Em 1995 Keanu Reeves interpretou o papel de Johnny Mnemonic no
filme de ficção científica dirigido por Robert Longo. Este filme foi baseado na
história escrita por William Gibson e, também, intitulada "Johnny
Mnemonic".
A história se passa em 2021 e o personagem que dá nome ao
filme possui um implante cibernético no cérebro, o qual lhe permitia armazenar
grande quantidade de informações até 320 gigabytes, porém o custo desse aumento
de capacidade de armazenamento tem como efeito colateral a incapacidade do
personagem título lembrar-se de sua própria infância.
Bem antes de 2021, a capacidade de memória de Johnny já se
tornou “básica” se comparada a HD-externos disponíveis no mercado, que oferecem
capacidade de 1 terabyte, pois sabemos que fotografias digitais obtidas com
diferentes dispositivos eletrônicos, facilmente, demandam 8 megabytes de
espaço, enquanto filmes podem ocupar até ocupar vários gigabytes.
Como, então, conseguimos nos lembrar de cenas complexas de
nossas vidas, mesmo após vários anos?
As imagens não são armazenadas no cérebro na forma de
fotografias ou filmes, assim como os sons e músicas de que lembramos não são
armazenados em fitas ou discos. Pois em consequência da enorme quantidade de
conhecimentos que adquirimos durante a vida, nosso cérebro teria problemas
sérios de espaço físico.
Como ocorre em uma biblioteca, os livros e revistas acabam
ocupando todas as prateleiras disponíveis e, chega um momento, em que é preciso
eliminar os livros mais antigos, do mesmo modo que Johnny havia perdido as
memórias da infância.
Felizmente, nosso cérebro tem a capacidade de reproduzir uma
imagem visual ou sonora nova no momento em que evocamos alguma imagem. Porém
para isso, os neurônios responsáveis pela interpretação dos estímulos
sensoriais, devem estar intactos.
Por exemplo, há neurônios que detectam os sinais enviados
pelo nervo óptico como cor, outros neurônios interpretam determinadas formas,
etc. Se um indivíduo sofrer alguma lesão no córtex visual de forma a perder a
capacidade de visualizar cores (acromatopsia) ele não será mais capaz de
lembrar-se das cores nas suas imagens mentais. Assim sendo, se solicitarmos que
imagine um tomate ele não será vermelho, possuirá apenas a forma do tomate,
como a veríamos numa fotografia em preto e branco. O mesmo ocorreria com as memórias
sonoras.
Estes fatos indicam que o conhecimento da cor não é
armazenado em um local diferente do cérebro. Ele depende das próprias estruturas
perceptivas. Caso contrário, uma pessoa que se tornasse incapaz de ver cores
continuaria formando imagens coloridas, mas isso não ocorre.
Assim sendo, cada lembrança que temos envolve a reativação
de diferentes regiões do cérebro, de forma que um paciente com grande lesão no
córtex visual não consegue mais formar uma imagem mental de um violino, mas
ainda consegue se lembrar do som deste instrumento.
Como então o cérebro se lembra de tantas coisas?
Acredita-se que o cérebro reativa os mesmos neurônios que
utilizou para a percepção de um objeto, cena, música, frase, etc. A capacidade
de lembrar depende da capacidade de percorrer novamente todas as redes nervosas
utilizadas para elaboração de um conhecimento, quanto maior a precisão deste
percurso mais “nítida” e rica é uma lembrança.
Assim, o aparecimento de uma imagem por evocação resulta da
reconstrução de uma espécie de mapa nos córtices sensoriais primários, que
desencadeiam a reconstrução das representações localizadas em outros locais do
cérebro, como, por exemplo, as regiões de associação.
As imagens são provavelmente o principal conteúdo de nossos
pensamentos. Tais imagens dependem de numerosos mecanismos que orientam sua geração
no espaço e no tempo. Estes mecanismos são essenciais para o ato de pensar, mas
não constituem o conteúdo do pensamento.
Portanto a perda de um sentido por lesão cerebral afeta, em
grande medida a capacidade de pensar, e exigirá uma reconstrução do conhecimento
sobre novas bases.
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O personagem Demolidor conseguia "ver" o rosto de Electra durante a chuva usando o sentido de ecolocação |
Contudo, sabe-se que a manutenção de uma rede neural depende
do seu funcionamento. Ou seja, se destruirmos os receptores de vibração do
ouvido interno, o córtex auditivo vai, gradativamente, reduzir o número de sinapses,
fazendo com que as imagens sonoras se tornem mais e mais opacas, até,
provavelmente, desaparecerem. Assim, uma pessoa que fique surda poderá também
perder a capacidade de lembrar-se dos sons de uma melodia, pois as lembranças
são sempre mais desmaiadas do que as imagens geradas pelos estímulos externos.
Por isso, se quisermos preservar nossas lembranças, devemos
também preservar os órgãos dos sentidos relacionados a elas.
Referência:
DAMÁSIO, António R. O erro
de Descartes : emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo : Companhia das Letras, 1996.
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