09 janeiro, 2011

A importância dos sonhos para as aprendizagens.

por
Hamlet de Tom Mandrake
Hamlet de Tom Mandrake

[...]Morrer, dormir
Nada mais; e por via do sono pôr ponto final
Aos males do coração e aos mil acidentes naturais
De que a carne é herdeira, num desenlace
Devotadamente desejado. Morrer! Dormir; dormir
Dormir, sonhar talvez: mas aqui está o ponto de interrogação;
Porque no sono da morte, que sonhos podem assaltar-nos
Uma vez fora da confusão da vida?[...] William Shakespeare [4]

O trecho acima é parte do monólogo de Hamlet, que inicia com a famosa frase “Ser ou não ser, eis a questão”. Hamlet é uma tragédia de William Shakespeare, escrita entre 1599 e 1601, neste monólogo, o genial autor questiona se a morte seria um dormir sem sonhar, pois os sonhos que temos refletem a “confusão da vida”.

O personagem Hamlet enfatiza que muitos temem a morte mais pelo fato dela não levar ao esquecimento, como destaca adiante no mesmo monólogo “Quem tais fardos suportaria, preferindo gemer e suar sob o peso de uma vida fatigante, a não pelo medo de algo depois da morte?

Nesta peça, os sonhos são relacionados às lembranças, indicando que já no início do século XVII Shakespeare adivinhava ou conhecia o papel dos sonhos para formação das memórias.
O sono REM foi descrito em 1953 por Eugène Aserinsky e Nathaniel Kleitman, abrindo caminho para pesquisa neurocientífica do sono. A sigla REM se refere a “Rapid Eyes Movement” ou movimento rápido dos olhos. As pessoas acordadas durante ou no final deste período são capazes de descrever sonhos com riqueza de detalhes de representações visuais e autorrepresentações, acompanhadas por forte componente emocional ou por alteração da realidade em termos de espaço tempo. Porém, mesmo para quem não se lembra dos sonhos eles são essenciais.

Atualmente, já se sabe que os sonhos têm um papel muito importante na aprendizagem e formação das memórias. É durante o sono que o cérebro recorda coisas que aprendeu recentemente, por isso uma boa noite de sono contribui para memorização do que se aprende durante o dia, pois é durante o sono REM que o cérebro constrói as memórias de longa duração.

Assim, quando temos bons sonhos sobre o que aprendemos memorizamos mais e quem “vira” a noite estudando perde mais do que ganha. Ao contrário, quando temos pesadelos sobre o que aprendemos nossas memórias se tornam “negativas” e nosso aprendizado piora.

Estranho? Foi isso que revelaram pesquisas com jogadores de videogame. O jogadores jogavam antes de dormir e eram acordados pelos pesquisadores durante o sono REM. Verificou-se que os jogadores que haviam sonhado com o jogo acabaram joagando melhor no dia seguinte. Entretanto, quando os jogadores tiveram pesadelos muito intensos sobre o jogo, o efeito foi contrário e eles jogaram pior no dia seguinte.

Em outra pesquisa, Robert Stickgold mostrou que a memorização é melhor após a segunda e a terceira noites de sono, mas que o sono da primeira noite após a aprendizagem é indispensável. Ele também mostrou que o desempenho de algumas pessoas aumentava com a duração do sono lento do início da noite e com a duração do sono paradoxal do final da noite.

Estas pesquisas evidenciam que sonhar e aprender são duas atividades relacionadas.

Os sonhos têm funções muito importantes na nossa vida, pois são instrumentos que o cérebro usa para lembrar, criar e ensaiar. Cogita-se que os sonhos que ocorrem durante o sono REM refletem um estado de atenção dirigido ao interior e às lembranças.

Em resumo, não basta aprender é preciso memorizar e, para memorizar, é preciso dormir, pois sono e memória estão estreitamente ligados. Assim, a retenção de algo aprendido é melhor quando a aprendizagem é seguida por um período de sono.

Muitas funções do sono permanecem, ainda, misteriosas, mas já sabemos que a consolidação das memórias é uma delas.

Notas, referências e links:
1- A imagem de Mandrake é detalhe da capa da Classics Illustrated n. 2 Hamlet de William Shakespeare, adaptado por Steven Grant (texto) e Tom Mandrake (arte), Abril Jovem, 1990.
2- HENNEVIN-DUBOIS, Elizabeth. Memorizar dormindo? Viver Mente & Cérebro, Edição Especial n. 2, p. 22-25, 2005.
3- MANCIA, Mauro. No limiar Onírico. Viver Mente & Cérebro, n. 140, p. 46-51, Set. 2004.
4- Monólgo de Hamlet disponibilizado na íntegra por Kavorka no “obscured by clouds” em 27/11/2006.
5- RIBEIRO, Sidarta. Tenha bons sonhos. Ciência Hoje das Crianças. Nº 219, p. 2-5, Dez. 2010.

5 comentários:

  1. Sem qualquer pretensão.
    Muito se tem escrito sobre “ sonhos “. É um tema muito complexo mas fascinante.
    Já li algumas coisitas sobre o tema. Confesso que nunca encontrei respostas convincentes.
    Curioso como sou, também me debrucei sobre hipnose. Assim, fiquei convicto que é uma ciência. Logo, consciente, subconsciente e inconsciente não são enigmas.
    Claro que dormir, significa repousar, ou seja, a forma que o nosso organismo utiliza para repor a energia consumida.
    Um facto inquestionável é que todos nós sonhamos, aliás está provado cientificamente. O REM (Movimento Rápido dos Olhos) como aludiu, ou do inglês Rapid Eye Movement é verdadeiro.

    A questão para mim é o significado de sonho. Qual é a finalidade? Porque é que ele acontece? Porque será não nos lembramos deles a maioria das vezes?
    Quanto a pesadelos, só me recordo de ter alguns em criança.
    Se consegui interpretar, penso que para Freud era um escape para a realização dos nossos desejos. Quais? Temos tantos.
    Numa perspectiva teológica, talvez se possa considerar como mensagens divinas.

    Se me permite, discordo da sua afirmação “quem vira a noite estudando perde mais do que ganha”. Certamente, não serei único mas nunca durmo mais que 5 ou 6 horas, desde garoto, com a particularidade de só conseguir adormecer + - a partir as 3 horas.
    Quando iniciei o período escolar foi bastante difícil mas depois adaptei-me.
    Também sei, que só começo a ser mais produtivo por volta das 12 horas. Claro que isto tem inconvenientes a nível social mas, também os ultrapassei.
    Pensando bem, até tem sido proveitoso, pois consegui transformar os 5 anos (Universidade) em 3. Não porque seja melhor que ninguém, ou mais inteligente mas por muita determinação. A noite foi e é uma grande aliada.
    A título de curiosidade, os meus pais (quando eu era garoto) consultaram vários especialistas. Nada a fazer o meu relógio biológico é diferente.

    Me desculpe esta fuga ao contexto mas para fundamentar a divergência não vi outro método. Escrever sobre a minha realidade.
    Ah! sou saudável. Havia a hipótese de vir a sofrer de depressão mas até agora, Graças a Deus não.

    De volta ao tema. Só tenho dúvidas.

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  2. Mário,
    Quando são apresentados dados de pesquisa eles sempre são estatísticos e não absolutos. Assim, ao afirmar que o sono e os sonhos são imprescindíveis para as aprendizagens falamos de uma maioria estatísticamente significante.

    Para a maioria das pessoas que passa toda a noite estudando e vai para uma prova ou concurso sem dormir isso é mais perda do que ganho.

    A expressão virar a noite se referia a isto, estudar, estudar e estudar sem dormir antes da realização da prova ou apresentação, etc.

    A recuperação e construção das memórias neste caso são piores. O ideal é estudar com mais antecedência e ter pelos menos três períodos de sono antes da realização da prova.

    Sobre os ritmos eu também descanso mais pela manhão do que à noite e durante o Doutorado conseguia produzir mais entre 22 e 3 horas.

    Desde criança sou assim, a mioria das postagens do Teliga são noturnas, mas sempre procuro dormir, em média, de 7 a 8 horas contínuas por dia.

    Para lembrar mais dos sonhos pode-se fazer o seguinte exercíco: ao deitar procurar lembrar-se, retrospectivamente, de tudo o que ocorreu durante o dia, desde o momento em que deitou-se até o acordar-se.

    Ao acordar deve-se ficar ainda quieto na cama e tentar fazer a mesma coisa lembrar-se do acordar e do que ocorreu antes disso. Se for possível seria muito bom anotar em um caderno os sonhos que forem sendo lembrados.

    Quando me disponho a fazer tais exercícios sempre me lembro melhor dos sonhos. O problema é ter a disciplina para fazer isso.

    Os pesadelos são mais lembrados porque ao nos assustarmos acordamos em pleno período REM. Sempre que acordamos em meio a este período ou logo que se encerra lembramos mais dos sonhos.

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  3. Muito obrigado pela lição.
    Vou fazer a experiência que me recomendou.
    É curioso a coincidência. Sinceramente fiquei satisfeito porque quem funciona assim compreende com facilidade. Nunca tinha partilhado isto. A minha mulher sabia antes de nos casarmos, porque não achei justo esconder. Não por complexo mas como ela faz parte do padrão, digamos normal, a relação não seria fácil. Já lá vão 10 anos e tudo corre bem. Muitas vezes lhe digo que ela nasceu predestinada para mim. A realidade é que acredito nisso.
    Já agora, mais uma confidência, temos 3 filhos, com 7, 5 e 3 anos respectivamente.

    Reitero os meus agradecimentos.

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  4. Professora

    Não sei se já leu. Eu gostei.

    http://hypescience.com/como-controlar-seus-sonhos/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+feedburner%2Fxgpv+%28HypeScience%29

    Aprendi e isso é sempre o meu objectivo.

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  5. Mário,
    excelente link!

    Outra técnica possível é sempre que nos depararmos com uma situação inusitada ou não usual darmos um pulinho para ver se flutuamos ou puxar um dedo para ver se ele estica. No sonho flutuamos e os dedos esticam. Já testei e funciona. O difícil é lembrar de dar estes pulinhos no dia a dia. Quanto mais vezes fizermos maiores as chances de repetirmos durante o sonho, já que custumamos repetir o dia em sonhos.
    Nos sonos mais leves, quando estamos tirando uma soneca durante o dia isso é mais comum de ocorrer.
    vale tentar.

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