27 novembro, 2011

A bruma seca de Cabo Verde é repleta de vida!

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Bruma seca em Cabo Verde (Ecaboverde.com
Darwin, em seu diário de bordo do Beagle, fez a seguinte descrição sobre a atmosfera de Cabo Verde:

(...) A atmosfera é geralmente fosca, devido a queda de um pó fino impalpável, que causou pequeno estrago aos instrumentos astronômicos. Na manhã antes de lançarmos âncora em Porto Praia, eu havia recolhido pequena porção deste pó fino e pardacento, que parecia ter penetrado com o vento na gaze do anemoscópio de bordo". 

Anemoscópio, citado por Darwin também é conhecido como "biruta", que se trata de um aparelho para indicar a direção e o sentido dos ventos. 

(Darwin): "Mr Lyell tinha-me também fornecido quatro amostras de um pó recolhido de um vaso a poucas centenas de milhas ao norte destas ilhas.”

Este pó fino descrito por Darwin é conhecido como “Bruma Seca de Cabo Verde”, pois é visível como se fosse um manto de nevoeiro (às vezes impedindo mesmo as viagens aéreas) e tem grande importância ecológica. A bruma seca de Cabo Verde é trazida pelo vento chamado de "Lestada", que na verdade trata-se do Harmatão: um vento quente e seco,  proveniente do Saara, que sopra da direção Nordeste a Leste, de Dezembro a Fevereiro em toda a África Ocidental. Wikipédia.

(Darwin):O Professor Ehrenberg achou que este pó consiste em grande parte de infusórios munidos de proteção silícica e do tecido silícico de plantas. Em cinco envelopes diferentes que lhe mandei, constatou ele nada menos de sessenta e sete formas orgânicas diferentes! Os infusórios, exceções feitas de duas espécies marinhas, são todos habitantes de água doce.”

Infusórios é uma antiga denominação dada aos ciliados e rotíferos, observáveis ao microscópio. Os ciliados (filo Ciliophora) são um dos mais importantes grupos de protozoários, com cerca de doze mil espécies conhecidas. Os ciliados estão presentes em praticamente todos os ecossistemas aquáticos e no solo.

ciliados
Desenhos de ciliados de Ernst Haeckel, 1904.

Os Rotíferos são animais aquáticos e microscópicos, cujo nome deriva da palavra latina usada para designar “roda”, com referência à coroa de cílios que rodeiam a boca destes animais. Conhecem-se cerca de 1700 espécies de rotíferos de vida livre, que vivem, na maior parte, em água doce, incluindo pequenas poças de chuva, no solo úmido e também em musgos e líquens, ou mesmo sobre fungos, crustáceos ou larvas aquáticas de insetos.

Rotiferos ao M. Eletrônico de Varredura
Rotíferos em Microscopia Eletrônica de Varredura – Rainha Vermelha


(Darwin):Encontrei não menos de quinze relatórios diferentes sobre a questão do pó caído nos navios, quando a grande distância ao largo do Atlântico. Considerado-se a direção do vento, sempre que se observa o fenômeno e notando-se que o pó tem sempre caído nos meses que coincidem com o harmatão, que como se sabe, eleva grandes nuvens de pó para a alta atmosfera, pode-se ter certeza que todo este pó procede da África. Não obstante, muito curioso é o fato de que o Professor Ehrenberg, conhecedor de tantas espécies de infusórios peculiares à África, não tivesse encontrado nenhuma destas nas porções de pó que lhe remeti. Do outro lado, ele aí reconheceu duas espécies que até agora sabia pertencer exclusivamente à América do Sul.”

Segundo cientistas, o deserto do Saara despeja anualmente no Atlântico 300 milhões de toneladas de poeira, das quais 15 milhões são levadas pelo vento até à América Central, chegando até a Amazônia, podendo ser um fator de fertilização da floresta. Este pó tem uma grande influência no clima, em todo o Atlântico. Especula-se, também, que o pó, ao cair na água oceânica, influencie a criação de plâncton e produza gases que podem levar à formação de nuvens. Sapo

(Darwin): “O pó desce em tal quantidade que chega a sujar tudo a bordo e magoar os olhos das pessoas; já se tem mesmo verificado o caso de navios a várias centenas e até a mais de mil milhas da costa africana e em pontos a mil e seiscentas milhas numa direção norte sul. Surpreendeu-me encontrar, no pó colhido num vaso a trezentas milhas da terra, partículas de pedra medindo mais de vinte e cinco microns, de mistura com substâncias mais finas. Depois disto, ninguém precisa admirar-se do poder de difusão dos espórios de plantas criptogâmicas que são muitíssimo mais leves e menores.”

Convém lembrar que no tempo de Darwin os seres vivos não estavam classificados em 5 reinos distintos como ocorre atualmente. Assim, a maioria dos micro-organismos, incluindo bactérias, algas e fungos era estudada pelos botânicos. Hoje em dia, a definição de plantas criptogâmicas é usada tanto para musgos (briófitas) como para as samambaias (pteridófitas), que não possuem estruturas reprodutivas visíveis como flores ou pinhas, mas, provavelmente, Darwin estivesse incluindo os esporos de fungos também, cuja difusão se dá, principalmente, através do vento.

Diário da Viagem no Beagle - Parte 4.

Referência:
DARWIN, C., Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo - Vol.1, Nova edição, 1871. Abril Cultural. Companhia Brasil Editora, São Paulo, s/d.

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