Conceituar o homem como um animal simbólico permite a compreensão de dois aspectos complementares de sua capacidade de conhecer: o biológico ou natural e o sociológico ou construído.
O ser humano tem um organismo, do qual não se pode ignorar o papel desempenhado pelo seu sistema nervoso nas suas construções e invenções. Este é o seu aspecto natural e necessário, porém insuficiente para explicar todas sua complexidade.
Para compreender-se a complexidade humana, deve-se abordar sua maneira simbólica de ver o mundo, considerando que para sua sobrevivência lhe é imprescindível produzir filosofia, matemática ou poemas, assim como o bicho-da-seda os seus casulos, os pássaros seus ninhos ou os castores suas represas.
A aceitação do homem biológico ou natural, ao longo da história da filosofia despontou como condição para o aprofundamento da compreensão dos diversos aspectos complementares da função cognitiva do ser humano, onde a própria sociedade passa a ser considerada uma variante, entre muitas, do fenômeno social- natural humano.
Segundo Ramozzi-Chiarottino (1984), neste quadro é que se pode entender o verdadeiro sentido histórico da obra de Piaget, filósofo-biólogo, que procura explicar as relações entre lógica, linguagem e pensamento no comportamento da criança, e chega a estabelecer as condições para que ela seja capaz de atingir o nível das trocas simbólicas. A autora salienta ainda que a obra de Piaget pode ser entendida como uma retomada da problemática kantiana, que se resolverá à luz da biologia e da concepção do ser humano como um animal simbólico. “Reencontra-se nela, de um lado, as preocupações de Kant e, de outro, àquelas de Cassirer, o mais ilustre dos neokantianos” (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1984, p. 29). Ela destaca ainda que o interesse de Piaget pela filosofia de Kant se explica por uma concepção que não reduz o sujeito epistêmico a um simples copiador da realidade.
As construções do sujeito epistêmico constituem o próprio estofo do entendimento e a experiência não consiste em simples coleção de fatos, registrados tal e qual. Piaget necessitou elaborar uma noção de sujeito do conhecimento, capaz de construção infinita e de estruturação da experiência, qualquer que ela fosse.
Para isso elaborou uma epistemologia, que supera a contradição entre o racionalismo, com sua hipótese de idéias inatas, e o empirismo, com sua hipótese de aquisição em função da experiência, buscando o papel do sujeito na construção do conhecimento. Ao propor um construtivismo dialético, que atribui ao sujeito epistêmico uma capacidade de construção mais fecunda do que a encontrada em Kant, Piaget estruturou sua obra, como uma teoria geral da ação.
Para entendermos a teoria geral da ação de Piaget, precisamos compreender o conceito de animal simbólico. A partir de seu aspecto biológico, vemos que, como qualquer outro animal, o ser humano, é consumidor de energia e não produtor primário. Portanto, precisa obter com esforço a energia suficiente para viver. Isto o torna, como conseqüência, essencialmente ativo.
Uma vez que esta condição ecológica de consumidor foi assumida pelo Reino Animal, desde que os seus mais primitivos “súditos” surgiram na Terra, seus efeitos se refletiram em todos e cada um dos seus aspectos vitais. Dessa maneira, a partir dessa via evolutiva, o corpo dos animais foi sendo modelado em formas precisas e simétricas para atender sua natureza, necessariamente, ativa. Desenvolveu-se um sistema propulsor músculo-esquelético associado a sistemas especializados para elaboração e tratamento dos alimentos, além de órgãos, inexistentes nos outros reinos, para interpretar o cheiro, a luz e o som. Para coordenar tudo isto surgiu um sistema nervoso e, conseqüentemente, um comportamento.
O comportamento possibilita aos animais lidarem com o mundo externo. Para todas as nossas necessidades imediatas e interesses práticos dependemos do ambiente físico. Não é possível viver sem uma constante adaptação ao mundo que nos rodeia. Os primeiros passos na direção da vida intelectual do homem são atos que implicam uma adaptação mental ao ambiente imediato.
