Os estágios das Licenciaturas devem se constituir em ambientes de reflexão solidária sobre a prática docente. Para tanto, os supervisores de estágios devem criar estratégias que possibilitem aos acadêmicos o desenvolvimento de sua própria autonomia pedagógica.
Neste contexto, Sá-Chaves ; Amaral (2000) sugerem que a Supervisão Reflexiva é essencial para a passagem do “eu solitário” para o “eu solidário”. Para as autoras o significado do “eu solitário” se manifesta nos professores que não conseguem libertar-se das receitas que lhe foram “prescritas” durante a formação docente, especialmente as imposições dos orientadores de estágio. Há ainda muitas outras receitas dadas através de normativas emanadas de vários órgãos pedagógicos sem a discussão prévia com aqueles a que se destinam.
A não aceitação das receitas impostas leva à solidão e ao isolamento na sala de aula. As autoras sugerem que este estado de solidão poderia ser alterado através de uma formação de professores fundamentada na escola, como resultado de uma análise cuidadosa das necessidades inerentes à mesma. É neste contexto que situam o conceito de supervisão reflexiva (Sá-Chaves ; Amaral, 2000).
Quando o orientador e o estagiário refletem solidariamente sobre a prática docente, os efeitos são muito mais abrangentes do que os resultados de uma reflexão solitária. O mesmo tipo de supervisão deveria se estender além da formação acadêmica e se estabelecer na Escola, através de reuniões regulares, nas quais todos pudessem discutir a prática docente, analisando as necessidades reais de cada um com a contribuição de todos, mas respeitando os saberes e as diferenças existentes. Segundo Sá-Chaves ; Amaral:
Haverá se assim procedermos, uma construção de saberes decorrente de práticas intercontextuais e transdisciplinares. A supervisão reflexiva e crítica far-se-á de forma ecológica ao nível das práticas de sala de aula, ao nível da forma como se reflecte sobre os processos de construção do conhecimento (metacognição), ao nível da gestão curricular, ao nível das relações interpessoais, do conhecimento e desenvolvimento profissionais, da gestão de projectos educativos, enfim, de tudo o que se possa desenvolver no âmbito das funções sociais que estão cometidas à escola (2000, p. 83).
No mesmo sentido, Ribeiro (2000) enfatiza a necessidade de uma constante reflexão sobre o já experimentado para a reconstrução de novas experimentações, em direção a um tipo de ação cada vez mais eficaz e positiva. Para a autora o supervisor é alguém que deve acompanhar, ajudar, desenvolver aptidões e capacidades, enfim criar condições de sucesso ao futuro educador. Para isso o supervisor deve evoluir sempre, quer nas suas características de pessoalidade como de profissionalidade.
O supervisor é quem acompanha as primeiras experiências de prática do futuro professor. É ele que, de acordo com o modelo seguido, no acompanhamento e orientação das ações práticas ou reflexivas favorece ou condiciona o desenvolvimento das capacidades e aptidões do licenciando e de si próprio. Também, esta perspectiva comporta a ideia de interajuda, de monitoração, de encorajamento para que cada qual dê o seu melhor nas situações problemáticas com que se depara.
Compreende-se então que a tarefa do supervisor deve se assentar num contínuo processo de interação consigo próprio e com os outros, devendo incluir estratégias de observação, reflexão e ação. Isto é, deve-se refletir sobre os dados que se recolhe, avaliando-se sistematicamente, de modo a corrigir e a melhorar as suas competências pedagógicas e reflexivas, promovendo assim, e, como consequência, o sucesso dos seus alunos, candidatos a professores (RIBEIRO, 2000).
Em conformidade com as ideias das autoras acima, os estágios didáticos da Licenciatura em Biologia do CARVI/UCS têm primado por instituir diferentes momentos para reflexão solidária. Assim, a primeira reflexão é feita quando se discute a observação de docência e cada acadêmico relata suas impressões ao grupo. Nesse momento, os supervisores analisam os dados apresentados, trazendo exemplos de situações semelhantes vivenciadas por outros acadêmicos em semestres anteriores, refletindo sobre as estratégias que foram então adotadas e os resultados obtidos.
