06 fevereiro, 2011

OS JOGOS DE REPRESENTAÇÃO E O ENSINO DAS CIÊNCIAS

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Busco aqui, relatar brevemente uma experiência que realizei durante o doutorado. Ela não foi utilizada diretamente na elaboração da Tese, mas serviu para embasar algumas das suas principais reflexões.
Tais atividades tiveram como base os exercícios de “Jogos Dramáticos” desenvolvidos em dezembro de 1996, durante Seminário Avançado “O Binômio Teatro-Educação: um Conceito Contemporâneo”, oferecido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, ministrado pela professora Dr.ª Maria Lúcia S. B. Pupo e coordenado pela professora Dr.ª Analice D. Pillar.

Além disso, durante a graduação e o Mestrado, participei ativamente do Grupo Choreo de dança contemporânea e pude constatar que, nestas atividades, se consegue construir uma excelente noção de limites espaciais e de interações, pois se tem a noção de que por trás da cena há muitos eventos e pessoas nos bastidores que permitem que a representação funcione. Estes conhecimentos foram muito produtivos para uma melhor compreensão da Ecologia.

Esta não é uma prerrogativa pessoal, pois há muitos biólogos que se envolvem ativamente com a arte. Theodor Schwann, considerado o pai da Histologia e responsável, também, por importantes contribuições na área da embriologia, ciência que praticamente fundou, foi um ator muito bem sucedido. A acadêmica Bruna Treviso Cenci foi uma das laureadas pelo excelente desempenho durante o curso de Biologia do CARVI/UCS. Qual sua relação com o teatro? Ela não só atua num grupo teatral, como pagou quase todo o seu curso com as aulas de teatro que ministra.

Estes exemplos apontam para uma importante conexão entre a arte de representar e o conhecimento científico, especialmente, na área de ciências naturais. Ao realizar o seminário percebi que este poderia ser um interessante método para a construção do conhecimento em ciências. Porém, como não tenho uma formação teatral, resolvi não usar a terminologia de Jogo Dramático, mas sim, Jogos de Representação, que remetem mais a um aprimoramento das brincadeiras de faz de conta das crianças. Tais brincadeiras, segundo Piaget são essenciais para aquisição da linguagem, a qual é essencial para o desenvolvimento da inteligência humana.

A utilização de jogos de representação e a construção do conhecimento.

A utilização de jogos de representação como instrumento pedagógico é inspirada pela idéia de que o jogo, em si, estimula a vida social e a atividade construtiva. Como enfatiza Piaget, o confronto de pontos de vista é indispensável, desde a infância, para a elaboração do pensamento lógico e tais confrontações se tornam cada vez mais importantes na elaboração das ciências, pelos adultos.

Ensinar é constituir um espaço de socialização do conhecimento e contribuir, decididamente, para a formação habilidades e competências. Neste contexto, a questão fundamental é descobrir como se desenvolve uma postura reflexiva, crítica, questionadora e inquieta, que não aceita, a priori, qualquer informação.

O ato de representar envolve imitação, a qual desencadeia a necessidade de observação. Ao observar com interesse, algo ou alguém, assimilamos informações. Através desse exercício nosso olhar se torna mais sensível. Este é um ponto de encontro que pode ser estabelecidos entre arte e ciência. A arte pode renovar o olhar e levar a descoberta de um mundo encantador, que sempre esteve aí, mas para o qual estávamos “cegos”.

A atividade dos jogos.

Os jogos de representação são atividades nas quais os estudantes devem resolver, em grupo, problemas propostos utilizando-se de uma representação, que é assistida pelos integrantes dos outros grupos e, posteriormente, analisada e comentada.

Por exemplo, aos grupos pode ser proposta a representação de uma viagem, em 10 minutos, este é o problema. Cada grupo escolherá o meio de transporte, o itinerário da viagem, o tipo de bagagem, os motivos da viagem, etc. Desse modo, o mesmo problema pode ser resolvido de diferentes maneiras, estimulando-se a criatividade.

Outro problema muito interessante é apresentar aos grupos um local que servirá de “teatro”, colocando como problema que ele não deve representar o que é, mas deve ser transformado. Por exemplo, se o local for um corredor, ele poderá ser tudo, menos um corredor. Ao organizarem sua representação, os alunos deverão decidir, também, que área do corredor será palco e que área será a plateia. Este exercício é muito bom porque a contingência de trabalhar num espaço restrito, dividindo-o com outros, cria uma noção dos limites espaciais.

Deve ficar bastante claro, aos grupos, que cada jogador é livre para representar sem, com isto, poder constranger os demais, pois os papéis devem ser democraticamente estabelecidos.

Concluída a apresentação, os assistentes devem comentar o que gostaram, o que criticam e o que sugerem para melhorar.

Essencialmente, todos os problemas propostos devem ser resolvidos através de técnicas simples como as usadas nas brincadeiras de faz-de-conta. Antes da representação final e proposição do problema do dia, são realizados exercícios de interpretação, a fim de fornecer “material” ou repertório aos jogadores. Nesse momento o professor deve participar ativamente das representações para mostrar o que está buscando. Assim, antes de propor uma viagem, é importante explorar a imitação de diferentes tipos de transporte em veículos, bem como, o carregamento de diferentes bagagens e volumes.

Viola Spolin é uma excelente referência de exercícios de improvisação para o Teatro. 

Em caso de haver disponibilidade alguns objetos podem ser utilizados, durante os exercícios preparatórios, mas o ideal é que durante a representação eles sejam apenas simulados ou então transformados em “outros” objetos através da representação.

