21 fevereiro, 2013

A memória e os sentidos.

por

Em 1995 Keanu Reeves interpretou o papel de Johnny Mnemonic no filme de ficção científica dirigido por Robert Longo. Este filme foi baseado na história escrita por William Gibson e, também, intitulada "Johnny Mnemonic".

A história se passa em 2021 e o personagem que dá nome ao filme possui um implante cibernético no cérebro, o qual lhe permitia armazenar grande quantidade de informações até 320 gigabytes, porém o custo desse aumento de capacidade de armazenamento tem como efeito colateral a incapacidade do personagem título lembrar-se de sua própria infância.

Bem antes de 2021, a capacidade de memória de Johnny já se tornou “básica” se comparada a HD-externos disponíveis no mercado, que oferecem capacidade de 1 terabyte, pois sabemos que fotografias digitais obtidas com diferentes dispositivos eletrônicos, facilmente, demandam 8 megabytes de espaço, enquanto filmes podem ocupar até ocupar vários gigabytes.

Como, então, conseguimos nos lembrar de cenas complexas de nossas vidas, mesmo após vários anos?
As imagens não são armazenadas no cérebro na forma de fotografias ou filmes, assim como os sons e músicas de que lembramos não são armazenados em fitas ou discos. Pois em consequência da enorme quantidade de conhecimentos que adquirimos durante a vida, nosso cérebro teria problemas sérios de espaço físico.

Como ocorre em uma biblioteca, os livros e revistas acabam ocupando todas as prateleiras disponíveis e, chega um momento, em que é preciso eliminar os livros mais antigos, do mesmo modo que Johnny havia perdido as memórias da infância.


Felizmente, nosso cérebro tem a capacidade de reproduzir uma imagem visual ou sonora nova no momento em que evocamos alguma imagem. Porém para isso, os neurônios responsáveis pela interpretação dos estímulos sensoriais, devem estar intactos.

Por exemplo, há neurônios que detectam os sinais enviados pelo nervo óptico como cor, outros neurônios interpretam determinadas formas, etc. Se um indivíduo sofrer alguma lesão no córtex visual de forma a perder a capacidade de visualizar cores (acromatopsia) ele não será mais capaz de lembrar-se das cores nas suas imagens mentais. Assim sendo, se solicitarmos que imagine um tomate ele não será vermelho, possuirá apenas a forma do tomate, como a veríamos numa fotografia em preto e branco. O mesmo ocorreria com as memórias sonoras.

Estes fatos indicam que o conhecimento da cor não é armazenado em um local diferente do cérebro. Ele depende das próprias estruturas perceptivas. Caso contrário, uma pessoa que se tornasse incapaz de ver cores continuaria formando imagens coloridas, mas isso não ocorre.

Assim sendo, cada lembrança que temos envolve a reativação de diferentes regiões do cérebro, de forma que um paciente com grande lesão no córtex visual não consegue mais formar uma imagem mental de um violino, mas ainda consegue se lembrar do som deste instrumento.

Como então o cérebro se lembra de tantas coisas?


Acredita-se que o cérebro reativa os mesmos neurônios que utilizou para a percepção de um objeto, cena, música, frase, etc. A capacidade de lembrar depende da capacidade de percorrer novamente todas as redes nervosas utilizadas para elaboração de um conhecimento, quanto maior a precisão deste percurso mais “nítida” e rica é uma lembrança.

Assim, o aparecimento de uma imagem por evocação resulta da reconstrução de uma espécie de mapa nos córtices sensoriais primários, que desencadeiam a reconstrução das representações localizadas em outros locais do cérebro, como, por exemplo, as regiões de associação.

As imagens são provavelmente o principal conteúdo de nossos pensamentos. Tais imagens dependem de numerosos mecanismos que orientam sua geração no espaço e no tempo. Estes mecanismos são essenciais para o ato de pensar, mas não constituem o conteúdo do pensamento.

Portanto a perda de um sentido por lesão cerebral afeta, em grande medida a capacidade de pensar, e exigirá uma reconstrução do conhecimento sobre novas bases.

O personagem Demolidor conseguia "ver"  o rosto de Electra  durante a chuva usando o sentido de ecolocação

Contudo, sabe-se que a manutenção de uma rede neural depende do seu funcionamento. Ou seja, se destruirmos os receptores de vibração do ouvido interno, o córtex auditivo vai, gradativamente, reduzir o número de sinapses, fazendo com que as imagens sonoras se tornem mais e mais opacas, até, provavelmente, desaparecerem. Assim, uma pessoa que fique surda poderá também perder a capacidade de lembrar-se dos sons de uma melodia, pois as lembranças são sempre mais desmaiadas do que as imagens geradas pelos estímulos externos.

Por isso, se quisermos preservar nossas lembranças, devemos também preservar os órgãos dos sentidos relacionados a elas.

Referência:
DAMÁSIO, António R.  O erro de Descartes : emoção, razão e o cérebro humano.  São Paulo : Companhia das Letras, 1996.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails