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Outono de Giuseppe Arcimboldo |
Em neurociências,
um grande esforço de pesquisa tem sido realizado para investigar as relações
entre as características globais e locais, buscando compreender como estas duas
percepções visuais distintas interagem. Sugere-se que essa distinção pode
definir uma função geral da percepção que contribui para a distinção do
processamento global e local em todas as modalidades perceptivas (visão,
audição, tato e paladar).
No entanto, o esforço
de investigação do processamento global-local tem sido dirigido principalmente
para a modalidade visual, faltando evidências de que essa dicotomia também se
aplique a outras modalidades.
Nesse sentido, Lucie Bouvet, Stéphane Rousset, Sylviane
Valdois e Sophie Donnadieu realizaram uma pesquisa para descobrir se a distinção global-local se aplicava tanto ao campo visual quanto
auditivo e se há um mecanismo comum de percepção entre diferentes modalidades.
Quando percebemos cenas naturais, informações locais e globais são semanticamente dependentes, a percepção da floresta pode ajudar a perceber as árvores e vice-versa. Para passar por essa questão metodológica, Navon (1977) usou formas hierárquicas na modalidade visual para avaliar independentemente o processamento global e local e investigar como esses dois níveis de processamento interagem.
Quando percebemos cenas naturais, informações locais e globais são semanticamente dependentes, a percepção da floresta pode ajudar a perceber as árvores e vice-versa. Para passar por essa questão metodológica, Navon (1977) usou formas hierárquicas na modalidade visual para avaliar independentemente o processamento global e local e investigar como esses dois níveis de processamento interagem.
Os níveis globais
e locais de processamento foram dissociados, organizando os elementos locais
para a construção de uma forma global. Desse modo, os elementos locais
e a forma global poderiam ser congruentes ou não (por exemplo, um "S"
grande composto de pequenos "Ss" ou pequenos "Hs").
Navon relatou que
os participantes eram mais rápidos para identificar as formas globais do que os elementos
específicos e ficavam perturbados pela identidade da forma global quando os elementos locais eram não-congruentes, ou seja, ficavam
perturbados com um S grande formado por pequenos “Hs”, por exemplo.
Embora seja um efeito robusto, o GPE pode ser modulado ou revertido por condições experimentais ou conforme as características do estímulo. Por exemplo, muitas características como ângulo visual da forma global e dispersão de elementos locais, duração da exposição, a incerteza espacial e a natureza dos estímulos são conhecidas por afetar o GPE tanto que um efeito contrário, uma precedência local, pode ser às vezes obtida (observe abaixo a figura da Primavera que Giuseppe Arcimboldo pintou a partir dos mesmos critérios da tela outono e veja como esta informação modifica sua percepção!).
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Primavera de Giuseppe Arcimboldo |
No processamento paralelo de informação global/local, quando a informação é
processada simultaneamente nos dois níveis, o global pode começar antes que o
processamento local seja totalmente concluído. Esta é a explicação que tem sido
proposta para o efeito de prevalência do processamento global - GPE.
De acordo com
esta concepção haveria uma sobreposição temporal entre os dois níveis de
análise, mas com maior velocidade para identificação do quadro geral. Este
modelo de iteração é apoiado por dados de neuroimagem e EEG.
As baixas frequências
fornecem informação espacial global e são processados pelo caminho dorsal
visual enquanto o caminho ventral visual processa as altas frequências da informação
espacial-local. Pelo fato da via visual dorsal ser mais rápida do que a
ventral, a informação "global" (resultado de baixas e médias
frequências espaciais) está disponível mais cedo do que a informação
"local" (resultado das frequências altas).
Além desta explicação relativa às frequências dos sinais para o Efeito da Prevalência Global (GPE), vale ressaltar que há também uma especialização hemisférica para o processamento global e local. Na verdade, pacientes com lesão cerebral no hemisfério esquerdo exibem um déficit de percepção dos elementos locais, enquanto os pacientes com lesões no hemisfério esquerdo apresentam déficits na percepção global.
Estudos de
neuroimagem com participantes saudáveis demonstraram que o hemisfério direito é
mais ativado durante o processamento global e o hemisfério esquerdo durante o
processamento local.
Mais
recentemente, foi demonstrado que as frequências visuais espaciais são
diferencialmente processadas por cada hemisfério. Frequências espaciais baixas
(informação global) dependem, principalmente, do hemisfério direito enquanto as
frequências espaciais altas (informações locais), baseiam-se principalmente no
hemisfério esquerdo.
Assim, os
elementos visuais locais e globais parecem ser processadas pelos hemisférios
esquerdo e direito, respectivamente, devido às suas especializações para as
frequências espaciais.
