22 dezembro, 2012

Darwin e a escravidão no Brasil de 1832 – parte I: um lugar bom.

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"Fiel retrato do interior de uma casa brasileira" (1814-1816) de Joaquim Cândido Guillobel 

As anotações da Viagem de um Naturalista ao redor do Mundo do dia 13 de abril de 1832 são dedicadas à descrição de uma fazenda escravagista. Neste local os escravos pareceram, a Darwin, viver uma vida digna e feliz, pois iniciavam o dia cantando e nos sábados e domingos trabalhavam para si próprios.

Esta propriedade de um parente da comitiva de Darwin situava-se em Sossego no Rio de Janeiro. As descrições de Darwin, nesta parte do diário são detalhadas e um tanto divertidas. Mesmo utilizando uma linguagem formal do século XIX elas não requerem explicações ou comentários.

Darwin: Depois de caminharmos três dias, chegamos a propriedade do Senhor Manuel Figuireda, parente de um membro da nossa comitiva. A casa era simples, e, embora tivesse a forma de um celeiro, estava bem de acordo com o clima. Na sala havia sofás e cadeiras douradas que faziam um enorme contraste com o teto de sapé, com as paredes caiadas e com as janelas sem vidraça.

Darwin: A casa, a tulha, o estábulo e a oficina dos pretos, que tinham aprendido a fazer vários trabalhos, compreendiam um quadrângulo mal formado. Via-se ao centro uma grande pilha de café a secar. Estas construções estavam localizadas sobre uma pequena colina que dominava os terrenos cultivados e se encontrava cercada por todos os lados pela ramagem verde escuro de uma luxuriante floresta.

Darwin: O café é o principal produto desta parte do país. Cada pé está calculado a produzir anualmente a média de um quilo, mas muitos são os que chegam a dar quatro quilos. Também a mandioca é intensamente cultivada. Esta é uma planta cujas partes são todas úteis: as folhas e o talo servem de alimento aos cavalos e as raízes, depois de moídas em polpa, secadas e cozidas, formam a farinha que constitui o principal artigo de subsistência nos Brasis. É fato curioso e bem conhecido que o suco de uma planta tão nutritiva, como esta, é um poderoso veneno. Há alguns anos morreu nesta Fazenda uma vaca, em consequência de o haver bebido. O Senhor Figuireda me disse que no ano anterior ele havia plantado uma saca de feijão e três de arroz, tendo colhido do primeiro oitenta e do segundo trezentas e vinte vezes mais.

Escravos carregam sacas de café. Aquarela do dinamarquês Paul Harro-Harring, 1840.
Darwin: Os pastos mantêm belo estoque de gado, e as matas encerram tanta caça que em cada um dos três últimos dias foi morto um veado. Essa abundância de alimento provou ser um almoço e tanto e, se as mesas não gemeram, os hóspedes, certamente, o fizeram, visto que cada qual tinha de servir-se de todos os pratos trazidos. Num dia em que eu havia determinado que nada voltaria sem ter provado, eis que vejo, consternado, aparecer em toda a sua substancial realidade, um suculento peru recheado e uma leitoa assada!
Casa da Fazenda de Debret

Darwin: Nas horas de refeição, havia um criado cuja única função era enxotar da sala alguns cães, bem como um bando de negrinhos que se aproveitavam de todas as oportunidades para entrar. Pudesse ser banida a ideia da escravidão e haveria neste modo simples e patriarcal de viver um quê de fascinação: um perfeito retiro, independente de todo o resto do mundo.

Darwin: No instante em que se avista um estranho a chegar, um grande sino se põe a tocar e, em geral, ouvem-se salvas de pequenos canhões. A notícia é deste modo anunciada, mas às pedras e ao mato, tão somente. Saí uma manhã, uma hora antes de clarear o dia, a fim de admirar a solene quietude do cenário. Pouco depois se desfez o silêncio, com o hino matinal que, entoado por todo o conjunto de negros, encheu o ar. Assim geralmente dão começo ao seus dia de trabalho. Em fazendas como esta, não duvido de que os escravos vivam vida feliz e contente. Nos sábados e domingos trabalham para si próprios, e, neste clima fértil, dois dias de trabalho são suficientes para garantir o sustento de um homem e de sua família durante uma semana.

Referências e links:
1- DARWIN, C., Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo - Vol.1, Nova edição, 1871. Abril Cultural. Companhia Brasil Editora, São Paulo, s/d. Tradução de J. Carvalho.
2- CASTRO, Leonardo. O café no Brasil.
4- SCHILLING, Voltaire. Darwinno Brasil – parte III. Notícias Terra

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4 comentários:

  1. Anônimo28/12/12

    Sem querer fazer uma crítica mordaz, mas talvez nesse pequeno relato de Darwin exista mais verdade que em todas as suas teorias a respeito da vida e suas transformações. Um relato como este é ouro para a história, pois também pode conter mais verdade do que volumes inteiros de história do Brasil, escritas por um observador contratado pelo governo para dizer como era o Brasil em dado momento. Darwin nesse momento era só observação, o subjetivo quase não existia em seu olhar de cientista descreveu o que viu, isso é história ou chega perto do que é.

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    1. Suas teorias devem ser respeitadas porque são verdadeiras à luz da ciência de hoje. Os adeptos do criacionismos são fanáticos míopes da realidade.

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  2. Anônimo11/1/13

    Primeiro: quem garante que estes trechos são de Darwin mesmo.]
    Segundo: gostaria que ele deixasse a suntuosa fazenda em que vivia na Inglaterra e se sujeitasse aos trabalhos braçais realizados pelos escravos.

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    1. Os comentários foram retirados de uma das traduções de seu diário, cuja fonte consta do texto. Além disso, costumo pesquisar em outras fontes disponíveis na internet e na ciência hoje e as informações conferem. O que muda algumas vezes é a redação da tradução~, não a essência das ideías. Assim, neste projeto, mantenho literal a tradução indicada na referência.

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