Esta postagem aborda e linka o projeto de um grupo de pesquisadores do ‘National Institute for Medical Research’ de Londres, coordenado por Victor Tybulewicz. Estes pesquisadores inseriram um cromossomo 21 humano em camundongos (Mus musculus) para estudar os efeitos relacionados à síndrome de Down (1).
A relevância da pesquisa se relaciona ao fato da trissomia do cromossomo 21 humano (Hsa21) ocorrer em aproximadamente 1 em 750 nascimentos. Esta trissomia dá origem à síndrome de Down, que é a forma mais comum de retardo mental de base genética.
Além do retardo mental, hipotonia e neurodegeneração, a Síndrome de Down produz uma constelação de fenótipos diferentes com um espectro de outros transtornos, como defeitos no coração, leucemias, doenças autoimune, entre outras.
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Victor Tybulewicz |
O grupo de Victor Tybulewicz, em colaboração com Elizabeth Fisher do ‘Institute of Neurology – UCL’, usando modelos de camundongos, está interessado em identificar quais genes do cromossomo Hsa21 que, em tripla dose, produzem os diferentes fenótipos observados em muitos portadores da Síndrome de Down.
Muitos genes de camundongos se assemelham aos genes do cromossomo 21 humano, porém, eles estão distribuídos de forma diferencial no genoma dos roedores, concentrando-se especialmente no seu cromossomo 16 (Mmu16).
Todavia, a trissomia do cromossomo 16 em camundongos é letal, pois nele estão presentes outros locos além dos equivalentes aos do Hsa21, que no ser humano se distribuem entre os seus cromossomos Hsa3, Hsa16 e Hsa22.
Ou seja, mesmo que fossem viáveis, os camundongos com trissomia do Mmu16 equivaleriam apenas a uma trissomia parcial do cromossomo 21 humano, mas também apresentariam sintomas de trissomias parciais do 3, 16 e 22, dificultando a análise.
Assim, era necessário criar um modelo que colocasse em tripla dose apenas os genes equivalentes aos do Hsa21. Para tanto, os pesquisadores criaram uma nova linhagem de camundongos transcromossômica, chamada Tc1, que carrega uma cópia livre do cromossomo 21 humano. Verificou-se que os camundongos da linhagem Tc1 apresentam defeitos na memória, na plasticidade sináptica, na função locomotora, no desenvolvimento do coração e do esqueleto craniofacial.
As pesquisas com esta linhagem já produziram informações bastante relevantes para compreensão da síndrome de Down. Por exemplo, é sabido que os portadores apresentam taxas aumentadas de leucemia megacarioblástica, mas menores de tumores sólidos.
Os camundongos Tc1 têm uma megacariopoiese alterada. Esta patologia pode contribuir para o aumento das taxas de leucemia em humanos com trissomia do 21.
Em contrapartida, os estudos com a linhagem Tc1 também mostraram que a redução de tumores sólidos pode ser devido a defeitos da angiogênese (crescimento de novos vasos sanguíneos a partir dos já existentes).
As linhagens produzidas carregam diferentes deleções cromossômicas do Hsa21, possibilitando o estudo e descoberta dos locos gênicos que estão diretamente envolvidos no aumento da frequência de leucemias, nos defeitos no cérebro, desenvolvimento anormal do coração, na angiogênese, bem como nas alterações do comportamento e da plasticidade sináptica.
Como foi gerada a linhagem Tc1 de camundongos transcromossômicos?
Primeiramente foi utilizado um vetor que inseriu um gene de resistência a neomicina no cromossomo 21 (Hsa21) em uma cultura de células humanas. Em seguinda, estas células carregando um Hsa21 foram fixadas em metáfase e depois centrifugadas para formar microcélulas que transportassem um ou apenas poucos cromossomos.
As microcélulas foram fundidas com células tronco embrionárias de camundongos, que foram tratadas com neomicina para selecionar apenas as células que portavam o cromossomo humano 21. Após foram selecionadas as células que portavam apenas o cromossomo Hsa21.
Posteriormente as células transcromossômicas foram injetadas em blastocistos para gerar quimeras com células portando o cromossomo Hsa21.
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Entre as quimeras produzidas havia uma fêmea que gerou dois filhotes, um macho e uma fêmea que portavam o cromossomo 21 e foram utilizados em cruzamentos para produzir a linhagem Tc1, cujos camundongos conseguem sobreviver por mais de 20 meses.
Através da técnica de hibridização fluorescente in situ (FISH) foi possível comprovar que as células de linhagem Tc1 portam o cromossomo 21 humano (figura abaixo)
Nota:
A espécie utilizada trata-se do Mus musculus, um pequeno roedor da família dos murídeos, encontrado originalmente na Europa e Ásia, e atualmente distribuído por todo o mundo, geralmente associado a habitações humanas. Tem cerca de 8 cm de comprimento, pelagem macia, branca ou cinza-acastanhada, mais clara nas partes inferiores, orelhas grandes e arredondadas e cauda nua e longa.
O camundongo é o animal mais utilizado como cobaia em laboratórios de Biologia como um modelo aproximado do organismo humano, além de ter uma gestação curta que contribui para as mudanças genéticas. Desde o século XIX o camundongo se transformou em um instrumento de laboratório e a partir de 1900 se tornou também um importante modelo experimental para os estudos da Genética. O camundongo se caracteriza por ser uma espécie cosmopolita adaptada a uma grande variedade de condições ambientais. É um animal de hábitos noturnos que se acomoda em qualquer local de tamanho apropriado às suas necessidades (Wikipedia).
Fonte: MRC National Institute for Medical Research: Victor Tybulewicz group project: Mouse models of Down syndrome.
Links para as publicações do grupo de Tybulewicz sobre a Linhagem Tc1:
1- O'Doherty, A; Ruf, S; Mulligan, C; Hildreth, V; Errington, ML; Cooke, S; Sesay, A; Modino, S; Vanes, L; Hernandez, D ; Linehan, JM; Sharpe, PT; Brandner, S; Bliss, TVP; Henderson, DJ; Nizetic, D; Tybulewicz, VLJ and Fisher, EMC (2005) (2005): An aneuploid mouse strain carrying human chromosome 21 with Down syndrome phenotypes.Science 309, 2033-2037
2- Morice, E; Andreae, LC; Cooke, SF; Vanes, L; Fisher, EMC; Tybulewicz, VLJ and Bliss, TVP (2008)
Preservation of long-term memory and synaptic plasticity despite short-term impairments in the Tc1 mouse model of Down syndrome. Learning & Memory 15, 492-500
3-Galante, M; Jani, H; Vanes, L; Daniel, H; Fisher, EMC; Tybulewicz, VLJ; Bliss, TVP and Morice, E (2009). Impairments in motor coordination without major changes in cerebellar plasticity in the Tc1 mouse model of Down syndrome. Human Molecular Genetics 18, 1449-1463
4- Alford, K; Slender, A; Vanes, L; Li, Z; Fisher, EMC; Nizetic, D; Orkin, SH; Roberts, I and Tybulewicz, VLJ (2010). Perturbed hematopoiesis in the Tc1 mouse model of Down syndrome. Blood 115, 2928-2937
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