Nas experiências que desenvolvi durante o doutorado, verifiquei que a criatividade é maior quando estimulamos as representações cômicas, pois elas reforçam o caráter lúdico da atividade.

As regras que se impõem são basicamente três: (1) a resolução do problema, sem ignorá-lo; (2) a representação para os outros, quer ela seja “direta”, como uma apresentação teatral ou “indireta”, no caso de filmar e depois assistir; (3) o caráter fictício das representações, de modo que, se há uma cena de choro, o jogador deve apenas “fingir” que está chorando. Nas minhas experiências concluí que, durante a preparação, o professor deve constantemente relembrar aos alunos de que é apenas “fingimento”.

Quando possível, a melhor opção e formar diferentes grupos para uns se apresentarem aos outros. Porém, com alunos de uma escola de periferia isso não foi possível, pois havia muitos problemas de disciplina e os grupos não podiam trabalhar sem supervisão constante. Neste caso, todos juntos criavam uma representação que era filmada e depois assistida por eles mesmos. Eles adoravam se assistir e esta foi uma boa “moeda de troca” para conseguir a colaboração de todos, pois para atuar era preciso respeitar e deixar que os demais também participassem. Ao final do trabalho, doei duas fitas de vídeo para a biblioteca da escola, assim os alunos retiravam e mostravam para os familiares.

Em síntese, a técnica engloba três aspectos fundamentais: (1) os jogos de representação são um bom instrumento metodológico para a descoberta de alguns filtros dos educandos, pois somente representamos aquilo que conseguimos perceber; (2) eles estimulam a observação detalhada e podem ser utilizados em diferentes locais, não requerendo laboratórios ou equipamentos especializados; (3) eles possibilitam a criação de um ambiente de confiança e respeito mútuos, favorável ao desencadeamento do diálogo entre educador e educandos.

Referências:
CUNHA, Gladis F. A formulação da Teoria Celular. TeLiga.net.
PIAGET, Jean. [1945]. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho; imagem e representação. Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos S.A., 1990.
PIAGET, Jean. Prefácio in: KAMII, Constance ; DE VRIES, Rheta. Jogos em grupo na educação infantil: implicações da teoria de Piaget. São Paulo : Trajetória Cultural, 1991.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro, São Paulo : Perspectiva, 1979.

As imagens foram modificadas de originais disponíveis em:
Poéticas do corpo 
Nossa dica 
DomTotal.com

3 comentários:

  1. Novamente só elogios, fantástico seu post. Sério e muito importante. Faculdades deveriam ampliar mais esse tipo de abordagem, as disciplinas multiplas que aderem ao Teatro ou ao estudo de danças com representações só trazem benefícios e em todos os campos.

    Os benefícios são inúmeros. Quem fez sabe. Coisas como respeito, solidariedade, observação detalhada do cotidiano, auto conhecimento, noção de espaço corpo e mente e tantos outros ocorrem de forma real e passam a fazer parte do cotidiano íntimo de cada frequentador dessas oficinas.

    Tomara que a moda pegue e isso acabe por acontecer mais vezes e em mais locais. São só benefícios.

    Parabéns, é um prazer passar por aqui.

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  2. amsk,

    Seus comentários sempre acrescentam ao post. Nas escolas onde há professores interessados em trabalhar com teatro, em geral, somente usam peças prontas com figurino definido, dando pouco espaço para a criatividade dos alunos.

    Por outro lado, o trabalho com os jogos não necessariamente precise culminar numa apresentação para a comunidade, pois eles desenvolvem várias habilidades por si mesmos.

    Em geral, após alguns meses de trabalho acabam surgindo algumas 'peças' bem interessantes.

    Com isso não quero me posicionar contra a utilização das peças convencionais, mas sugerir que o trabalho não se limite a elas.

    Da mesma forma, os desenhos impressos para colorir podem ser usados para desenvolver a coordenação, as aulas de artes não podem se limitar a eles, pois seria desastroso já que, dessa forma, se abre mão da maior parte da criatividade e autonomia no desenho.

    Além disso, em aulas normais, alguns exercícios de improvisação podem ser incluídos. Num curso para professores estaduais tínhamos que trabalhar com um texto para o ensino médio sobre vírus. Como era meio longo trabalhei uma técnica de leitura com modificação da voz. Todos sentaram em círculos de costas e liam pedaços do texto modificando a voz. Foi muito divertido, enquanto isso as demais pessoas apenas acompanhavam o texto lendo. Alguns dos professores aplicaram a técnica com seus alunos e relataram que eles adoraram.

    Enfim, a ideia aqui foi partilhar um pouco desta experiência, porque, cada vez mais, os alunos permanecem dentro das escolas e se ficarem confinados apenas à mera transmissão de conteúdos, restritos a uma condição passiva, é "a treva"!

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  3. Cladis, o que você diz é fato.

    Quando se trabalha um tema onde os alunos podem opinar, eles acrescentam e muito.

    Vamos conversar mais sobre o tema. ndamos vendo uma fita "olhos azuis" de uma norte americana, sobre oficina na luta contra o preconceito e a discriminação. Ela trabalhava em sala de aula com a questão e hoje nas empresas. É fantástico, recheado de material muito próprio com os seus. Nas duas questões os participantes não sabem, são jogados num tetro vivo e real, sem condições de estabecer um ponto inicial. Resultado, espanto e admiração. Mudança pra vida toda. Vou pegar todos os dados e te mando, acho que irá gostar de ver...se já não conhece.

    é sempre um prazer a boa leitura, por isso passamos por aqui.

    um abraço,

    Homeopatas dos Pés Descalços.

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