Uma segunda reflexão solidária se dá quando os acadêmicos apresentam um dos planos de trabalho aos colegas e supervisores. Nesse momento, são esclarecidas dúvidas acerca dos conteúdos e sugeridas mudanças metodológicas, também fundamentadas pelas experiências prévias.
O terceiro momento reflexivo se dá após a supervisão da docência, mas neste caso, a reflexão não ocorre no grande grupo, mas sim entre o supervisor e o acadêmico observado.
Porém, não se deve abrir mão dos processos individuais, como uma etapa privada que subsidiará as novas reflexões solidárias. Por isso, cada acadêmico, ao longo de seu estágio prático, faz sua análise sobre a aplicação de cada plano de aula, preenchendo fichas que deverão ser anexadas aos mesmos no relatório final. Tais fichas servirão para que, ao final do estágio, cada acadêmico possa relatar sua experiência, destacando aspectos que julgou serem mais relevantes.
Além destes momentos institucionalizados, ao longo dos encontros para orientação o supervisor deve ir questionando os alunos, a fim de oportunizar que compartilhem seus anseios, dúvidas e sucessos com todo o grupo. Através destas reflexões solidárias objetiva-se que os acadêmicos tornem-se mais autônomos e reflexivos, sem deixar-se cair na solidão, pois quanto maior for o compartilhamento do processo educativo mais eficiente ele se torna.
Em 2010, numa turma de estágio em Biologia do Ensino Médio, o caso de uma das acadêmicas, indicou que esta metodologia é acertada e pode contribuir para uma boa formação profissional. No relato que segue, vamos nos referir à acadêmica, apenas, pelas iniciais TC, a fim de preservar sua privacidade.
Na discussão sobre a observação de docência TC mostrou-se bastante preocupada e desanimada com as atitudes dos alunos em sala de aula. Ficou tão mal impressionada com suas atitudes, que chegou a afirmar que não queria “confrontá-los” por medo que pudessem depois agredi-la, pois residia, relativamente próxima a escola e cruzaria com os alunos pela rua.
Nesse momento, ela foi tranquilizada pelos supervisores, que enfatizaram a importância de elaboração de planos de trabalho, que possibilitassem uma boa relação dos alunos com os conteúdos, através de atividades interativas que rompessem com a passividade discente. Além disso, foi alertada da importância de estudar para conhecer profundamente os assuntos a serem abordados, pois os adolescentes respeitam mais os professores que dominam os conteúdos. TC, realmente preparou um material de ótima qualidade e sabia do que estava tratando.
Porém, após sua primeira aula ela retornou aos encontros da disciplina muito decepcionada, confessando que precisou se segurar para não chorar, pois os alunos conversaram sem parar, praticamente, ignorando-a durante toda a aula. Ao ouvir este depoimento sugeri que, ao iniciar a aula ela fosse escrevendo no quadro e não entregasse mais aos alunos folhas com texto impresso, apenas com exercícios e imagens para completarem. Esta sugestão lhe pareceu estranha, pois achava que, ao utilizar o quadro com texto escrito, estaria dando uma aula “muito tradicional”.
Argumentei que esta seria uma maneira de estabelecer uma interação com os alunos, pois eu já havia vivido uma situação semelhante e descobrira que a escrita no quadro serve como um marco indicador que a “aula” começou. Pelo seu relato, eu entendia que os alunos consideravam os questionamentos iniciais e a tentativa de estabelecer um diálogo como “matação de aula”, assim julguei que eles precisavam de uma estratégia metodológica que lhes permitisse o “reconhecimento” de que estavam numa aula e, com o tempo, ela poderia estabelecer um ambiente para dialogar mais com os alunos, pois fora isso que eu fizera alguns anos antes. TC aquiesceu, porém antes de colocar esta metodologia em prática, também consultou a professora titular que concordou com essa estratégia pedagógica.
