01 dezembro, 2007

Nasce o Grande Predador

O caçador atinge a plenitude dos seus sentidos se tornando máquina entregue à perseguição dos Scanners e descobre outros caçadores, no entanto, silenciosos entre si e dispersos quando a Luz se esvai, cada um indo ao seu abrigo, pois não sabem quando terão outra alimentação.

Assim como Jacó e o anjo
E apareceu-lhe o anjo do SENHOR
em uma chama de fogo do meio
duma sarça; e olhou, e eis que a
sarça ardia no fogo, e a sarça
não se consumia.
Êxodo 3:2

Eles nem sequer me olham, seguem seu caminho imperturbáveis, sem esbarrar em objetos ou pessoas. Sigo-os avidamente como mariposa atraída pelo rio de luz. A minha percepção aumenta com o decorrer do tempo, não os perco como antes, mesmo que às vezes, tenha que correr apressadamente no meio da multidão sob o risco de cotoveladas e xingamentos, em luta de sobrevivência para não perdê-los.

Quando a caça fracassa, restava-me ir para casa com o coração vazio da luz e sensação de inanição anímica. Descubro que os perdi quando já não mais percebo o rastro de luz; ficamos eu e os passantes, solitários cada um preso a sua dor, eu por perda objetiva e eles sob o peso difuso da existência.

A maturidade de caçador trouxe consigo alguns trunfos, quando os avisto, me lanço como um grande predador e não tenho nenhum escrúpulo em derrubar qualquer coisa no caminho, o cenário é obstáculo de somenos importância interposto entre o scanner e eu. Sob o efeito da adrenalina, minhas ventas se intumescem em prontas para as grandes arfadas, meu cabelo se eriça e os meus músculos se retesam em estado de guerra, prontos para saltar, correr, driblar, cair, levantar, passar por baixo, berrar, descer escadas num passo, subi-las em saltos, sempre com o coração aos solavancos seguindo os traços luminosos, dispostos qual leite derramado.

Tornei-me atleta de malabarismos, incansável na empreitada para acompanhá-los. Às vezes me sinto como um Jacó que se prendeu à perna do Anjo e não a soltou até que ele atendesse o seu desejo. Mas não sou tão atrevido – não fiquei coxo como no episódio bíblico, pois nunca me aproximei a ponto de tocá-los, contento-me em ficar num ponto em que sou tocado pela Luz dos seus olhos, quando eles finalmente me dirigem a atenção, à beira da minha completa exaustão.

Enquanto eles se deslocam na velocidade possível a quem levita, perscrutam indistintamente todos à sua volta e naqueles raros instantes em que cada pessoa é invadida pela luz, ela é premiada com um bem estar que durará todo o dia, às vezes por dias. Já conversei com pessoas que, sem terem idéia do ocorrido, me relataram sensações abruptas de momentos de felicidade surgidas inexplicavelmente, que lhe fizeram sorrir sem razão aparente. Elas tinham sido perscrutadas, mas nunca tive coragem de divulgar o que sei, pois já sou considerado um sujeito estranho e em nada me ajudaria a publicidade do codinome de caçador de aberrações.

Mas não estou sozinho, o dia-a-dia das jornadas de caça me fizeram descobrir outros tantos sujeitos despertos para o mesmo fenômeno, compartilhando iguais objetivos. Percebi que alguns transeuntes se ressaltavam da multidão por ter nos olhos o brilho da mesma busca que me anima. No princípio os olhei desconfiado, até ciumento de ter que dividir a atenção dos scanners com adversários padecedores o mesmo mal. Aos poucos me dei conta que podíamos formar equipes organizadas de esquadrinhamento e, quando um achasse um deles, todos seriam irradiados, porque o sol distribui seus raios irrestritamente.

Não importa quantos caçadores estivessem no seu encalço, no momento em que ele parava, nos atingia indistintamente com seu toque luminoso e entrávamos em êxtase profundo no ponto em que cada um estava, às vezes organizados num círculo improvisado, outras vezes dispersos aos arredores, na medida em que os mais fortes de nós sempre conseguiam se manter mais próximos da criatura, enquanto os de menores dotes atléticos se atrasavam na correria.
Depois do desaparecimento do scanner, cada um ia para sua casa silenciosamente para não estragar o êxtase do dia, pois não sabíamos quando teríamos outro alimento para sobreviver às trevas da pequena vida que nos aguardava traiçoeira.

Por Isaias Malta
Imagem: Cinelog

Um comentário:

  1. Anônimo12/11/09

    NÃO FOI JACÓ, FOI A MOISÉS QUE DEUS APARECEU EM FORMA DE FOGO QUE ARDIA SEM CONSUMIR A SARSA.

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