29 maio, 2009

Mecanismos de Controle Social no Brasil: uma esperança no inferno da corrupção?


A crescente exigência de transparência reflete o anseio de controle da Sociedade Civil sobre o Estado. Postulou-se no capítulo anterior que no Brasil não houve a implantação do Estado nem por decorrência do naturalismo social aristotélico, tampouco por força do contrato hobbesiano. Até hoje se debate a urgência do estabelecimento de um “Pacto Social”, que nada mais é do que o contrato hobbesiano que nunca foi pactuado, pois:
enquanto em sociedades homogêneas, como a dos países desenvolvidos, um contrato social hobbesiano é suficiente, em sociedades subdesenvolvidas e dualistas é necessário adicionalmente um pacto político desenvolvimentista (BRESSER-PEREIRA, 1995, p.2).
Mas, excluindo a tomada do poder pela via revolucionária, a forma de ruptura da ilegitimidade para a realização do Estado como instância universalizante é a cobrança constante sobre o agir político através das instituições da sociedade organizada e, a partir de 1988 foram regulamentados os dispositivos de pressão ética. Doravante, a soberania do Estado perdeu o caráter de inviolabilidade, porque os agentes públicos passaram a ter a obrigação legal de prestar contas dos seus atos. Com a mudança de paradigma, houve a promulgação da lei de responsabilidade fiscal que colocou freio na uniteralidade das decisões políticas.


A dialética que até fins do século XX foi mantenedora de alguns arcabouços quinhentistas, recebeu um novo impulso contraditório potencializador da descristalização das figuras subsumidas do Príncipe e da aristocracia. O caminho possível para o estabelecimento de um pacto que supere o impasse referido por Bresser-Pereira é através do acordamento social baseado na reforma ética. Um caminho não sangrento para implantar no mecanismo dialético o movimento para dentro do inconsciente coletivo, que refute princípios remanescentes do antigo império colonialista português.

O caminho para as mudanças no Estado ético pode ter sido deflagrado na histórica reviravolta ocorrida na constituição de 1988, onde o cidadão, e não mais o Estado, se tornou o eixo principal, num resgate das etapas queimadas de singularização e particularização, ocorrida no início do processo colonizador:
A Constituição Federal de 1988 fez história ao eleger o cidadão como objetivo principal, promovendo a integração dos direitos sociais e coletivos em seu texto e o reconhecimento concreto da cidadania, da dignidade da pessoa humana e fornecendo meios para que qualquer pessoa lute contra a injustiça em todas as suas formas e nuances. (DROPA, 2007, p.1)

A definição do conceito de “controle social”, ou “accountability”, “palavra sem tradução que está relacionada aos mecanismos que obrigam gestores a prestar contas de seus atos - base para garantir a confiança em nossas instituições”. (STORCH, 2007, p.1) Para uma melhor aproximação à função requerida, a seguinte definição é corroboradora do revigoramento dialético:
Falar em accountability é falar num atributo ou qualidade do Estado, isto é, o poder público deve estar sujeito a estruturas formais e institucionalizadas de constrangimento de suas ações à frente da gestão pública, assim ele se vê obrigado a prestar contas e a tornar transparente sua administração, publicizando suas ações e iniciativas de políticas públicas, bem como seus gastos orçamentários. Por outro lado, o controle social é um atributo ou qualidade da própria sociedade civil, que deve ser municiada e habilitada para acionar os mecanismos de interpelação junto à gestão pública, de modo que os cidadãos possam impedir que seus interesses sejam contrariados. Para tanto, é necessário não só estabelecer princípios legais e instituições que funcionem como instrumento de coerção do poder público, mas também que haja uma sociedade realmente capaz de controlar o poder público. (FERREIRA, 2007a, p.1)

Constituem os mecanismos de controle social os conselhos, ONG’s, organizações da sociedade civil, imprensa, tribunais de conta, defensoria pública, sindicatos, e muitos outros que cumprem a função de demandar sobre o Estado as suas funções primeiras de prestador de serviços à sociedade.

Diante da novidade da sua implantação e a sua falta de maturidade, a atuação desses controles ainda é desviada excessivamente para as questões morais, em detrimento do questionamento do sistema ético como um todo.

