02 setembro, 2009

Os compostos de Alta Energia.

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Representação teórica de partícula de alta energia.
Os processos físicos irreversíveis e fora do equilíbrio são observados em muitas situações na natureza. A vida é um exemplo disso. Os seres vivos nascem e se desenvolvem a custa do consumo de energia (através da alimentação) e do aumento da entropia (a partir da troca de calor entre o corpo e o ambiente externo). Basta lembrar que nossos corpos estão tipicamente na temperatura de 36º C enquanto o ambiente normalmente está a 25º C. Essa diferença de temperatura é fundamental: se ela não existisse, não haveria como o nosso organismo funcionar.(OLIVEIRA, 2009)

A vida é uma sucessão de processos irreversíveis, por isso ‘anda’ num só sentido e requer contínuos aportes de energia.

As reações químicas iniciais de incremento de energia se dão nos processos de ELABORAÇÃO das moléculas orgânicas, realizados pelos PRODUTORES (fotossíntese, quimiolitossíntese). A partir da sua produção, estas moléculas passam a fazer parte dos processos metabólicos (anabolismo e catabolismo), havendo uma tendência a favor das reações com entropia crescente.

A oxidação completa da glicose libera altas quantidades de energia, ou seja, ela é muito EXERGÔNICA, a do palmitato é ainda mais exergônica, veja abaixo:

Se essa grande quantidade de energia fosse liberada de uma vez, causaria estragos na célula e seria perdida para o ambiente. Assim como um aparelho elétrico quando recebe uma voltagem e corrente elétricas muito grandes, queima e o excesso de energia é perdido para o ambiente.

Para resolver esse problema o metabolismo oxidativo ocorre em etapas, de modo que a energia livre pode ser recuperada de forma gerenciável a cada reação exergônica.

A conservação de energia se dá pela síntese de compostos intermediários de alta energia como o ATP:
1ª ligação FOSFODIESTER
2ª e 3ª ligação FOSFOANIDRIDO

Quando um grupo fosfato é transferido para outro composto e as ligações fosfoanidrido são quebradas é liberada energia.

As transferências ocorrem no sentido de moléculas menos energéticas ("morro abaixo"). Quanto mais negativo o valor de energia livre de hidrólise (delta G), mais espontaneamente essa molécula CEDE fosfatos e mais dificilmente recebe fosfatos, ou seja, os valores negativos da energia livre de hidrólise são chamados de POTENCIAL DE TRANSFERÊNCIA DE GRUPOS FOSFATOS.

Quanto mais negativo o valor da variação da energia livre, maior a capacidade desse composto transferir grupos fosfato espontaneamente.


Compare os valores de energia livre de hidrólise do ATP, fosfocreatina e Glicerol 3-fosfato acima. A partir destes dados sabe-se que o ATP recebe espontaneamente grupos fosfato da fosfocreatina e cede espontaneamente seus grupos fosfatos para o Glicerol 3-fosfato, pois nesse sentido as reações são exergônicas com aumento da ENTROPIA.

As reações inversas são endergônicas e precisam ser mediadas por “TRABALHO” enzimático. Nesse caso, há necessidade de associar reações de biossíntese (anabolismo) com reações de degradação (catabolismo) para transferir energia. Um caso em que isso não se verifica é a fase iluminada da fotossíntese, onde a energia é obtida diretamente da LUZ.

Para melhor compreensão pensemos num botijão de gás. Ele tem maior energia e menor entropia que o ambiente, uma vez que o GLP está no estado líquido, assim, pode liberar espontaneamente seu conteúdo para o meio externo, onde há maior entropia. No caso oposto, para a colocação do gás dentro de um botijão é necessário realizar um trabalho e consumir energia, porém o gás que foi liberado para o ambiente não poderá mais ser recuperado porque atinge altíssimos níveis de entropia. Desse modo, o enchimento do botijão também dependerá da disponibilidade de reservas de gás natural ou da sua produção no beneficiamento do petróleo.

O que é uma ligação de alta energia?

Uma ligação cuja hidrólise é acompanhada de valores de energia livre altamente negativos, ou seja, maiores do que -25 kj.mol-1 é denominada LIGAÇÃO DE ALTA ENERGIA ou LIGAÇÃO RICA EM ENERGIA, simbolizada pelo til (~). Assim o ATP pode ser representado como:

AR-P~P~P
Onde: A é adenosina, R de ribose e P de fosfato. A ligação fosfodiéster é representada pelo traço (-) e as ligações fosfoanidrido pelo til (~).

Observação: os valores padrão da variação da energia livre de hidrólise, obtidos em laboratório, nunca ocorrem nos organismos vivos, mas como é muito difícil calcular as concentrações de uma substância química dentro de uma célula, esses valores para as reações in vivo são meras estimativas.

Porém, sabe-se que alguns elementos em altas concentrações alteram a variação da energia livre, por exemplo, altas concentrações de dos íons Mg²+ neutralizam as cargas negativas dos grupos fosfatos fazendo com que a hidrólise do ATP seja menos exergônica, ou seja, libere menos energia!

