
No dia da graça de 03/10/2009 participei pela quinta vez de uma audição anual de piano. Esta audição já está na sua vigésima terceira edição e é organizada pelas Escolas de Piano das professoras Iraida, Regina eLeila, que são filiadas ao Instituto Verdi de Porto Alegre.
Quando eu estava indo para o Clube Aliança em Bento Gonçalves (RS), me dei conta que tocar piano para um público de aproximadamente trezentas pessoas me deixa mais adrenada do que decolar de parapente (se bem que em 2009 só voei de montanha um dia em maio) o que é um contra-senso, pois sentar-se ao piano não coloca a pele de ninguém em risco.
Porém, há algumas razões para isso primeiro que voar é um ato totalmente eletivo e se as condições não me parecerem boas, simplesmente não decolo. Já a audição é diferente porque uma vez assumido este compromisso é um comprometimento e não se pode simplesmente virar as costas: é preciso estudar a peça, ensaiar, arrumar-se e chegar meia hora antes para fazer as fotos.
Depois só nos resta sentar e aguardar que o apresentador(1) nos anuncie, levantar corajosamente caminhar até o palco, subir os três degraus e encarar um piano que não é dos melhores, pois tem as teclas curtas e não nos deixa ouvir muito bem, embora transmita o som para o público. Assim, enquanto tocamos ouvimos mais os sons da platéia do que da música.
Enquanto tocamos, nossa imagem é projetada num telão a partir de duas câmeras uma fixa e outra que fica na mão de uma pessoa que se movimenta junto ao piano dividindo espaço com um fotógrafo que também não fica parado.
Desse modo, nenhum tremor, nenhuma expressão de desagrado ou de tensão passam despercebidos de quem estiver atento, ficamos, de certa forma, desnudos diante de 300 pessoas.
Além disso, vivi uma experiência de travamento durante minha terceira audição (a mesma da foto acima) quando travei no meio de uma valsa de Brahms (op.39) e não consegui concluir a música. Depois a peça a quatro mãos com o Isaías salvou minha noite, mas deixou marcas para o ano seguinte, quando toquei uma peça bem simples e fiquei muito feliz por ter conseguido terminar, mesmo que de forma um tanto trôpega.
Por que então continuar indo? Essa é uma pergunta que me faço, mas a resposta é a mesma que me faz aceitar novamente a cada ano esse compromisso: queremos mostrar que os adultos podem dar-se o direito de aprender algo novo e serem falíveis e frágeis como qualquer iniciante.
Especialmente queremos mostrar que não se pode abrir mão da arte, pois segundo Friedrich Nietzsche(2), através da arte se aprende a intensidade e a multiformidade da alegria de viver, em suas palavras : “Antes de tudo ela (a arte) ensinou, através dos milênios, a olhar com interesse e prazer para a vida em todas as suas formas e a levar nossa sensação tão longe que finalmente exclamamos: seja como fora a vida ela é boa! Esse ensinamento da arte, que consiste em encontrar prazer na existência e considerar a vida humana como quem considera um pedaço de natureza, sem se empolgar demais, vendo-a como um objeto de um desenvolvimento conforme leis – esse ensinamento se arraiga em nós e retorna a luz como necessidade onipotente de conhecimento”.
O que aconteceu na minha quinta audição?
Ontem, voltei a tocar uma peça mais complexa (“Quem sabe?” de Carlos Gomes). A novidade é que além te não ter travado toquei razoavelmente bem para uma aluna de segundo ano. Depois dessa peça tocamos a quatro mãos a Barcarola de Offenbach e pude voltar ao meu assento para assistir aos colegas mais adiantados.
Confesso que me vi mergulhada numa espécie de torpor sem ter muita certeza do que tinha conseguido fazer. Após a apresentação, os cumprimentos alegres da minha professora (Regina) me confirmaram que esta vez foi a melhor de todas e que um novo estágio foi alcançado, pois as palavras foram estas: “A partir de agora vais enfrentar qualquer coisa!” Será? Quem sabe... Em 2010 tem mais...
Para relembrar...

A foto acima é da minha primeira apresentação numa audição de piano, onde atuei como bailarina. Eu devia ter uns 14 anos e se a Regina estava presente devia ser uma das crianças sentadas atrás, dancei uma gavota e, nessa época, nunca poderia imaginar que um dia subiria ao palco para tocar! A Freira que aparece ao fundo, era a mestra dos pianistas. Foi ela que deu início a estas audições, no mesmo local e com o mesmo piano que usamos atualmente. Quando ficou muito velhinha a Irmã se aposentou e foi para um retiro de sua Ordem Religiosa, por um tempo cessaram as audições até que Regina A Mota procurasse suas colegas e as reiniciasse há 23 anos atrás...
Notas:
(1) Nosso apresentador é um rapaz que também sabe tocar piano, mas que por motivos de trabalho não tem se apresentado nas audições, o que é uma pena.
(2)Referência: NIETZSCHE, Friedrich. [1878] Humano, demasiado humano. Os pensadores, 3 ed. São Paulo : Abril Cultural e Industrial, 1983.
Muito motivador seu artigo, principalmente para quem quer aprender PIANO na idade adulta!
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