Existem alguns tipos de investigação que classificamos como ‘pesquisa pura’, enquanto outras são aplicadas. Para o segundo tipo de investigação costuma ser mais fácil a obtenção de financiamentos, pois a perspectiva de aplicação em tecnologias comercializáveis as torna um investimento com perspectiva de retorno e, provavelmente, lucro, em curto prazo.
Porém, a pesquisa pura, realizada sem um interesse comercial imediato, possibilita a descoberta de novidades que poderão alavancar avanços em áreas por vezes inesperadas, foi o que ocorreu com a investigação das cores das asas de borboletas.
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Sir Gowland Hopkins |
Um bioquímico britânico que era apaixonado por borboletas, chamado Sir Gowland Hopkins, pesquisou a química dos pigmentos das asas das borboletas. Há pouco mais de 100 anos, entre 1889 e 1895, ele publicou trabalhos pioneiros sobre a composição química de pigmentos extraídos de asas de borboletas amarelas.
Ele descobriu que estes pigmentos tinham semelhanças com o ácido úrico, sendo, portanto, parecidos com derivados da purina (as bases Adenina e Guanina dos ácidos nucleicos são exemplos de purinas).
Entre 1925 e 1926 dois químicos orgânicos alemães, Heinrich Wieland e Clemens Schopf, publicaram novos estudos sobre as espécies Pieris brassicae(1) e Gonepteris rhamnae(2). Os pigmentos isolados foram denominados xantopterina e leucopterina. Porém, somente em 1940-41, Robert Purman estabeleceu, definitivamente, sua estrutura química, indicando que tinham dois anéis conjugados.
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Pieris brassicae |
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Gonepteris rhamnae |
Paralelas a estas investigações sobre pigmentos havia outras que pesquisavam as vitaminas, a partir do estudo de moléstias por carência vitamínica, entre as quais a anemia macrocítica, que provoca a diminuição de glóbulos vermelhos em circulação no sangue, mas além disso, apresenta uma proporção anormalmente alta de hemácias grandes, sendo algumas nucleados, significando que não amadureceram antes de entrar na corrente sanguínea.
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Hemácias macrocíticas - seta vermelha (Faculdade de Veterinária da UFRGS) |
Em 1940, Albert Hogan e Ernest Parrot conseguiram produzir anemia macrocítica em pintos e provaram que o fator antianêmico também estava presente no extrato de alfafa e na casca de grãos de trigo.
De 1940 a 1943 outros experimentos, realizados por Esmond Snell, Roger Willians e Herschell Mitchell, demonstraram que esse fator antianêmico era necessário para o crescimento de diversas bactérias e por isso recebeu o nome de ‘vitamina Bc’. Posteriormente, foi possível isolar o fator Bc de quatro toneladas de folhas de espinafre (Spinacea olareacea), por este motivo, Mitchell sugeriu que ele recebesse o nome de ácido fólico, já que estava presente em folhas. Numa publicação de 1944, os autores concluíram que o ácido fólico tinha uma estrutura química muito semelhante à xantopterina das asas da borboleta Pieris brassicae.
Pouco depois, em 1946, foi publicado na Science (vol 103) um artigo de dezesseis autores, com duas páginas, comprovando que a vitamina Bc ou ácido fólico era o ácido pteroil glutâmico. Essa descoberta teria sido muito mais difícil sem o prévio estabelecimento da estrutura química e propriedades gerais das pteridinas.
Além da medicina, a biologia molecular avançou com a descoberta da estrutura e biossíntese do ácido fólico, que atua numa etapa essencial à síntese de DNA, pois é ele que transfere o carbono2 que completa o anel das purinas (Adenina e Guanina), por tal motivo, na sua ausência as colônias de bactérias não conseguiam crescer.
Este exemplo atesta que a diversidade de pesquisas é fundamental para a humanidade. As conclusões a partir das pesquisas pioneiras de Hopkins sobre as correlações entre purinas e pteridinas, levaram ao conhecimento de que o ácido fólico é essencial para síntese de purinas. Por outro lado, trabalhos como os de Walter MaNutt e Hugh Forrest, em 1958, evidenciaram que as purinas são precursores biossintéticos de pteridinas, indicando que há um entrelaçamento das rotas metabólicas na biossíntese de produtos naturais.
A principal fonte de pesquisa deste texto foi um artigo de Luiz Gouvêa Labouriau. Este autor quis mostrar a importância da pesquisa pura e sugere que a diversidade do interesse dos pesquisadores é tão importante para a pesquisa científica como a diversidade das espécies biológicas é para o equilíbrio da bioesfera
Notas:
1- A Pieris brassicae ou borboleta branca da couve é um inseto da família Pieridae. Bastante comum em toda a Europa, especialmente no sul , preferindo zonas cultivadas, como parques e jardins com abundância de brássicas, como a couve (Brassica oleracea). Tem uma envergadura de 4 a 6,5 cm. As asas são brancas, com extremidades negras, mas nas fêmeas, a parte inferior das asas é esverdeada de cor muito clara, o que facilita a camuflagem quando estas borboletas se encontram em repouso. As marcas negras são geralmente mais escuras nos indivíduos nascidos no Verão (Wikipedia).
2- A Gonepteryx rhamni é uma borboleta da família Pieridae, sendo uma das espécies de borboleta com maior longevidade, apesar da maioria deste tempo ser passado em hibernação. Elas nunca pousam com suas asas abertas, pois a forma das suas asas é única entre as borboletas britânicas e serve como camuflagem enquanto eles repousam e durante a hibernação, fazendo-nas parecer com folhas. Existe um mito popular de que é esta borboleta que está na origem da palavra inglesa BUTTERFLY, uma corruptela de Butter- coloured fly (mosca da cor da manteiga) (Wikipédia).
3- Imagens descritivas das espécies Pieris brassicae e Gonepteryx rhamni por Josef Dvorák: Link-1 e Link-2
Referências:
1- LABOURIAU, L. G. Ciência nas asas das borboletas. Ciência Hoje. vol 17 n 97, Jan/Fev 1994.
2- Fonte da figura inicial das Borboletas amarelas.
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