Alterações no pH também alteram as energias livres, assim sendo, algumas reações deixam de ocorrer em certos valores de pH, dessa forma, os microambientes das organelas celulares, os quais apresentam valores de pH diferentes do citoplasma celular, permitem que algumas reações ocorram apenas no seu interior. Outro exemplo prático é a ação das enzimas digestivas do pâncreas que necessitam de pH ácido para reagirem com seus substratos.

REAÇÕES ACOPLADAS: As reações exergônicas podem ocorrer acopladas às endergônicas para permitir que ocorram até se completarem. Nesse sentido, uma reação altamente EXERGÔNICA ‘força’ ou ‘impulsiona’ uma reação ENDERGÔNICA e as duas são consideradas acopladas se houver um INTERMEDIÁRIO comum. Veja o exemplo abaixo onde o intermediário comum é D.Hidrólise do ATP: No ATP as ligações fosfoanidras são estáveis, por isso a sua hidrólise ocorre espontaneamente de forma lenta, mas, na presença de enzimas apropriadas, ocorre rapidamente liberando grande quantidade de energia livre. Ou seja, num sistema vivo, uma reação termodinamicamente favorável pode não ocorrer na ausência de uma enzima específica que atue como catalisador.

O ATP é continuamente hidrolisado e regenerado! As células não conseguem armazenar ‘estoques’ do ATP, por isso necessitam de contínuos aportes de O2.

Tipos de clivagem:



1- A maioria das reações com o ATP produzem ADP + Pi (clivagem de ortofosfato).

2- Porém em algumas reações o ATP é quebrado em AMP + PPi (clivagem de pirofosfato), consumindo duas ligações de alta energia. Logo que é liberado o PPi é hidrolisado por uma pirofosfatase (essa reação é altamente exergônica).

São exemplos de clivagem de pirofosfato a ligação dos tRNA aos aminoácidos e a biossíntese de ácidos nucléicos a partir dos nucleosídeos trifosfatos (ATP, GTP, UTP, CTP, TTP).

OUTROS COMPOSTOS FOSFORILADOS
O fluxo de energia entre os compostos fosfatados ocorre de cima para baixo, ou seja, o ATP recebe P dos compostos de ‘alta energia’ e transfere para os de ‘baixa energia’. Estas reações de transferência são catalisadas por enzimas conhecidas como CINASES (pronuncia-se: kinases).

Curiosidades:

1- A fosfocreatina fornece uma reserva de alta energia para formação de ATP.
As células musculares e nervosas, que possuem uma elevada reciclagem de ATP, dependem de fosfoguanidinas para regenerarem o ATP rapidamente. Nos vertebrados, a fosfocreatina é sintetizada pela fosforilação reversível da creatina pelo ATP, mediada pela creatina-cinase.

Dessa maneira, quando a célula está em repouso e a concentração de ATP é relativamente alta e se forma fosfocreatina, mas quando a atividade metabólica da célula cresce a fosfocreatina é hidrolisada para formação de ATP. Assim, a fosfocreatina funciona como um tampão de ATP nas células que possuem creatina-cinase. Em alguns invertebrados, como as lagostas, a fosfoarginina exerce a mesma função.

Na prática em que isso redunda?
Os músculos conseguem “armazenar” e disponibilizar energia para mudanças rápidas nas taxas de metabolismo, ou seja, uma célula muscular consegue passar de um estado de baixa para outro de muito alta atividade rapidamente, até que outros mecanismos entrem em ação para suprir as necessidades de ATP. Logicamente este processo tem seus limites e exames de níveis de creatina são usados para medir predisposições a ataques cardíacos.

2- Todos os nucleotídeos-trifosfatos (ATP, GTP, CTP, UTP, CTP, TTP) são formados a partir do ATP + o respectivo NDP (nucleotídeo-difosfato), em reações catalisada pela enzima NUCLEOTÍDEO-DIFOSFATO-CINASE, nas reações gerais:
3- A interconversão entre as forma ATP, ADP e AMP é mediada pela ADENILATO-CINASE. Assim, quando há acúmulo de AMP ele é convertido em ADP, que pode ser usado para síntese de ATP.

4- Como surgiu a vida num mundo abiótico onde o Fosfato era escasso? Sugere-se que nos primórdios da vida outros compostos tenham sido utilizados. Um dos candidatos a composto de alta energia primordial é os TIOÉSTERES (compostos com S), pois estão presentes nas vias metabólicas centrais de todos os organismos vivos conhecidos. Outro indício é o fato dos tioésteres estarem envolvido na produção de ATP em reações independentes da fosforilação oxidativa, indicando que provavelmente apareceram antes na evolução.
Exemplos de tioésteres são: Acetil-coenzima A (acetil-CoA) e a Succinil-CoA.

Referências:

OLIVEIRA, Adilson A. J. Overdose de informação. Blog: Por dentro da Ciência, disponível em http://pordentrodaciencia.blogspot.com/2009/08/overdose-de-informacao.html
VOET, D. ; VOET, J. ; PRATT, J.W. Fundamentos de Bioquímica. Porto Alegre, ARTMED, 2000.

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