05 fevereiro, 2009

Símbolo: O Fio de Ariadne para Interpretar a Natureza Humana.

por

Teólogos, cientistas, políticos, sociólogos, biólogos, psicólogos, etnólogos e economistas buscam decifrar a natureza humana a partir de seu próprio ponto de vista. Estes múltiplos olhares produzem uma massa de dados desconexos e desintegrados, que parecem carecer de toda unidade conceitual. Cassirer[1] propõe o símbolo como chave ou fio de Ariadne, capaz de conduzir para fora desse labirinto teórico de interpretação.

Ariadne
O símbolo pode ser conceituado como um objeto que significa um terceiro, com significado restrito. Por exemplo, quando pegamos uma amostra de areia de uma determinada praia, ela passa a simbolizar este lugar, evocando as lembranças que trazemos dele. Porém este significado permanece restrito à nossa experiência pessoal. Para outra pessoa, que não compartilhou a mesma vivência, a amostra de areia não simbolizará a mesma amplitude de acontecimentos.

Este exemplo me ocorreu porque vi na casa de uma amiga, alguns tubos de ensaio contendo diferentes tipos de areia. Ao perguntar-lhe do que se tratava, respondeu-me que eram areias das praias em que esteve na Europa. Para ela, as amostras de areia evocavam imagens de uma experiência pessoal, que eu não tinha como compartilhar, todavia, no momento em que ouvi a palavra “praia” surgiram na minha tela mental imagens de praias que conheci.

De acordo com a terminologia dos linguistas, devemos reservar o termo ‘símbolo’ para os significantes ‘motivados’, os quais apresentam uma relação de semelhança com o significado, em contraste com os ‘signos’ que são ‘arbitrários’, ou seja, convencionais ou socialmente impostos [2].

Os signos designam conceitos com amplo significado e representam uma apreensão social. Por exemplo, a palavra “praia” é um signo que se relaciona com aspectos tão difundidos da cultura humana que é entendido quase que universalmente, fazendo-se presente em uma grande diversidade de idiomas. A apreensão de signos permitiu uma grande diversidade cultural e de pensamentos em diferentes povos, uma vez que estes signos são formas de codificação dos símbolos.

Aprender uma linguagem é estabelecer as relações entre os símbolos e os signos, pois signo e símbolo colocam-se em dois planos: o da abstração e o da cocretitude, mas são inseparáveis porque o símbolo, como imagem mental, atualiza-se através das vivências e o signo é oco, devendo ser preenchido por imagens para ter sentido [3]. Assim, quando escutamos uma palavra dita em outra língua a qual não conseguimos preencher com uma imagem mental não a compreenderemos e, para nós ela permanecerá oca, apenas sons articulados.

Santaella [4] analisa o signo como um mediador entre o homem e o mundo, por outro lado, o homem é um mediador entre um signo e outro. Isto é, o homem só conhece o mundo porque de alguma forma o representa. Daí que o signo seja uma coisa de cujo conhecimento depende o conhecimento de outra coisa, chamada mundo ou realidade ou seja lá o que for. Assim, para conhecer e se conhecer, o homem se faz signo e só interpreta estes signos traduzindo-os em outros signos. Em outras palavras, não se conhece aquele que não souber falar de si para outra pessoa. Por isso é comum na infância as crianças pequenas falarem sobre si mesmas em tom de perguntas. Por exemplo, meu sobrinho de 2anos e 5 meses, durante uma brincadeira afirmou “Eu sou homem”, em seguida perguntou “Eu sou homem, né mamãe?” (através dessa pergunta ele está construindo a noção de gênero e associando ao signo na língua portuguesa).

Como destaca Piaget, o sujeito epistêmico é um indivíduo descentrado, que estabelece trocas cognitivas interindividuais, sem as quais, o pensamento individual ficaria exposto a todas as deformações egocêntricas. Nas suas palavras, “o egocentrismo infantil é, essencialmente, um fenômeno de indiferenciação, de confusão do ponto de vista próprio com o de outrem” ou de associação das coisas e pessoas com a atividade própria do sujeito [2].

