A Revista Brasileira de Genética disponibilizou na íntegra meu artigo em parceria com Vera Lucia Silva Valente e Nena Basilio Morales “Chromosome characteristics of Drosophila angustibucca Duda”. Este artigo resultou do meu trabalho de Bacharelado, concluído em 1982, com orientação de Vera L.S. Valente. A versão em PDF disponibilizada na internet ficou com as imagens ruins. Assim resolvi escanear as fotos originais e disponibilizar em um álbum do Flickr para quem desejar vê-las o fazer download em maior aumento.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que em 2004 a Revista Brasileira de Entomologia publicou o artigo “Drosophila angustibucca Duda sensu Frota-Pessoa is na undescribed species (Diptera, Drosophilidae) de Carlos R. Vilela, Vera L. S. Valente e Luciano Basso da Silva que corrige a classificação destes espécimes estudados por mim, informando que os mesmos pertenciam a uma espécie sul-americana ainda não descrita, que vinha sendo incluída no subgrupo I do grupo tripunctata e identificada incorretamente nos últimos 50 anos como sendo a espécie costarriquenha Drosophila angustibucca.
Esta nova espécie foi batizada com Drosophila nappae, em homenagem a Marly Napp, pesquisadora do Departamento de Genética da UFRGS, que foi minha orientadora no Mestrado.
A figura acima apresenta os desenhos que utilizei para reconhecimento da espécie. Quando a coletei pela primeira vez, descrevi-a como “desconhecida esfumaçada” em função do aspecto “Fumê” de tonalidade marrom de suas asas , que é uma das suas características marcantes.
Verificou-se que havia 5 pares de bastonetes (cromossomos acrocêntricos) e um par de cromossomos ponto (dot chromosomes).
A comparação entre as placas metafásicas de machos e fêmeas da Drosophila nappae permitiu identificar que o maior dos bastonetes era o cromossomo X, que possui grande quantidade de heterocromatina centromérica.
Os cromossomos politênicos foram identificados e numerados considerando-se sua semelhança com os cromossomos de outras espécies do grupo Tripunctata, que já haviam sido descrito por Kastritsis (1966) e espécies do grupo Guarani descritos por Brncic e Salzano. A tabela abaixo exibe esta comparação, observe-se que já corrigi o nome da espécie para D. nappae.
Ao analisara tabela acima, é interessante destacar que, embora a D. nappae pertença ao subgrupo I do grupo Tripunctata e a espécie D. guaramunu ao grupo Guarani, seus cromossomos X, 2, 4 e 5 apresentaram grande homologia. Tal homologia cromossômica apoia a hipótese de Frota-Pessoa (1954), que sugeriu ser este sub-grupo I intimamente relacionado com a forma ancestral que originou os dois subgrupos do grupo Guarani.
Assim os cromossomos politênicos da D. nappae foram divididos em 100 seções de tamanhos semelhantes de acordo com a presença de pufes, bandas e constrições diagnósticas. A numeração é contínua desde a base do cromossomo X até a ponta do cromossomo 5, terminando numa única e última banda no cromossomo 6 (ponto). A correspondência entre os cromossomos metafásicos e politênicas só pode ser determinada para o X e 6.
A figura abaixo mostra o cromossomo X que aparecia, normalmente, ligado ao cromocentro, enquanto os demais apareciam livres, indicando a presença de uma maior porção heterocromática basal. Ele era visivelmente menos compacto nas glândulas salivares das larvas de machos, reforçando sua identificação. Suas características diagnósticas são a base alargada, uma zona muito frágil envolvendo as seções de 3 a 5 e a ponta em forma de leque aberto.
O cromossomo 2 (abaixo) foi dividido em 21 seções, sendo facilmente reconhecido pela base pufada, mais dois pufes bastante característicos nas seções 18 e 20.
O cromossomo 3 apresenta muitos pufes e constrições. Ele foi o mais difícil de analisar porque na maioria das preparações ele aparecia bastante espichado, indicando maior fragilidade que os demais. Como características marcantes ele apresenta a base e a ponta em forma de espátula, cinco pufes adjacentes nas regiões 56 a 60 e um pequeno pufe, precedido por uma região estreita e muito corada na seção 40 (abaixo).
O cromossomo 4 pode ser diagnosticado pela região basal com bandas escuras condensadas e um pequeno pufe seguido por uma banda bastante corada, como podem ser vistos nas seções 61 e 62 da figura abaixo.
O cromossomo 5 é facilmente identificado pela base em forma de um pequeno bulbo com uma banda terminal bastante escura e por pufes delimitados por bandas bastante escuras nas seções 83 e 98. Além disso, sua ponta tem a forma de um leque estreito.
O cromossomo 6 é muito pequeno, ficando muitas vezes envolvido pelo cromocentro, tornando-se indistinguível na maioria das lâminas examinadas. Ele possui uma única banda (figura ao lado).
Inversões cromossômicas observadas
As inversões foram identificadas e descritas, sem a quantificação da frequência, uma vez que as amostras foram insuficientes para sofrer tratamento estatístico adequado.
