02 agosto, 2009

A Filtragem do Mundo e a Pesquisa Empírica.

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Todo pesquisador deve refletir sobre o quanto ele está percebendo dos fatos e com quanto ele está “contribuindo” para os dados. Em algumas áreas da ciência o efeito da filtragem do mundo é maior do que em outras, especialmente quando pesquisamos sobre nós mesmos, como é o exemplo da Antropologia.

Segundo minha tese de Filtragem do Mundo, o conteúdo ou detalhes das reações aos estímulos significativos ou atos consumatórios dependem, em cada momento, das interações que somos capazes de estabelecer com o meio.

O instinto é uma estrutura fenotípica, que, como todas as outras, resultou de uma interação indissociável entre o meio e a informação hereditária. Segundo Piaget1, no campo da inteligência, o exercício e a própria construção dos esquemas supõem uma interação contínua entre o sujeito e os objetos.

Nessa linha de raciocínio, em 1993, Nestor Garcia Canclini2 questionou, enfaticamente, em que medida as culturas diferentes da de um observador podem ser apreendidas como realidades independentes e em que grau são construídas por aquele que investiga? Segundo ele, esta questão complicou-se desde a metade deste século, quando as sociedades coloniais, que tradicionalmente eram objetos de pesquisa dos antropólogos, mudaram de status, e seu desenvolvimento as aproximou ‘das metrópoles’. Além disso, a problemática tornou-se mais radical quando se passou a questionar, epistemologicamente, as condições em que se produz o saber antropológico, bem como o seu modo de transmissão.

Para Canclini, o que um antropólogo declara ter encontrado no campo está condicionado pelo que se disse a respeito do lugar, pelas relações que ele estabelece com o grupo em estudo e seus diferentes setores. Num segundo momento, esse conhecimento será condicionado também pelo que esse pesquisador deseja demonstrar, sobre este grupo e sobre si mesmo, à comunidade acadêmica para qual escreve, por sua posição no terreno da Antropologia e pelo manejo mais ou menos hábil das táticas discursivas com que pode obter tudo isso.

Num mesmo contexto, em 1995, Luís Roberto Cardoso Oliveira3 destacou que o ensino de Filosofia tem grande importância para formação do antropólogo para iluminar adequadamente o objeto de pesquisa. Porque, através da Filosofia, as noções e pressuposições culturais, que o antropólogo leva para o campo, bem como os próprios conceitos antropológicos que orientam suas indagações, podem ser recontextualizados no seio das práticas e representações da sociedade em estudo.

Segundo Oliveira, a principal característica do fazer antropológico é a indissociabilidade entre pesquisa empírica e a reflexão. Pode-se dizer que o exercício filosófico nunca deixará de se constituir num pensar, ou questionar, sobre o pensamento. Seja este apreendido através da linguagem, das representações, das visões de mundo, ou de alguma forma de discurso sobre a experiência ou a existência humana. Assim, uma contribuição central da filosofia para o fazer antropológico é a necessidade de se considerar a internalidade do pensamento, das representações, das visões de mundo, dos jogos de linguagem e das formas de vida.

Na minha perspectiva, as pessoas como as conhecemos são o produto de processos assimiladores resultantes das interações entre sua herança biológica com seu Umwelt, somados à própria ação dos sujeitos sobre o meio e sobre eles mesmos. As assimilações dos sujeitos são mediadas por filtros, os quais não são herdados mas construídos ativamente ao longo do desenvolvimento cognitivo. E todo olhar lançado sobre o ser humano deve estar ciente da complexidade destas relações e das suas próprias características de olhar.

Notas:
1- PIAGET, Jean. [1967] Biologia e conhecimento. 1ed. Porto : Rés ed, 1978
2- CANCLINI, Nestor Garcia. Antropólogos sob a lupa: ou como falar das tribos quando as tribos são eles mesmos. Ciência Hoje São Paulo, v. 15, n. 90, p. 26-32, 1993.
3-OLIVEIRA, Luís Roberto Cardoso. Quando fazer é refletir: sobre a importância do ensino de filosofia na formação do antropólogo. Ciência Hoje São Paulo, v. 19, n. 113, p. 46 - 49, 1995.
Fonte das Ilustrações: Blog da Companhia de Aprendizagem e PICICA – blog do Rogelio Casado

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