Na semana seguinte, ela confirmou que a aula havia melhorado, mas ainda desejava que o estágio terminasse o quanto antes. Porém, ao longo do processo, as relações foram progredindo a tal ponto que TC passou a lamentar o fato de suas aulas já estarem terminando. Ela alegou já estar sentindo saudades antecipadas, disse que não se esqueceria destes alunos, pois eles passaram a demonstrar carinho por ela e alguns até pediam para acompanha-la no caminho para casa ao saírem da escola.
Além das relações afetivas, TC ficou satisfeita com a aprendizagem dos alunos, pois num teste de conhecimentos eles se saíram muito bem. Uma das alunas até afirmara que “era preciso ser muito burro para não ‘ir bem’ na matéria dela”. Certamente, não foi somente a utilização do quadro que produziu este efeito, pois ela foi estabelecendo um relacionamento afetuoso com eles elogiando-os sempre que possível e destacando suas qualidades. Enfim, TC foi demonstrando que seus alunos não eram “transparentes” e ela se importava com eles.
Apesar disso, num de seus relatos aos supervisores, TC ainda lamentava ter que se utilizar de um método tão “tradicional” como o de escrever no quadro. Porém, foi justamente quando ela aceitou a forma como eles viam o mundo, que criou possibilidade de interação e diálogo e isso está longe de ser “tradicional”.
O interacionismo extrapola conceitos simplistas do que seja uma aula “não tradicional”, pois o que importa é o estabelecimento de trocas entre educador e educandos. Assim, muitas vezes tem-se que fazer recuos estratégicos para não intimidar os educandos, a fim de construir, aos poucos, espaços e estratégias educativas diferenciadas.
O bom exemplo dado por TC é ter aprendido a respeitar e valorizar seus alunos. Além disso, ela disse aquela frase que anima qualquer supervisor de estágio: “Antes eu não tinha certeza, mas agora sei que quero ser professora”.
Pelo lado de quem supervisiona, este será mais um bom exemplo a ser resgato durante as discussões coletivas nas próximas turmas de estágio. Exemplo que aprova o trabalho que está sendo realizado, pois num estágio, mais do que qualquer outra disciplina, lidamos com a autonomia. Como supervisores de estágio, nós podemos ponderar, sugerir, insistir, reclamar e, por vezes, até ameaçar, mas quem vai executar a tarefa são os estagiários. Aos supervisores restará continuar nos bastidores, dando o suporte possível e torcendo para que tudo saia bem.
A autonomia dos novos professores se dá através do desenvolvimento de habilidades e competências, que lhes possibilitem enfrentar desafios inusitados como fazem muitos artistas de circo. Há na docência uma grande dose de imponderabilidade, mas esse constante equilibrar-se numa corda bamba é parte da delícia de ser professor!
Referências:
RIBEIRO, Deolinda. A supervisão e o desenvolvimento da profissionalidade Docente. In: ALARCÃO, Isabel (org.) Escola reflexiva e supervisão. Uma escola em desenvolvimento e aprendizagem. Porto (Portugal) ; Porto Editora, 2000.
SÁ-CHAVES, Idália ; AMARAL, Maria João. Supervisão reflexiva: a passagem do eu solitário ao eu solidário. In: ALARCÃO, Isabel (org.) Escola reflexiva e supervisão. Uma escola em desenvolvimento e aprendizagem. Porto (Portugal) ; Porto Editora, 2000.
Antes de lecionar eu tinha uma visão bem diferente da educação, hoje eu mudei e recomendo aos doutores da Educação experimentarem um dia de aula em uma escola na periferia, acho que só assim poderiam cair na realidade.
ResponderExcluirParabéns pelo Blog.
Olá Fátima,
ResponderExcluirTens toda a razão. Desde que comecei a atuar na Supervisão de Estágios tenho acompanhado os estagiários nos mais diferentes tipos de escolas e turmas, algumas fáceis e outras muito complicadas. Aprende-se muito ao vivenciar diferentes realidades.
Em cada situação deve-se descobrir qual a melhor forma de atuar e como aplicar, na prática, as teorias pedagógicas. Não há receitas prontas e acabadas que não dependam da ação consciente dos educadores, por isso mesmo não há máquinas que possam substituir os professores.