Como qualquer outra conduta cultural, a linguagem promove o intercâmbio entre o eu e o tu, que não são fatores dados ou fixos, fazendo com que se encontrem, entrelacem e complementem em pensamento, enriquecendo muito as possibilidades de troca e apreensão do mundo. Em consequência, nossa natureza tornou-se muito ampla e extremamente duvidosa para nós mesmos.

Segundo Cassirer [5], à medida que não apenas vivemos o mundo, mas damos a estas vivências uma expressão por meio da linguagem, vai crescendo também nossa capacidade de representação objetiva. Porém esta capacidade não chega a exercer nunca um domínio exclusivo no campo da linguagem, como revela o fato de toda expressão verbal ser metafórica.

Quando rompemos com os instintos através das aprendizagens, a regulação programada se dissipa na direção de novas regulações construídas. Neste contexto, Piaget considera a sociedade como a unidade suprema, uma vez que o indivíduo só chega às suas invenções ou construções intelectuais a partir de interações coletivas, cujo nível e valor dependem da sociedade em conjunto. Assim, o grande homem que parece lançar novas correntes é apenas um ponto de interseção ou de síntese de idéias elaboradas por cooperação mútua, mesmo quando se opõe à opinião reinante [6].

Algumas teorias antropológicas sugerem que as diferenças entre culturas humanas são devidas aos diversos efeitos das maneiras como, ao longo do tempo, as pessoas de cada uma delas se relacionam com o seu meio ambiente. Ou seja, os sistemas sociais de interpretação da realidade, rituais e cantos, danças e máscaras sempre, de alguma maneira, derivariam deste complicado processo de adaptação humana ao ambiente e, direta ou indiretamente, não seriam mais do que a tradução simbólica “disto”[7].

Porém, não se pode dar um peso muito determinante ao dado ambiental, pois povos de uma mesma vizinhança do Círculo Polar, bem como da Amazônia, por exemplo, desenvolveram técnicas de aproveitamento dos recursos naturais, formas de organização social, estilos de vida, símbolos e códigos culturais diferentes. Quando há uma pequena margem de flexibilidade e criatividade para a atividade humana, ela se faz presente e a diversidade das línguas, mitos e religiões entre os povos indígenas de um mesmo continente demonstra bem isto [7].

Desse modo, as teorias antropológicas atuais opõem à mera adaptação cultural, uma visão fundada na capacidade humana de criar e viver a cultura a partir de princípios propriamente simbólicos porque a própria natureza não se dá, não aparece para o homem como um “dado bruto” e exterior a ele, mas já como feixes e teias de significados. Para Brandão, os homens não reagem diretamente ao meio ambiente, mas à sua própria reação ao mundo natural, ao qual conferem sentidos e significados, através dos quais identificam quem são seus ancestrais e a ordem cósmica em que tudo isto se intercomunica [7].

Nesse contexto, o mundo humano difere do mundo das outras espécies vivas por esta mistura entre o dado bruto e sua apreensão individual. Por outro lado, é ingênuo presumir que exista uma realidade absoluta de coisas que seja a mesma para todos os seres vivos, pois a realidade é tão diversificada quanto há organismos diferentes.

Cada organismo tem um mundo só seu porque tem uma experiência só sua. Os fenômenos de uma dada espécie não são transferíveis para nenhuma outra. As experiências, portanto, as realidades ou Umwelt [8] de dois organismos diferentes são incomensuráveis. Isto pode ser estendido desde organismos como protozoários ou moscas até aves e mamíferos. A presença do sistema nervoso torna possível uma variedade imensa de acoplamentos, o que produz uma história natural também variada. No caso do ser humano a linguagem possibilita as trocas sociais, sem as quais não seríamos reconhecidamente humanos.

Cassirer [1], parte de conceitos do biólogo Johannes von Uexküll, para caracterizar o mundo humano. Segundo Uexküll, cada organismo está não apenas adaptado como também inteiramente ajustado ao seu ambiente, possuindo um sistema receptor e outro efetuador, intimamente entrelaçados e atuando em cooperação. No entanto, no ser humano surgiu uma característica nova entre o sistema receptor e o efetuador, um terceiro elo, que pode ser descrito como o sistema simbólico, que transforma e coloca o homem num universo simbólico, no qual o conjunto da cultura compõe os variados fios que tecem a rede ou o emaranhado da experiência humana.

