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Na índia, acreditava-se que o mundo estava apoiado em elefantes gigantes, e estes por sua vez estariam apoiados em uma enorme tartaruga. |
Para entender a biologia da célula (muito pequeno), assim como para entender o universo (muito grande) precisamos nos sustentar em modelos explicativos. Modelos amplamente aceitos pela comunidade científica acabam se tornando dogmas.
O dogma central da biologia molecular enfatiza que: o fluxo da informação genética é quase exclusivamente em um sentido: do DNA - RNA - peptídeos, ou seja, o DNA especifica a síntese de RNA, que por sua vez especifica a síntese de peptídeos.
Os peptídeos são moléculas formadas por dois ou mais aminoácidos, unidos por ligações peptídicas. As proteínas estruturais e as enzimas são polipeptídios formados, em média, por 100 a 1000 aminoácidos e constituem a estrutura ou realizam atividades metabólicas das células, tecidos e órgãos.
Além disso, os peptídeos menores realizam importantes funções celulares como é o caso de alguns neurotransmissores que “conectam” neurônios, permitindo o fluxo do impulso nervoso através do espaço sináptico.
Denominamos como genes estruturais as receitas da sequência de aminoácidos das cadeias primárias dos peptídeos, pois a sua síntese ocorre em organelas celulares denominadas Ribossomos, mas para isso é necessária a presença de um RNA mensageiro, o qual é sintetizado a partir de um molde de DNA (o gene).
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Esquema da síntese de proteínas, conforme dogma central da Biologia Molecular |
Este é um processo bem controlado e garante que a informação se preserve através das gerações, por isso se criou o dogma central do fluxo da informação: do DNA para o RNA mensageiro e deste para os peptídeos, a partir da leitura realizada pelos Ribossomos.
Porém, em meados do século XX surgiram indícios de que bactérias e fungos eram capazes de sintetizar pequenos peptídeos independentemente dos ribossomos.
Assim como os peptídeos sintetizados pelos ribossomos, estes peptídeos não ribossomais exibem variadas estruturas e funções, podendo atuar como toxinas de defesa, pigmentos, supressores de respostas imunológicas ou antibióticos, entre outros.
Exemplos de peptídeos não ribossomais produzidos por fungos ou actinobactérias, amplamente utilizados pelo ser humano, são a penicilina (Penicillium chrysogenum) e a vancomicina (Amycolatopsis orientalis).
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Penicillium chrysogenum, imagem colorida artificialmente. |
Uma segunda vantagem é que a produção de petptídeos não ribossomais é imune às substâncias que inibem a síntese de proteínas.
Estes peptídeos podem apresentar uma grande variabilidade, ao contrário dos peptídeos sintetizados nos ribossomos, que são construídos sempre da mesma maneira, seguindo uma sequência preestabelecida codificada no DNA.
Além disso, podem utilizar outros aminoácidos e não apenas os vinte aminoácidos-padrão ou proteinogênicos codificados pelo DNA. Ou seja, a construção de tais peptídeos não ribossomais pode incluir os denominados aminoácidos não-proteinogênicos, ampliando as possibilidades para até 300 tipos aminoácidos, que é o número de AA conhecidos até o momento. Isto demonstra que este sistema alternativo apresenta uma grande versatilidade, quando comparado ao “tradicional”.
Como são construídos estes peptídeos não ribossomais?
A partir de estudos com fungos e bactérias foi possível supor que há várias enzimas que realizam esta síntese.
Tais enzimas, chamadas de Sintetases de Petídeos Não Ribossomais (NRPS – sigla do inglês) parecem estar organizadas em módulos bioquímicos que fazem um trabalho semelhante ao dos ribossomos (ver esquema abaixo)
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Esquema de NRPS (YAMANAKA et al.,2008, modicado)
Cada NRPS pode conter poucos ou muitos módulos e cada uma é responsável pela incorporação de um aminoácido. Assim, para um octapeptídeo são necessários oito módulos (o artigo de Iuri Bastos Pereira, usado como fonte desta postagem descreve em maiores detalhes a bioquímica da síntese nestes módulos e deve ser lido para melhor compreensão e aprofundamento do tema).
