16 agosto, 2011

Técnicas para estudo dos cromossomos humanos

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O estudo dos cromossomos, sua estrutura e sua herança denomina-se citogenética. A ciência da citogenética humana moderna data de 1956, quando Tjio e Levan criaram técnicas eficazes para análise dos cromossomos humanos.

O momento ideal para estudar os cromossomos humanos é quando atingem o máximo de condensação, ou seja, na metáfase. Por isso eles são denominados de cromossomos ‘metafásicos’.

Para obtenção do material são utilizados tecidos com alto índice mitótico. Em geral, as células são retiradas dos organismos vivos e multiplicadas “in vitro”. Os tecidos mais indicados para isso são: fragmentos de pele, biópsias de tecidos dos diferentes órgãos, ou ainda células em suspensão no líquido amniótico, obtidas por punção do âmnio.

Todavia, sempre que possível, o material mais utilizado nestes estudos são os leucócitos, especificamente, os linfócitos T do sangue periférico, pela simplicidade de coleta e facilidade de cultura e multiplicação in vitro, desde que adequadamente estimulados.

Um pouco da história do surgimento das técnicas citogenéticas.

O progresso da citogenética clássica se deu a partir do início do século passado, acompanhando o aprimoramento de técnicas e equipamentos de microscopia.

Na primeira metade do século XX descobriu-se que a droga colchicina (ou colquicina), um alcaloide extraído do bulbo de plantas do gênero Colchicum, impede a formação do fuso mitótico. Isso faz com que as células em divisão permaneçam em metáfase, quando os cromossomos estão condensados, o que favorece sua análise morfológica.
Jo Hin Tjio

Em relação à espécie humana, até meados do século passado não se sabia exatamente o número de cromossomos.

Em 1956, os pesquisadores Jo Hin Tjio e Albert Levan utilizaram colchicina para tratar células humanas que, após algum tempo, foram transferidas para uma solução hipotônica e esmagadas entre a lâmina e a lamínula de microscopia.

Em solução hipotônica, a célula absorve água e incha o que faz com que seus cromossomos se separem uns dos outros.

Com as inovações introduzidas por Tjio e Levan constatou-se que o número cromossômico diploide da espécie humana é 46, e não 48, como se pensava. Além disso, a nova metodologia permitiu identificar a maioria dos cromossomos humanos.
Albert Levan

Na década de 1960 descobriu-se que extratos de semente de feijão comum, Phaseolus vulgaris, contêm fito-hemaglutinina, substância que induz a divisão celular em linfócitos do sangue humano cultivados in vitro.

A partir de então, os estudos citogenéticos de células humanas passaram a empregar largamente os linfócitos.

Na década de 1970 descobriu-se que certos tratamentos faziam surgir bandas (faixas transversais) nos cromossomos, as quais permitiam identificar com precisão cada um dos 23 pares cromossômicos do cariótipo humano.

A posição e a espessura das bandas são típicas para cada cromossomo, que pode ser reconhecido com relativa facilidade.
Procedimentos para preparar uma cultura de células adequadas para análise dos cromossomos:

1. Obtém-se uma amostra de sangue periférico e acrescenta-se heparina para evitar coagulação;

2. A amostra é em seguida centrifugada a uma velocidade que permita aos leucócitos se sedimentarem como uma camada distinta;

Colchicum
3. Os leucócitos são colhidos, colocados em meio de cultura tecidual e estimulados a dividir-se pelo acréscimo de um agente mitogênico (estimulante da mitose) como a fito-hemaglutinina.

4. A cultura é incubada por cerca de 72 horas, até que haja um grande número de células se multiplicando rapidamente;

5. Acrescenta-se, então, uma solução diluída de colchicina, para impedir a conclusão da divisão celular inibindo a formação de fusos e retardando a separação dos centrômeros. Em consequência, células paradas na metáfase acumulam-se na cultura;

6. Em seguida, adiciona-se uma solução hipotônica para causar tumefação nas células, lisando-as e liberando os cromossomos, mas mantendo os centrômeros intactos;

7. Os cromossomos são fixados, espalhados em lâminas e corados por uma de várias técnicas de análise.
Placas metafásicas com três tipos de coloração
Bandeamento cromossômico

Uma vez que estas bandas são padrões característicos de cada cromossomo, a sua utilização é essencial para identificar inequivocamente cromossomos semelhantes em tamanho e morfologia.

As bandas cromossômicas são muito úteis na detecção de alterações cromossômicas ou para localizar precisamente a posição ocupada por genes específicos em um cromossomo.

O padrão de bandas depende do pré-tratamento do cromossomo e do tipo de corante utilizado, bem como as características estruturais: riqueza de pares de guanina e citosina ou adenina e timina; a compactação da cromatina.

Tipos de bandas:

Bandas Q: Esta foi a primeira técnica de bandemaento desenvolvida. Nela, os cromossomos são submetidos a um tratamento com quinacrina mustarda ou compostos semelhantes e em seguida examinados por microscopia de fluorescência. Com esta coloração, os cromossomos apresentam faixas com diferentes intensidades de fluorescência, com um padrão de bandas brilhantes e opacas característico para cada par.

