07 maio, 2012

A natureza como nascedouro do pensar ético.


Juno e Júpiter por Gavin Hamilton

Em Ética a Nicômacos de Aristóteles as várias formas de excelência moral são o fio condutor, e o bem supremo é a vida de contemplação, e a “eudaimonia”(felicidade), é o objetivo último do homem.

Não sendo um tratado sobre ciências naturais (palco adequado para a discussão da criação do universo), a natureza é usada como categoria. Apesar do seu afastamento do interesse principal em um tratado de ética, a conceituação de natureza e de natural fornece material valioso sobre a origem das especulações éticas.

A atual noção de natureza não difere substancialmente daquela postulada por Aristóteles. Como resultado da entronização do pensamento grego na forma de pensar o mundo, os debates nos diversos campos da ética contemporânea apresentam uma base filosófica que em nada destoa daquela de que Aristóteles se serviu.

Até hoje não se tem noção clara de onde termina o natural e começa o meramente humano, ou se as intervenções humanas, sendo o homem essencialmente produto da natureza, nunca poderiam ser definidas como supra naturais.

Na área de educação, formalmente se baniu o conceito de “inteligência natural”, mas na prática escolar a crença de que há alunos bons e maus “por natureza”, não foi erradicado. O libelo das religiões contra os métodos contraceptivos é baseado em “crimes contra a natureza”, contra a natureza do corpo humano. Nesse mesmo caminho vão as ONG’s de cunho ecológico, que sustentam a mesma categoria de crimes, contra a natureza do planeta.

Expus até aqui três tipos de natureza: a do homem envergando suas potencialidades herdadas, a do corpo físico e a planetária.

Além disso, a noção de natureza abarca tudo aquilo que está posto aí, aquilo que não sofreu a intervenção humana.

A existência dessas instâncias força a categorização das potenciais formas de agir, determinando as ações boas e as más, diante de um poder julgador, de origem divina, representado pelos deuses, ou de origem social representada pelas leis cívicas, ou de fórum individual representado pela consciência de cada um.

Uma vez que o homem, graças aos artifícios de amplificação da sua força física  tornou-se interventor em larga escala sobre o seu ambiente, surgiu um mundo não natural, em que é possível discutir as implicações éticas dos diversos aspectos de como essa intervenção é feita.

Até que ponto o agir humano é natural, ou se é artificial, ou é parte natural e parte artificial, propiciou o aparecimento de correntes de pensamento divergentes, principalmente a partir da radicalização do “domínio da natureza”, deflagrada pelo processo de industrialização.

Os movimentos ecológicos defendem a menor intervenção humana possível, argumentando a finitude dos recursos naturais e responsabilizando o homem por “crimes contra a natureza”.

Os capitalistas reagem de maneira oposta tentando naturalizar as ações humanas, uma vez que, sendo o homem produto natural, suas ações também o são.

As ciências biomédicas preconizam o uso ilimitado da genética, em escala industrial, justificando que a busca do bem comum deve superar antagonismos “puramente metafísicos”.

Longe de ser assunto de pacífico entendimento, o aprofundamento da dicotomia humano/natural ensejou o aparecimento de uma ética particularizada que contempla as ações morais do homem no seu permanente embate de conquista dos recursos naturais: a bioética.

Apesar desses assuntos não constituírem a raiz do debate em EN, propus-me a garimpar algumas passagens onde Aristóteles constrói suas categorizações. É necessário que se pince os trechos onde o autor assenta seus maiores temas, onde são estabelecidas relações e antagonismos entre natural e convencional, natureza e bondade, necessidade e natureza, lei humana e lei natural, natural e legal.

A criação por Zeus e Hera

Contrariamente à visão mecanicista em que a cosmogênese se dá sob as leis do acaso, Aristóteles como panteísta, atribuiu-lhe origem divina. “Se alguma coisa que os homens têm é um presente dos deuses, é razoável supor que a felicidade seja uma graça divina, e seguramente o mais divino de todos os bens humanos, porquanto ele é o melhor. (EN 1099 b 13)”, portanto se a felicidade tem origem divina, deduz-se que todos os outros bens também o tenham.

Apesar do caráter dogmático que o mecanicismo assumiu na ontologia ocidental, os pressupostos aristotélicos, juntamente com seu fulcro deísta, jazem no âmago do senso comum.

Em áreas tão diversas como o direito, a educação, a medicina, a genética, a sociologia, a história, a antropologia, as noções e delimitações sobre natural e natureza se apropriaram tanto da herança de Aristóteles, que assumiram o caráter de obviedades. Discutir o óbvio é lançar luz sobre as profundezas de onde emergem as sombras que interferiram na gênese dos modelos de homem, de mundo, de ciência e de ação moral, que são atualmente aceitos.

Por Isaias Malta
Edição: Gladis Franck da Cunha

Referência Bibliográfica
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

2 comentários:

  1. Embora nao concorde com tudo, pois acho o tema um pouco polemico, o texto esta excelente, muito bom mesmo.
    Parabens.

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  2. Anônimo21/5/12

    Te recomendo o livro Tábula Rasa de Steven Pinker para que revejas seus conceitos. Existem frutos que já nascem podres.

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