo até de aparar um golpe, num movimento instintivo. Este indivíduo tinha sido treinado a suportar degradação mais aviltante que a da escravidão do mais indefenso animal”.

Escravo sendo torturado no tronco (Debret, 1835).


Nota: o ferry tratava-se de uma balsa.

Referências:
1- Charles Darwin. Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo - Vol.1, Nova edição, 1871. Abril Cultural. Companhia Brasil Editora, São Paulo, s/d. Tradução de J. Carvalho.
2- Antonio Carlos Sequeira Fernandes & Vera Lucia Martins de Moraes. O Retorno Impossível: Charles Darwin e a Escravidão no Brasil http://www.anuario.igeo.ufrj.br/anuario_2008_1/2008_1_65_82.pdf
3- Leonardo Castro. Escravidão e Resistência no Brasil, Nova Hitória Net, 2009. http://novahistorianet.blogspot.com.br/2009/01/escravido-e-resistncia-no-brasil.html
4- TV-Escola: Edição especial: caminhos de Darwin, ano XIX, boletin 16, Nov/2009. http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/19282316-CaminhosDarwin.pdf
5- Wikipedia. Erasmus Darwin. http://pt.wikipedia.org/wiki/Erasmus_Darwin

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