Tais bandas foram designadas de bandas Q (de quinacrina). As bandas brilhantes correspondem quase exatamente às bandas G escuras, pois são ricas em AT. São usados para a detecção de deleções, inversões e duplicações em humanos.

Bandas G: Estas bandas evidenciam um padrão de bandas claras e escuras, no qual as faixas escuras correspondem ao DNA rico em bases AT e poucos genes ativos; as bandas G claras têm DNA rico em bases GC e apresentam muitos genes ativos.

Nesta técnica, os cromossomos são inicialmente tratados com tripsina, para a desnaturação das proteínas cromossômicas e em seguida são corados com o corante Giemsa (de onde deriva o nome bandas G). Cada par de cromossomos cora-se num padrão típico de bandas claras e escuras.

Bandas G

Esta se tornou a técnica mais utilizada nos estudos de citogenética, por utilizar microscópios comuns e possibilitar a detecção de deleções, inversões, translocações e duplicações em humanos.

Bandas R: Os cromossomos recebem pré-tratamento com solução salina e calor para uma desnaturação controlada e depois são corados com Giemsa. O resultado de bandas claras e escuras é típico de cada cromossomo e representa o inverso daquele produzido pelos bandeamentos Q e G (de onde deriva sua designação “R”, ou seja, bandas reversas).

Bandas C: os cromossomos são tratados com solução ode hidróxido de bário e corados com Giemsa. Com este método, são coradas regiões específicas em que o cromossomo apresenta DNA altamente repetitivo, como nas regiões dos centrômeros e em outras regiões cromossômicas (ex: braço longo do Y e telômeros), correspondendo à heterocromatina constitutiva, motivo de sua denominação.

Bandas C de roedor.
Bandas T: marcam as regiões teloméricas dos cromossomos (o que dá origem a esta denominação).
Telômero é a ponta ou a extremidade terminal de cada cromossomo. Tem a função de manter a estabilidade e a integridade cromossômicas.

Cariótipo de Hamster com telômeros corados
Bandas NOR: os cromossomos são corados em suas regiões satélites, ou seja, na região organizadora do nucléolo (constrição secundária). A prata (Ag) é um dos corantes mais usados.

Cariótipo de Roedor com coloração NOR
Bandeamento De Alta Resolução: Esse tipo de bandeamento cora cromossomos preparados num estágio inicial da mitose (prófase ou prometáfase), quando ainda estão em uma condicão relativamente não-condensada. Com esta técnica, são evidenciadas cerca de 2000 bandas no cariótipo humano.
Cromossomos corados pela técnica de bandeamento de alta resolução

A técnica pode ser usada na identificação das bandas Q, G e R e detecta alterações cromossômicas pequenas, como microdeleções, importante em estudos evolutivos.

FISH: fluorescence in situ hybridization, é o maior progresso da citogenética nos últimos anos. A técnica baseia-se na formação duplex, em condições bem definidas, entre um fragmento de ácido nucleico de fita simples modificado (sonda ou probe) e sua sequencia complementar (sequencia alvo) em um espécime biológico fixado. A sonda e os cromossomos (a partir da interfase ou metáfase) são desnaturados para permitir a hibridização.
Coloração com técnica de FISH

A Técnica FISH desenvolveu sondas capazes de detectar: 1-Sequências repetitivas, que se ligam ao centrômero de um cromossomo, incluindo DNA satélite alfa; 2- sondas de cromossomos inteiros, as quais se ligam a todo o comprimento de um cromossomo em particular; 3- segmentos de DNA de genes específicos ou regiões em um cromossomo que tenham sido previamente mapeados ou identificados.

A sonda é marcada diretamente, mediante a incorporação de nucleotídeos fluorescentes, ou indiretamente, mediante a incorporação de nucleotídeos ligados a moléculas pequenas, como a biotina, digoxigenina, ou dinitrofenil, ao qual anticorpos fluorescentes podem ser posteriormente amarrados.

Esquema da técnica de FISH para corar RNA ribossômico.

Esta técnica é usada para detectar sequencias específicas de ácidos nucleicos, como regiões de microdeleções e rearranjos cromossomais. Ela pode ser usada para estudar os cromossomos de células em metáfase, mas sua principal aplicação é nas células em interfase, quando anormalidades numéricas e algumas estruturais podem ser detectadas.

Um rico padrão de bandas foi elaborado utilizando-se diferentes técnicas de obtenção de sondas moleculares, com diferentes corantes flourescentes. Este “código de barras” cromossômico permite a identificação de cromossomos inteiros sendo ideal para a análise de rearranjos cromossômicos como: inversões, duplicações, transposições, translocações, etc, pois identifica sub-regiões dos cromossomos.


