"Os boatos começaram a circular no início de outubro. Davam conta da ocorrência de mortes na cidade, em consequência da ocorrência da influenza, a gripe espanhola, também chamada a moléstia reinante".
Ao lado da peste bubônica, da varíola, da desinteria e da sífilis, a gripe configura entre as doenças infecto contagiosas que mais tragicamente marcaram o passado da humanidade. Não se sabe quantos brasileiros foram infectados e mortos pela 'espanhola'.
Os primeiros casos em São Paulo fora registrados em 13 de outubro de 1918. "Oficialmente foram 66 dias de 15 de outubro a 19 de dezembro. Nese período cerca de 350 mil pessoas foram infectadas, número que na época representava 66% da população.
Imagem obtida em Mundo Vestibular
Morreram 5.100 pessoas, a maioria das quais morava em bairros onde predominavam os operários, sendo que nos bairros mais centrais houve menos mortos.
Cláudio Bertolli Filho classificou essa pandemia como não democrática, pois, embora as mortes tenham ocorrido em toda a parte as proporções foram díspares e na paulicéia enferma, quem mais sofreu foi a população pobre.
A gripe espanhola assolou a Europa, que estava fragilizada pela primeira guerra mundial, que havia iniciado em 1914. A gripe matou muito mais do que o conflito armado. Calcula-se que morreram da 'espanhola' cerca de 20 milhões de pessoas no mundo.
A Primeira Guerra Mundial foi muito cruel para os europeus, mas beneficiou os paulistanos, que além dos negócios ligados ao café, detinham, aproximadamente, 40% da produção industrial do país. Porém sua plácida medicina não estava preparada para enfrentar essa gripe, em parte pelo desconhecimento de seus efeitos e dificuldade de diagnóstico.
À medida que a epidemia se prolongava, os remédios se multiplicavam, tendo sido usadas 178 drogas diferentes (Bertolli Filho, 1989.
Enquanto durou a gripe em São Paulo a câmara municipal não funcionou, porque os "representantes do povo" aos primeiros rumores de morte, fugiram todos da cidade, deixando uma autorização ao prefeito Washington Luiz para agir como melhor lhe parecesse, no tocante ao socorro público.
O chefe do Seviço Sanitário, Arthur Neiva, declarou a incapacidade do serviço em atender os paulistanos, pedindo humildemente a todas as pessoas e instituições capacitadas que socorressem a cidade. Poucos dias depois tanto Neiva como Washington Luis afastaram-se de seus postos por contrírem a 'espanhola'.
A sociedade civil se organizou, tratando dos doentes e enterrando os mortos. Em poucos dias foram disponibilizados 9.336 leitos em 8 hospitais permanentes e 31 hospitais provisórios. Também entraram em funcionamento 44 postos de socorro, que distribuíam gratuitamente consultas, remédios e alimentos. Porém era grande o medo.
Fugir para o interior já não adiantava, pois os paulistanos que fugiam levavam a gripe consigo. Então muitas pessoas se refugiavam em casa e, aos poucos, a população foi perdendo a familiaridade com a cidade. Clubes, bares, teatros e cassinos suspenderam as atividades. Há indícios de que o medo somado ao delírio da gripe levou várias pessoas ao suicídio entre os hospitalizados. Além disso, era constante a alusão ao 'chá da meia noite" que era adiminstrado aos doentes para que morressem.
O depoimento de uma senhora que tinha 13 anos quando a 'espanhola' esteve em São Paulo dá conta de que a cidade tornou-se um cemitério de tristeza. Parou tudo, escolas também. Uma pessoa tinha medo da outra. Quando os bondes passavam com as cortinas fechadas, já se sabia que estavam repletos de caixões para a "quarta parada" um cemitério onde se abriam valas enormes. Uma fábrica de aparelhos sanitários passou a fazer só caixões. Ao terminar a gripe todos estavam muito fracos e muitos haviam perdidos os cabelos.
Durante estes 66 dias, a morte tornou-se onipresente em São Paulo. Havia mortos nas casas, nas ruas, empilhados em caminhões e bondes. A caminho do cemitério via-se passar um cortejo incessante de caminhões. Cada um conduzia até 10 mortos, mas o acompanhamento de familiares era proibido.
No dia 11 de dezembro de 1918 era anunciado o término da primeira guerra mundial. No mesmo dia a influenza mostrava indícios de regressão e o número de mortos retrocedeu em relação ao anterior e no recorrer de dezembro a cidade foi pouco a pouco retomando seu ritmo, tendo resistido aos problemas de organização do sistema de saúde e à falta de orientações seguras, sem cair em completo caos.
Referências:
BERTOLLI FILHO, Cláudio. A gripe espanhola em São Paulo. Ciência Hoje v. 10, n. 58, p. 30-41, outubro de 1989.
DELAUNAY, Jules Elie. A Peste em Roma -, Musée d'Orsay, Paris : 1869. Disponível em : http://www.fflch.usp.br/dh/heros/traductiones/tucidides/peste.html
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