A partir destes dados Bouvet e equipe, considerando que a audição parece
ser uma contrapartida direta para a visão, levantaram a seguinte questão: a diferenciação
global-local segue o mesmo processamento nesta outra modalidade perceptiva?
Para responder a
este questonamento, os pesquisadores
avaliaram a cognição auditiva global-local, perguntando aos
participantes se duas melodias desconhecidas eram idênticas ou não.
Para tanto eles criaram estímulos sonoros caracterizados por diferenças, tanto em nível
global quanto local. O nível local era definido pelos intervalos do compasso,
ou seja a distância entre duas notas, enquanto o nível global correspondia à melodia,
definida pelo tom das notas, independentemente, do valor da afinação.
Os critérios que
definem os intervalos entre as notas como processamento local e a melodia como
processamento global são fundamentados em três aspectos;
1- Primeiro, os
intervalos são pequenas unidades incorporadas hierarquicamente em uma unidade
maior, a melodia (ou compasso).
2- Em segundo
lugar, demonstrou-se que os não-músicos eram mais propensos a usar o tom das
notas para discriminar melodias, o que implica que, para não-músicos, o contorno
melódico é uma sugestão mais saliente do que o processamento de intervalos.
3- Em terceiro
lugar, estas duas características musicais envolvem especialização hemisférica.
Estudos de pacientes com danos cerebrais revelaram que os pacientes que sofrem
de uma lesão temporal do hemisfério esquerdo podem perceber o contorno, mas não
a alteração do intervalo enquanto pacientes com lesão cerebral equivalente do
hemisfério direito são prejudicados no processamento de ambos: melodia e
intervalo. Esta observação fornece evidências de que o contorno e as
características de intervalo são organizadas hierarquicamente: as informações
de intervalo não podem ser processadas se a informação de melodia não é
processada conjuntamente.
Um estudo
anterior de Liegeois Chauvel (1998) também revelou que o giro temporal superior,
mais particularmente sua parte posterior, é necessário para o processamento da
melodia. Em conjunto, estes resultados fornecem evidências convergentes de que
a detecção de alterações melódicas envolve o processamento global (hemisfério
direito), enquanto a detecção de alterações de intervalo depende de processamento local (hemisfério
esquerdo).
Além disso, a
especialização hemisférica em audição parece ser análoga à da visão, a
estrutura global sendo processada preferencialmente pelo hemisfério direito,
enquanto os elementos locais pelo esquerdo.
Até o estudo de Bouvet
e colaboradores, nenhuma pesquisa havia comparado o processamento global e
local para estímulos visuais e auditivos com os mesmos participantes.
Para reforçar a
teoria do processo de percepção unificado, era crucial demonstrar que os mesmos
mecanismos estavam envolvidos nos processamento da informação global e local
nas duas modalidades (visão e audição). Ou seja, era necessário demontrar que
os participantes que apresentam um GPE para visão também apresentam GPE
audtivo. Nesse estudo, portanto, foram propostas duas tarefas que demandavam o
mesmo paradigma de identificação.
A tarefa visua
usou o clássico estímulo visual de Navon (1977), enquanto a
tarefa auditiva usou o estímulo rápido-lento descrito por Justus and List (2005), com a proposta de identificação de Sanders and Poeppel (2007). A escolha destes estímulos foi motivada pela
evidência de que o tempo é uma melhor contrapartida para a percepção espacial do
que a frequência.
O Estímulo visual constou de 4 figuras com dimensões
equivalentes, duas congruentes (quadrado/quadrado e círculo/círculo) duas
incongruentes (quadrado/círculo e círculo/quadrado). Já o estímulo auditivo
envolveu 4 sequências melódicas com nove grupos de tons criadas usando um
software com timbre de piano (veja figura abaixo).
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(A- congruente B- incronguente) |
Outro resultado convincente foi uma correlação
significativa nos dois tipos de percepção, pois os mesmos participantes exibiram estilo
de processamento semelhante para as duas modalidades.
Estes resultados apoiam firmemente a ideia de que
há um estilo cognitivo para processar a informação e um princípio comum
para o processamento das percepções, onde o aspecto global antecede e
influencia a percepção dos detalhes.
Em resumo: Evidências indicam processamento semelhante com
efeito de prevalência global para as duas modalidades cognitivas de percepção
visual e auditiva.
Traduzido e editado de:
BOUVET, L. ; ROUSSET,
S. ; VALDOIS, S. ; DONNADIEU, S. Global
precedence effect in audition and vision: Evidence for similar cognitive styles
across modalities. Acta Psychologica. Vol. 138, Outubro 2011, P,. 329-335, disponível
em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0001691811001545
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