Além de bactérias e fungos, esta síntese também foi observada em nudibrânquios, mas, neste caos, é dependente de bactérias que vivem nestes organismos.
Podemos especular que a capacidade de sintetizar tais peptídeos possam explicar alguns fenômenos intrigantes como:
1- Os Monstros de Chernobyl: em 2008 foram encontrados no reator 4 da usina de Chernobyl (o mesmo que explodiu em 1986 e foi lacrado) 37 espécies de fungos mutantes que se tornaram capazes de fazer uma espécie de “radiossíntese”, transformando radiação em energia. Dentro da usina, os fungos mais comuns são versões mutantes do Cladosporium sphaerospermum, que provoca micose, e a Penicillium hirsutum, que ataca plantações de alho.
2-Os produtores que “comem” ferro no Rio Tinto: bactérias que realizam a QUIMIOLITOSSÍNTESE, ou seja , eles oxidam compostos inorgânicos como ácido sulfúrico ou ferro, consumindo oxigênio nesse processo, conseguindo viver num ambiente extremamente ácido (Um estranho Rio capaz de comer ferro!)
3-Uma incrível lesma do mar que realiza fotossíntese: a espécie Elysia chlorotica suga as algas, preferencialmente da espécie Vaucheria litorea, conseguindo incorporar os cloroplastos das algas dentro do citoplasma das células do seu próprio corpo, e mantendo-os em funcionamento, ou seja, fotossintetizando.
Além disso, as pesquisas sobre as NRPS têm trazido bons frutos para a saúde humana, não apenas em relação aos antibióticos, como também na produção de medicamentos antitumores.
Em termos epistemológicos, a síntese de peptídeos não ribossomais, ao abalar o dogma central da biologia molecular, demonstra que há muito que aprender sobre os seres vivos e seus processos metabólicos. Bem como seus aspectos evolutivos, pois a descoberta de que peptídeos podem ser sintetizados sem a participação direta do DNA e RNA reforça a hipótese de que, na origem da vida, as proteínas vieram primeiro, depois foram criadas as moléculas de RNA seguidas pelo DNA.
Mesmo tendo que nos apoiar em teorias, a ciência requer que não fiquemos atrelados a modelos explicativos estanques para que possamos ver com mais perspicácia e encantamento o mundo que está ao nosso redor!
Referências, links e fontes das imagens:
1- AGENA, Lance. Carlos Ramos: Indian icons
2- BICUDO, Francisco. O triunfo dos canhotos. Pesquisa On-line (FAPESP).Edição Impressa 79 - Setembro 2002.
3- DELAÍDE, Thiago. Visão cosmológica antiga. Blog: Filosofia no ensino Médio, 17/04/2011.
4- Kazuya Yamanaka, Chitose Maruyama, Hiroshi Takagi e Yoshimitsu Hamano. -Poly-L-lysine dispersity is controlled by a highly unusual nonribosomal peptide synthetase. Nature Chemical Biology 4, 766 - 772 (2008) Published online: 9 November 2008.
5- MORAES, Maurício. Os monstros de Chernobyl. Super Interessante (Novas) ed. 257, outubro de 2008. Verão on-line.
6- PEREIRA, Iuri Bastos. Peptídios não ribossomais: uma vantajosa alternativa bioquímica. Revista Ciência Hoje, SBPC, n 279, vol. 47, p 36-41, março de 2011.
7- SAMSON, Robert A. Penicillium chrysogenum.
8- UFRRJ – CORRÊA. Aminoácidos e Proteínas I
9- UFRRJ – CORRÊA. Origem e evolução das células.
10- URLAUB, Cristofer. Bible Cosmology. Blog: Philosophies of men.
11- WATANABE, Kenji; HOTTA, Kinya; PRASEUTH, Alex P; KOKETSU. Kento; MIGITA, Akira; BODDY Christopher N, WANG, Clay C C; OGURI, Hiroki ; OIKAWA, Hideaki. Total biosynthesis of antitumor nonribosomal peptides in Escherichia coli. Nature Chemical Biology 2, 423 - 428 (2006). Published online: 25 June 2006.
12- WIKIPEDIA. Nonribosomal peptide.
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