Foram observadas inversões nos cromossomos X, 4 e 5.
Cada inversão foi identificada por uma letra.
No cromossomo X (abaixo) foram detectadas três inversões que apareciam simultaneamente: inversão A contendo as seções 4 a 7 e pontos de quebra em 3 e 8; B contendo as seções 8 a 11 e pontos de quebra em 7 e 11; C contendo metade da seção 13 e as seções 14 a 15 e pontos de quebra em 13 e 15.
A figura abaixo do cromossomo 4 mostra apenas uma inversão pequena – D, envolvendo as seções 69 a 71 com pontos de quebra em 68 e 71.
No cromossomo 5 também foram observadas três inversões, duas das quais bastante grandes. Inversão E que envolve 13 seções (82 a 94) com pontos de quebra em 81 e 94; F com 17 seções da metade da 82 ao fim da 98 e a inversão G que compreende as seções 94 a 98, com pontos de quebra em 93 e 98. As inversões F e G apareceram várias vezes no mesmo cromossomo como pode ser observado abaixo.
Mesmo não tendo sido feita uma análise quantitativa observou-se com maior frequência as inversões D (do cromossomo 4) e E (do cromossomo 5), muitas vezes no mesmo indivíduo.
Cabe ressaltar que a participação da tecnologista Nena B. Morales no preparo das lâminas de cromossomos politênicos da D. nappae foi decisiva uma vez que não estávamos conseguindo preparar lâminas com as técnicas utilizadas até então no laboratório do Departamento de Genética da UFRGS, pois os cromossomos ficavam muito distendidos. Já estávamos desistindo de estudá-la quando Nena resolveu experimentar uma adaptação da técnica descrita por Kastritsis (1966) para preparo de placas metafásicas.
Técnica I: 1- dissecação em solução fisiológica Beadle-Ephrussi modificada; 2- fixação por 5 minutos com 3% de orceína em solução de 70% ácido acético e 30% de Etanol; 3- coloração por 3 minutos em solução de orceína a 2% em 1:1 de ácido acético-lático e montagem com esmagamento suave.
Após obtermos as primeiras lâminas boas fizemos novos ajustes chegando a Técnica II: 1- dissecação em solução fisiológica Beadle-Ephrussi (modificada); 2- coloração e fixação por 20 minutos em 2% de orceína em solução de 65% ácido acético; 3- esmagamento suave em solução 1:1 de ácido acético 60% e ácido lático 100%. Esta técnica 2 mostrou melhores resultados, tornando os cromossomos mais resistentes ao esmagamento.
Referências:
FRANCK, G. ; VALENTE, V. L.S. ; MORALES, N. Chromosome characteristics of Drosophila angustibucca, Duda. Revista Brasileira de Genética. São Bernardo do Campo, v. 7, n. 2, p.241-153, 1984, disponível em http://web2.sbg.org.br/gmb/edicoesanteriores/v07n2/pdf/a04v07n2.pdf
FROTA-PESSOA, O. Revision of de tripunctata group of Drosophila with description of fifteen new species (Drosophilidae, Diptera). Arquivos do Museu Paranaense, X: 253-304, 1954.
KASTRITSIS, C.D. Cytological studies on some species of the tripunctata group of Drosophila. Studies in Genetics III. Univ. Texas Publ. 6615: 413-474, 1966.
VILELA, C. R. ; VALENTE, V. L. S. ; BASSO-DA-SILVA, L. Drosophila angustibucca Duda sensu Frota-Pessoa is an undescribed species (Diptera, Drosophilidae). Rev. Bras. entomol. vol.48 no.2 São Paulo Jun. 2004, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0085-56262004000200012&script=sci_arttext
YOON, J.S. ; RESCH, K. ; WHEELER, M.R. Intergeneric chromosomal homology in the family Drosophilidae. Genetics, 71 : 477-480, 1972.
Notas:
1-Cromossomos politênicos: são cromossomos gigantes formados por um grande número de filamentos (cromatina) paralelos, daí o nome de politênicos (polis= muito; tainia= fio, fita). Na formação dos cromossomos politênicos, inicialmente os cromossomos homólogos pareiam longitudinalmente e, em seguida, duplicam-se repetidamente, permanecendo unidos (apesar de haver a duplicação repetida das cromátides, não há divisão celular). O resultado final é a produção de células gigantes cujo núcleo apresenta o número haploide de cromossomos, duplicados muitas vezes.
2- Solução fisiológica Beadle-Ephrussi (modificada): 7,5 g de NaCl + 0,35 g de KCl + 0,21g de CaCl2 + 1 L de H2O.
3- Imagens em maior tamanho para download podem ser obtidas no Álbum Grupo Tripunctata.
Que bom, Gladis, que te preocupaste em divulgar o trabalho, chamando atenção para o novo nome da espécie. Fico feliz com o teu interesse pelas drosófilas, mesmo depois de tanto tempo!
ResponderExcluirAbração
Vera