16 janeiro, 2009

5 – heranças coloniais.


Um dos eixos de argumentação da hipótese postulante da presença de sutis traços éticos coloniais remanescentes às conquistas humanísticas modernas é a análise histórica para contextualizar os impulsos implícitos às instituições do Estado Brasileiro, situados abaixo da linha de visibilidade ética e submersos no inconsciente coletivo como arquétipos não explicados e não reconhecidos. Além disso, o lançar mão da historiografia permite o flagrante da gênese de figuras éticas subsumidas, constructos simultâneos à invenção mitológica da história que merecia ser contada.

Alguns sentimentos sobreviventes hoje no cerne da sociedade brasileira podem ser rastreados nas origens do processo da colonização, como “[...] herança de uma descolonização mal-sucedida, ou, o que é pior, uma descolonização outorgada[...] (GUIMARÃES, 2006, p.6). Nem a negação da sua história faz do brasileiro um povo sem história, e nem a invenção de uma o torna menos infenso a repetição daquela desprezada.
Ao chegar aqui, os europeus se depararam com terra e povo, sem Sociedade Civil e sem Estado, porque a terra não tinha nome e nem dono e os seus habitantes viviam dispersos em pequenas comunidades, cuja organização social atingia a máxima amplitude da reunião de famílias, em que a percepção espacial chegava até os limites da tribo. Por serem povos ágrafos, a história oficial do Brasil começou com a chegada dos exploradores portugueses, portanto contada sob a ótica épica dos invasores europeus, que descreveram uma situação dos indígenas como povos da idade da pedra, em permanente estado de guerra de todos contra todos, semelhante ao estado de natureza imaginado por Hobbes:
Com isto se torna manifesto que, o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. (HOBBES, 1983, p.46)



A tomada do Brasil pelos portugueses se deu no começo da vigência das Ordenações Manuelinas:
“Em dezembro de 1512, saiu o Livro I do novo corpo legislativo. Em 1513, apareceu o Livro II e, mais tarde, entre março e dezembro de 1514, foi feita uma edição completa dos cinco livros que, em conjunto, foram chamados de Ordenações Manuelinas”. (PIERONI, 2001, p.2). Um conjunto de leis que foram transplantadas para os trópicos escaldantes, servindo de molde aos anseios do que se esperava da nova terra precocemente vocacionada para destino final de degredados, pois oO banimento para o Brasil era uma das penalidades mais severas da época. Aparecia imediatamente depois da pena de morte e das galés.” (PIERONI, 2001, p.4).

O rico universo proporcionado pelo povoamento do Brasil, cujo objetivo prioritário era varrer das ruas de Lisboa o incômodo representado pela escória:
Nessa época, as autoridades procuravam de todas as maneiras « alimpar » a cidade e « ordenou o dito Senhor, que os moços vadios de Lisboa, que andão na ribeira a furtar bolsas, e fazer outros delictos, a primeira vez que fossem presos, se depois de soltos tornassem outra vez ser presos pelos semelhantes casos, que qualquer degredo que lhes houvessem de ser dado fosse para o Brasil. O qual degredo eles irão cumprir presos, sem serem soltos... ». Rezou o alvará de 6 de maio de 1536. (PIERONI, 2001, p.3)

As inúmeras levas de degredados, constituídos em sua grande maioria de enjeitados e alguns raros nobres, cuja pena fora comutada da morte para o degredo, em grande parte perpétuo, resultou em:
Adúlteros, bígamos, ‘invertidos’ de ambos os sexos, incestuosos, estupradores, feiticeiros e feiticeiras das três raças que conviviam na Colônia, toda essa gente constituía verdadeira multidão desviante que durante três séculos desafiou o Estado e a Igreja, não necessariamente pela revolta política, mas pela transgressão das normas de conduta oficialmente instituídas. No entanto, excluindo-se os mendigos, assaltantes, prostitutas e escravos, os que pagavam impostos tinham recursos financeiros ou prestígio social suficientes para cometer quaisquer daqueles desvios e subtrair-se à justiça, sempre venal ou branda segundo as conveniências. E aqui entramos em outra inesgotável seara de pequenos e grandes delitos. (ARAÚJO, 1993)

E assim se deu a tônica no processo civilizatório brasileiro, onde o estatuto das leis Manuelinas emanadas no distante além-mar, aplicada numa terra de ninguém, lançaram as bases de uma ética strictu sensu, em queo processo de colonização do Brasil permitiu que sobretudo nos centros políticos periféricos, se formassem núcleos de mandonismo e redes de proteção que, na prática, inviabilizavam a aplicação da lei penal” (CARVALHO-FILHO, 2004, p.6).

Paralelamente à instauração do sentimento de impunidade, havia uma certeza maior ainda do que aquela de que a lei não alcançaria os criminosos em terras vastas e selvagens, a de que havia uma classe inalcançável pelos rigores punitivos, pois:
Outro traço revelador da impunidade decorre do tratamento diferenciado dos segmentos sociais, na colônia e no império, o que seria percebido por outro viajante, Johann Jakob von Tschudi, que, interessado no estado das colônias suíças, visitou o país na década de 1860: “quantas vezes aconteceu no Brasil que um homem rico e influente tivesse sentado no banco dos réus a fim de se justificar de seus crimes? (CARVALHO, 2004, p.6)

A consagração da impunidade se arrastou por dois séculos e só:
Ao longo do século XVIII esse quadro se modificou. O poder de condenar à morte pessoas despidas de qualidade superior, sem apelo, foi conferido a governadores e ouvidores de diversas capitanias, paulatinamente, com a criação de juntas de justiça. O objetivo era acabar com a impunidade. A carta régia que concedeu esta jurisdição às autoridades de Minas Gerais, em 1731, justificou a medida pelos “muitos e continuados delitos que se estão fazendo [...] por bastardos, carijós, mulatos e negros” porque “não viam o exemplo de serem enforcados”. (CARVALHO, 2004, p.6)

Mas a instauração do princípio que excluía “pessoas de qualidade superior” continuou imperando e permanece intacto até os dias de hoje. Assim, independentemente da reforma das leis, do aperfeiçoamento das instituições e da constituição de novos tribunais, a ética que amparava os indivíduos de “qualidade”, ou seja, os integrantes da classe aristocrática, dentro dos mesmos princípios que séculos mais tarde será chamado de “foro privilegiado” e atualmente sob o eufemismo de “foro especial por prerrogativa de função”.

A relação estabelecida entre o processo histórico de colonização, responsável pela importação do arcabouço de leis pré-modernas denominado Ordenações Manuelinas e a instauração de uma justiça de classes onde o topo da pirâmide social estava acima das expectativas punitivas, a sua sobrevivência mesmo depois da adoção dos ideais igualitários iluministas inspirados na revolução francesa, configuram um sistema ético duradouro que apesar de anacrônico é dotado de coerência intrínseca, por sua persistência como base da normatização. Flagrar a perpetuidade deste sistema é um dos propósitos deste estudo, quando propõe o olhar por trás da cortina criada para esconder a história que envergonha.

5º Capitulo: "Tensionamentos Filosóficos sobre Distinções entre Ética e Moral na Política Brasileira."
Autor: Isaias Malta da Cunha
Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Ética e filosofia Política
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Köche
Bento Gonçalves, agosto de 2007.
Bibliografia

5 comentários:

  1. llyne4/5/10

    adorei tudo

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  2. Anônimo21/3/12

    nao achei as heranças colonias , nao curti o site DDD;

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  3. não gostei não achei o que eu procurava

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