A imprensa, permanentemente pautada pelos escândalos políticos, permanece no curto prazo das denúncias sobre a atuação subjetiva dos altos escalões da república, omitindo-se do debate de longo prazo, da crítica paradigmática. O mote recorrente deste estudo volta à baila: a falta de discernimento entre ética e moral, os princípios éticos subsumidos e a ênfase excessiva na subjetividade moral, tem robustecido o forte Estado ético dialeticamente instalado. Além de se prestar como mais um elo mantenedor do status quo, as críticas morais têm incrementado a despolitização da população, ao provocar desinteresse, repulsa e frustração, não obstante que tais assuntos interferirem diretamente no seu modus vivendi.

À luz da especulação aristotélica postulante do homem como animal naturalmente social e político, a rejeição à política é um ato político por excelência, porém um “mau” ato, porque reforçador dos pressupostos profundamente submersos no inconsciente coletivo, tematizados ao longo deste texto. O resultado das intensas campanhas enxovalhadoras da política ecoadas na mídia amplificam as desconfianças históricas que o brasileiro tem em relação ao Estado, levando à não realização plena da universalização, que implica na sensação de não pertencimento a uma nação.

Apesar das ressalvas, os mecanismos de controle social constituem a melhor forma para reformar a mediação unívoca entre Estado e Sociedade Civil, do ponto de vista sociológico. Por outro lado, filosoficamente eles representam uma forma de superação da aporia ética, que tem sido responsável tanto pelo acabamento da grande filosofia, como no caso brasileiro, pela deformação conceitual observável na massa crítica da sua inteligentzia.

9º Capitulo: "Tensionamentos Filosóficos sobre Distinções entre Ética e Moral na Política Brasileira."
Autor: Isaias Malta da Cunha
Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Ética e filosofia Política
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Köche
Bento Gonçalves, agosto de 2007.

5 comentários:

  1. Anônimo23/6/09

    O Dualismo a que se refere trata da imensa desigualdade social? Ou do abismo entre o Estado e a sociadade civil, mantido desde a colonização? E é por isso (dualismo) que não há chances de (diferentemente do que ocorre com países desenvolvidos) chegarmos a um Pacto social desenvolvimentista?

    Para mim, o mais bacana da resposabilidade fiscal, que além de ser responsável pela manutenção da ética e da transparência pelo Estado e sociedade, é exatamente o fato dessa sociedade ter recebido a responsabilidade pelo controle do Estado, dado pelo próprio Estado em 88. Isso é bizarro... Não tenho dúvida da importância, mas, generalizando um pouquinho, lá se vão os anos e não temos uma sociedade tão preaparada assim para controlar... E isso incorre em outras questões igualmente importantes das minhas leituras de cabeceira como Fome, Educação, Moradia (Celso Furtado)...

    Gostei de saber que você também está em Busca de Novo Modelo...

    Grande abraço Isaías,

    PS.: não terminei,

    ResponderExcluir
  2. O problema do Estado brasileiro é que a Sociedade Civil não o assume como seu, ou ainda não. Enquanto isto, cada cidadão, ao invés de se sentir protegido pelo Estado, vê-se defraudado por ele. Isto é coisa diferente do que constatei na Europa, onde cada cidadão se sente cúmplice e agente do estado.

    ResponderExcluir
  3. É maravilhoso, li e reli. Porém tenho que a ler muito mais vezes e reflectir. Deu-me um prazer indescritível. Penso que vislumbrei “ Lógica – Aristóteles “ mas não posso afirmar.

    ResponderExcluir
  4. Não me tinha apercebido da existência deste blog.
    É um viveiro de ensinamentos. Profª. Drª. Gladis, vou segui-la com toda a atenção.
    Bem haja

    ResponderExcluir
  5. Mario,
    eu a a Profª. Drª Gladis formamos um belo casal que se complementa epistemologicamente, porém sem se confundirem. Portanto, para abarcar a especificidade das nossas atuações, houvemos por bem repartirmos a nossa produção por dois Blogs, sendo que nos dois há áreas intersecionais comuns a ambos.

    ResponderExcluir

Related Posts with Thumbnails