09 abril, 2012

A natureza e o natural em Ética a Nicômacos


A natureza sempre desempenhou papel preponderante no imaginário das civilizações. Através do raio que cai, da colheita que fracassa, da erupção vulcânica, dos ventos destruidores, da água que a tudo arrasa, o homem se confrontou com forças devastadoras, obrigando-o à busca de explicações. 

Narciso y Eco, pintura de John William Waterhouse por Bioeticas.org 
Outro aspecto que sempre o intrigou é a variabilidade de dotes físicos e intelectuais que homens e mulheres apresentam desde o nascimento; alguns surgem aquinhoados com vastas capacidades, enquanto outros são desprovidos, condenados, desta forma, a uma existência rústica a executar tarefas repetitivas.

Antigas tradições registram que os reis antigos mandavam vir os oráculos quando nasciam seus herdeiros, numa tentativa de burlar a natural ignorância das coisas vindouras e tomar conhecimento antecipadamente dos futuros fados reservados às suas crianças.

Assim, o homem procurava os augúrios para descobrir os melhores tempos para guerrear, para deitar a semente na terra, para fazer paz, para agir mais proximamente possível da “lei natural”, que se imaginava ser aquela ditada pela vontade dos deuses, a fim de escapar das catástrofes naturais. 

A modificação do convívio humano com os diversos aspectos naturais no decorrer dos séculos se deu na maneira como exacerbou o seu desejo de modificá-la e dominá-la.

O surgimento de um deus único, antropomórfico e dissociado da natureza induziu o aparecimento de um viés ético completamente novo em relação a toda a história em que os povos temiam os elementos naturais, não apenas por seu poder intrínseco de destruição, mas pelas forças inteligentes que os moviam.

Imagem frequentemente associada à palavra Deus no Google.

À medida que Deus foi exilado para um mundo distante chamado céu, aqui na terra o homem, feito à sua imagem e semelhança, tudo podia. As fronteiras éticas tiveram que açambarcar as ações deste autocriado rei deus e legitimaram seu poder devastador, sem a necessidade de prestação de contas aos deuses próximos.

Uma vez alicerçado o universo ético em que ao homem é dado o poder ilimitado de atuação sobre a natureza interna e externa, enfraqueceu-se a oposição à legitimação do seu direito de “brincar de ser deus”.

As pesquisas na engenharia genética abriram um vasto campo de possibilidades, nas quais uma ética utilitarista debruça-se para apreender as novas fronteiras. Um dos debates se situa na possibilidade do desenvolvimento de exemplares humanos em laboratório já predestinados a serem escravos ou senhores, o que destruiria definitivamente as implicações do modelo (homem → ser natural → produto divino) e tornaria inócuo o ideal de democracia onde todos têm os mesmos direitos ao nascer.

Longe do paulatino esvaziamento do conceito de homem moral nos últimos dois séculos, Aristóteles tece suas argumentações sob uma ética em que a natureza é o bem maior: “...pois, tudo que ocorre segundo a natureza é naturalmente tão bom quanto pode ser...(EN,1099 b 27)”. 

Não obstante toda a herança judaico-cristã posterior, que alterou profundamente a maneira de pensar o mundo, aquelas reflexões continuam a lançar luzes sobre os nossos problemas. 

Jamais o edifício ético ocidental se divorciou da herança aristotélica. 

Podemos pensar que resolvemos algumas questões pendentes naqueles tempos, mas também devemos aceitar que o cerne da ética construída por Aristóteles traz ainda hoje dilemas não superados.

Por Isaías Malta da Cunha
Março/2006
Revisado e ilustrado por Gladis Franck da Cunha
Abril/2012

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