Todo progresso humano em pensamento e experiência é refinado por esta rede simbólica e a fortalece. A realidade física do ser humano parece recuar ao avanço de sua atividade simbólica. A racionalidade, embora traço inerente a todas as atividades humanas, já não pode defini-lo apropriadamente, nem explicar o novo caminho que se lhe abriu: a civilização.

Seria o pensamento simbólico exclusivamente humano?

Alguns símios, como os chimpanzés conseguem expressar-se na linguagem de sinais, mas há diferenças marcantes entre a linguagem humana e a animal. O ser humano pode falar por simples prazer, ou seja, podemos usar a linguagem sem qualquer interesse prático ou imediato. Nenhum outro animal revelou um interesse pela comunicação em si, o ser humano é o único que demonstra deliciar-se por “jogar conversa fora”. Link1, Link2. Na comunicação humana são contadas histórias fictícias, criados poemas ou imagens que provocam emoções independentemente de estarem vinculadas ou não às necessidades, fatos ou eventos reais. De acordo com Cassirer [1], a diferença entre a linguagem proposicional e a linguagem emocional é a verdadeira fronteira entre o mundo humano e o mundo animal.

Na literatura sobre o tema, parece não haver uma única prova conclusiva de que algum animal tenha dado o passo decisivo que leva da linguagem subjetiva à objetiva, da afetiva à proposicional. A falta das imagens mentais constitui a causa que impede os animais de realizarem os mínimos rudimentos de desenvolvimento cultural.

Se entendermos por inteligência o simples ajuste ao ambiente imediato ou a modificação adaptativa deste, devemos atribuir aos animais uma inteligência, uma vez que são capazes de desvios em suas reações, podem aprender a utilizar implementos e em alguns casos até inventar instrumentos para seus propósitos. Porém, esta inteligência não pertence ao tipo especificamente humano, pois apenas o homem desenvolveu uma inteligência simbólica.

As experiências de Pavlov provaram que animais podem ser treinados a reagir a todo tipo de estímulos mediados ou representativos. Porém todos os fenômenos comumente descritos como reflexos condicionados não estão apenas muito afastados, mas são até opostos ao caráter essencial do pensamento humano. Desse modo, mesmo admitindo-se que os macacos antropóides, tenham feito um avanço significativo no desenvolvimento de certos processos simbólicos, devemos insistir que não chegaram ao limiar do mundo humano, entrando, por assim dizer, num beco sem saída.

Em síntese, a simbolização dá acesso ao mundo especificamente humano, ao mundo da cultura humana. A partir destes pressupostos, Cassirer [1] propôs a definição do homem como animal symbolicum, enfatizando ser inegável que o pensamento e o comportamento simbólico estão entre os traços mais característicos da vida humana e todo o progresso da sua cultura está baseado nestas condições.

Notas e referências:
[1] CASSIRER, Ernst. [1944]. Ensaio sobre o homem : introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo : Martins Fontes ltda, 1997.
[2]- PIAGET, Jean. [1945] A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho; imagem e representação. Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos S.A., 1990, p.96)
[3] STRÔNGOLI, Maria Thereza. Do signo à retórica do imaginário. In : OLIVEIRA, A. C. M. A. ; BRITO, Y. C. F. (eds.) Semiótica da arte: teorizações, análises e ensino. São Paulo : Hacker Editores ; Centro de Pesquisa Sociossemióticas (PUC/SP - USP - CNRS), 1998.
[4] SANTAELLA, Lúcia. Produção de linguagem e ideologia. 2 ed. São Paulo : Cortez, 1996.
[5] CASSIRER, Ernest [1942]. Las ciencias de la cultura 6 ed. México : Fondo de Cultura Economica, 1993.
[6] PIAGET, Jean. [1967] Biologia e conhecimento. 1ed. Porto : Rés ed, 1978.
[7] - BRANDÃO, Carlos R. Somos as águas puras. Campinas : Papirus , 1994.
[8] Umwelt – palavra alemã que significa: o mundo que está ao nosso redor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails