30 dezembro, 2010

II – O consolo do Infinito

APONTAMENTOS SOBRE NADA – Parte 2
Uma das possíveis representações do infinito.

O homem ao longo do processo de construção do seu mundo se defronta com as trevas daquilo que ele não vê, mas suspeita, e daquilo que ele não compreende, mas explica.


Há quem atribua a qualidade da infinitude ao conhecimento humano, dotando-o de uma falsa presunção. No entanto, a nódoa do conhecimento humano se estreita sob os rigorosos limites da linguagem, tornando-o submisso à amplitude dos gestos, ao volume da fala, a perícia do pincel e do cinzel e a engenhosidade da escrita. Então, mesmo que os braços se abram para abarcar o firmamento e a voz grite para os precipícios e a invenção do pincel e da caneta descreva as maravilhas da natureza, mesmo assim tudo isso não passa de quase nada perante a realidade do que está aí fora desafiando todas as expedições colonizadoras.

Para preencher o vazio aterrador das coisas não sabidas, inventou-se o engenhoso conceito do infinito.
Infinto da Marvel Comics

Assim como outras coisas incorpóreas foram inventadas tais como ética, amor, esperança, tempo, eternidade, no grande afã para preencher as lacunas existentes entre a percepção da natureza e a realidade das coisas, o infinito foi um passo necessário na tentativa de explicação das coisas muito grandes e das muito pequenas.

Um pequeno micróbio que viva no fio de uma régua, perceberá a reta que se estende à sua esquerda e direita como infinita. Mesmo que ele dedique toda a sua vida a percorrê-la, acabará morrendo antes de chegar ao fim. Assim é o micróbio humano nas suas visões das coisas descomunais. Quando nem a sua vista imaginativa percebe o fim de algo, põem-lhe o atributo do infinito, ao invés de admitir que aquilo não passa de uma limitação dos seus órgãos sensitivos que, por ora, não conseguem apreender um todo maior.

Os conceitos do nada e do infinito se estreitam na sua mútua relação de meros constructos humanos usados para sanear os defeitos estruturais da linguagem que os torna senhores e escravos simultaneamente, porque, ao mesmo tempo em que lhes permite o assenhoramento de um vasto mundo de representações simbólicas das coisas naturais, alija-os definitivamente da realidade em si, uma vez que esta não é passível de redução aos estritos mecanismos impostos pelas regras intrínsecas da própria linguagem usada para descrevê-los.

Sob essas imposições de ordem estrutural, é possível afirmar que “tudo aquilo que está além do universo compreendido pela linguagem não existe”, não a não-existência real de fato, mas aquela, produto da incapacidade de superação do claustro advindo da própria necessidade inerente de entendimento do universo.

Por outro lado, tudo aquilo que é parcialmente percebido, quer pela grandeza física do objeto estudado, quer pela baixa resolução dos instrumentos de detecção é etiquetado como “sem fim”, não provisoriamente, numa admissão de ignorância, mas definitiva e orgulhosamente como se o infinito tivesse uma existência em si mesmo, como se fosse possível alguma coisa ter uma infinitude objetiva.

Escrito por Isaías Malta
Revisado e Ilustrado por Gladis Franck da Cunha.

Referências, notas e links:
1- Uma das possíveis representações do infinito em: Too Many Damned Monkeys (publicado em 24/11/ 2010) The null hypodermic

2- O universo Marvel trata o infinto como uma entidade quase onipotente e onipresente sem corpo físico. Porém, quando precisa se comunicar com seres inferiores, Infinito pode criar uma forma humanóide, normalmente, uma figura feminina. A representação de Infinito foi criada por Mark Gruenwald e Greg Capullo e apareceu a primeira vez em julho de 1991 na revista Quasar nº 24 (WIKIPEDIA).

3 comentários:

  1. Excelente lição, aliás como sempre.

    Sinceramente não sei se “ infinito “ é sinónimo de ilimitado.
    Na qualidade de leigo, penso que se houvesse limite, refiro-me ao pensamento, não seria possível especular. Neste contexto, tenho dificuldade em compreender o limite porque se ele existir, a vida, tal como eu a entendo deixa de fazer sentido.

    Por falta de conhecimentos, certamente, acabei de escrever um monte disparates.

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  2. Mário,
    Filosofar nunca é disparatado!
    Os limites são necessários para não enlouquecermos. Há registros de matemáticos brilhantes que sofreram de doenças mentais em função de não colocarem limites como o caso de Max Cohen retratado no filme Pi.
    Talvez tenha sido a loucura que os tenha tornado brilhantes?
    De qualquer forma, nossa mente limitada não consegue lidar muito bem com o ilimitado. Assim, ao criarmos o termo infinito "encerramos o assunto" e nos limitamos, podendo levar uma vida 'normal'.
    Esta é a minha interpretação do texto. Se o Isaias não gostar que faça outra ;-).

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  3. Meu Deus, quem sou eu para contrapor uma filósofa da ciência?

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