Estratégias alternativas são empregadas na obtenção das sondas moleculares para elaboração do "código de barras" do cariótipo humano. A figura acima mostra os resultados individuais das técnicas de sondas interespecíficas ou RxFISH e de sondas cromossômicas obtidas de células somáticas híbridas entre humanos e roedores, além do resultado da junção de ambas através de programa específico que cria diferentes cores para cada banda. As linhas horizontais mostram as fronteiras das "bandas" individuais.

Estas técnicas permitem a realização de estudos evolutivos, bem como, estudos comparativos entre células normais e tumorais.
Célula normal à esquerda e tumoral à direita.

Por Gladis Franck da Cunha

Notas:

1- Cinetócoro é uma espécie de "disco de proteínas", localizado no centrômero. Formado no final da prófase na região do centrômero, o cinetócoro tem a função de consumir a tubulina já no final da divisão celular (mais especificamente na anáfase). Na prófase formam-se dois cinetócoros na região do centrômero, em direções opostas e um para cada cromátide. Já na metáfase eles se ligam às fibras do fuso provenientes dos polos opostos da célula. Com auxílio de uma "proteína motora" o cinetócoro (juntamente com as cromátides) consome a tubulina proveniente dos polos opostos encurtando o fuso acromático, permitindo assim a divisão (Wikipédia). 

Esquema do cinetocore

2- Troca de Cromátides-Irmãs: do inglês, sisters chromatids exchange (SCE). É um evento similar ao crossing-over, que ocorre entre cromátides-irmãs na meiose ou na mitose. Geralmente são visualizadas através da exposição de células a 5-bromodesoxiuridina (5-BrdU), por dois ciclos celulares, permitindo subsequente diferenciação entre a coloração das cromátides-irmãs. Quantidades iguais de DNA são trocadas e evidenciadas pela diferente coloração entre as cromátides-irmãs. Em humanos não submetidos à condição de toxicidade e nem portadores de câncer a troca de cromátides-irmãs atinge 20% e naqueles que fazem uso de drogas ou portadores de câncer pode chegar a 80% de trocas. Esta técnica é um bom marcador para possíveis danos no DNA.

3- Fatores presentes no cromossomo Y são necessários para a diferenciação das gônadas primitivas do embrião no sentido de se organizarem em testículo. Na ausência desses fatores presentes no cromossomo Y, o indivíduo formará ovários. Esse fator é denominado SRY . Todo homem possui SRY. Assim, qualquer exame molecular que vise investigar o cromossomo Y de um homem, deverá incluir a pesquisa de SRY. Porém, a produção adequada dos espermatozoides requer outros fatores fundamentais, os chamados fatores de azoospermia , que também estão localizados no cromossomo Y, bem distantes de SRY, na região de nome AZF (azoospermic factor).

Referências, fontes das imagens e links.
1- AMABIS, J.M. ; MARTHO, G.R. Organizando idiogramas humanos.
2- Atlas de Genética y Citogenética en Oncología y Hematología
3- JACKSON, Jeffrey R.; PATRICK, Denis R.; DAR, Mohammed M.; HUANG, Pearl S. Targeted Anti-Mitotic Therapies: Can We Improve On Tubulin Agents? Posted: 03/26/2007; Nat Rev Cancer. 2007;7(2):107-117. © 2007 Nature Publishing Group.
4- BORGES-OSÓRIO, M.R. Genética Humana. Porto Alegre: Artes Médicas: Ed. Da Universidade, 1993.
5- BROWN, Laura G. The Sex-Determining Region of the Human Y Chromosome Encodes a Finger Protein. Cell, Vol. 51, 1091-1104. December 24, 1987, Copyright 0 1987 by Cell Press.
6- CHARLESWORTH, Brian. Model for evolution of Y chromosomes and dosage compensation
7- CHRISTENSEN, Knud. Syrian Hamster Chromosomes.
8- CITOGENÉTICA CLÍNICA 
9- DAVIDSON COLLEGE. In Situ Hybridization.
10- JRANK.ORG. Online Encyclopedia. Chromosome Banding Techniques.
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13- LEÃO, André Pereira. Citogenética e Bandeamento Cromossômico, 2008.
14- MARDON,Graeme; POLLACK, Jonathan; McGILLIVRAY. Barbara; CHAPELLE,Albert de la;
McGraw-Hill Science & Technology Encyclopedia Crossing-over
15- MYNORITY NEWS. Largest Ever Genetic Map Of Blacks Created
16- PAGE, David C.; MOSHER, Rebecca; SIMPSON, Elizabeth M.; FISHER, Elizabeth M. C.: Sex chromosomes/mutation. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. Vol. 75, No. 11, pp. 5618-5622, November 1978
17- PASTENE, Eduardo A. Tres etapas en la historia de la citogenética clínica.
18- PIERI, Patrícia de Campos. Micromodelação do cromossomo Y. Genética da Infertilidade Masculina
19- UNIVERSIDAD DE VIGO, Atlas De Histología Vegetal Y Animal: La célula 8/Ciclo celular/ CROMOSOMAS 
20 -UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO- ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA, Estrutura dos cromossomos Humanos.

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