Piaget (1978) interpretou o comportamento como uma organização, a qual contém regulações, cuja função é controlar as acomodações e as assimilações construtivas. Para tanto, o comportamento se apóia nos resultados obtidos no decurso da ação ou das antecipações, as quais permitem prever acontecimentos favoráveis ou obstáculos, assegurando as necessárias compensações. Além disso, este filósofo-biólogo buscou saber o que a natureza humana tem de particular em relação aos outros animais, que faz com que soframos de forma tão específica a influência de um meio. Nesse sentido, procurou estudar aquilo que permite ao ser humano chegar a falar e receber as mensagens que lhe são enviadas na vida social. Em outras palavras, interessou-se em compreender as condições básicas que o indivíduo deve dispor para estar apto a ser influenciado pela vida social.
Sabe-se que a evolução do comportamento envolveu especializações cognitivas e biológicas, as quais nos capacitaram a aprender, a conhecer e a nos comunicarmos com os outros seres humanos através de símbolos, tornando nossa natureza rica, sutil, variada e versátil.
Cassirer (1997) preconiza que todas as chamadas descrições do homem não são mais que especulações visionárias se não forem baseadas na sua experiência de homem e por ela confirmadas. Não há outra maneira de compreender o homem senão pela sua vida e conduta, que desafia toda tentativa de inclusão em uma fórmula simples e única, onde a contradição é o próprio elemento da existência humana. Para este filósofo, o homem é uma estranha mistura de ser e não-ser e o seu lugar é entre estes dois pólos opostos.
Já Elias (1980), salienta que o homem é singular entre as outras formas de vida pelo fato do significado da palavra ‘natureza’ quando referida à humanidade, diferir em certos aspectos do seu significado em outros contextos. Para este sociólogo, de um modo geral, entende-se ‘natureza’ como algo que se mantém inalterável, mas o aspecto singular do ser humano é, de certo modo, ser ‘mutável por natureza’.
Em resumo, interagimos com o meio também em nível simbólico, realizando, neste nível, assimilações, que dependem da nossa capacidade perceptiva e de nossas escolhas. Ou seja, filtramos as informações do mundo que nos rodeia para compreendê-lo e podermos sobreviver.
A compreensão deste processo é fundamental para a educação, pois toda assimilação envolve transformações e não cópia. Ao assimilarmos, transformamos o mundo e a nós mesmos por acomodação, nos desequilibramos e reequilibramos num constante processo de adaptação ao meio, construindo novos conhecimentos.
A partir destes pressupostos, fica clara a assertiva de que não se pode simplesmente “dizer” a alguém o que é o mundo, pois as palavras não contêm em si mesmas o conhecimento. Para Descartes, as palavras de que dispomos têm, em geral, significações confusas, a que o espírito dos homens se habituou de longa data, fazendo com que quase nada se entenda de modo perfeito (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1984). Para Freire (1993), as palavras podem ser totalmente ocas de sentido.
Conclui-se assim que: para educar não basta “dominarmos” um conteúdo programático, além disso, necessitamos entender o comportamento particular do ser humano, que o transforma em um animal simbólico, compreendendo como se dão as suas trocas com o meio, a fim de interferirmos nesse processo, instigando-o para que construa novos conhecimentos.
Referências:
CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo : Martins Fontes ltda, 1997 [obra original:1944].
ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa : Edições 70, 1980 [obra original: 1970].
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 22 ed. São Paulo : Paz e Terra, 1993.
PIAGET, Jean. Biologia e conhecimento. 1ed. Porto : Rés ed, 1978 [obra original:1967].
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Zélia. Em busca do sentido da obra de Jean Piaget. São Paulo : Ática, 1984.
axhg\sx
ResponderExcluirisso nao tem nada dos castores huuuuuuuuuuuuuuuuuuu