25 novembro, 2007

A vida como Interação e Auto-Regulação

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Os seres vivos interagem com o meio, estabelecendo trocas. Nesse processo, necessitam de sistemas de regulação, que impeçam a perda da individualidade, por esta razão, Piaget afirmava que a vida é essencialmente auto-regulação. Somos sempre um resultado da interação entre uma informação biológica com o seu contexto, não sendo possível separar uma coisa da outra ou repetir com exatidão os resultados de uma mesma receita.

O que é a vida?
É muito difícil definir o que é a vida, pois não há um conceito universalmente aceito que a defina. O que podemos fazer é caracterizá-la através das propriedades que os seres vivos apresentam.

Surge aqui um novo problema que é a definição do que seja um ser vivo, pois as características básicas de composição química, reprodução, evolução, metabolismo, organização celular, diferenciação celular, movimento e crescimento, geralmente caracterizados como manifestações vitais, não estão presentes simultaneamente em todos os seres vivos.

A qualidade básica da vida para Piaget é a preservação de si mesma e das qualidades graças às quais os seres vivos se diferenciam dos mortos e da assim chamada “matéria bruta” ou “inanimada”.

O que significa ser inanimado ou bruto?
Significa não interagir e nem manifestar nenhuma atividade vital. A partir da descoberta dos vírus encontrou-se o limite entre o vivo e o não-vivo, porque quando estão parasitando células vivas, os vírus apresentam metabolismo e se reproduzem, mas quando estão “livres”, eles são apenas moléculas de ácido nucléico dentro de cápsulas de proteínas. Desse modo, se os vírus não estiverem inseridos numa célula eles não interagem com o ambiente e se comportam como se fossem constituídos apenas por matéria bruta. Este estado de um ser vivo sem manifestação de vida foi alcunhado de “animação suspensa” em textos de ficção científica.

Ainda mais intrigantes do que os vírus são os plasmídeos e os elementos de transposição, pois não apresentam um estado de clara independência em relação à célula hospedeira como se observa nos vírus. Pois tanto os plasmídeos quanto os vírus não possuem cápsulas protéicas, eles sempre são observados dentro de células ou inseridos em DNA hospedeiro.

Os plasmídeos são pequenos DNAs circulares encontrados em células procariontes como as das bactérias. Não podem ser considerados como estruturas da própria célula bacteriana porque sua presença é facultativa. Na verdade, os plasmídeos “negociam” sua permanência na célula bacteriana oferecendo certas vantagens, como os genes que sintetizam proteínas, as quais conferem resistência aos antibióticos, por exemplo.

Em outras palavras, os plasmídeos, em troca do “aluguel” da estrutura celular necessária à sua existência oferecem a “receita” para síntese de uma proteína, que garantirá a sobrevivência da bactéria. Muitas vezes, quando as vantagens oferecidas pelos genes presentes num plasmídeo se tornam desnecessárias, as bactérias “expulsam-nos”.

Já os elementos de transposição ou transposons são fragmentos de DNA que estão presentes “dentro” dos cromossomos tanto de células procariontes como as bactérias, quanto das eucariontes como as dos fungos, vegetais e animais.

Especula-se que as vantagens oferecidas pelos elementos de transposição às células hospedeiras seja uma maior plasticidade aos cromossomos. Isso porque, toda vez que eles se movimentam de uma região a outra dentro de um mesmo cromossomo ou até entre diferentes cromossomos, podem gerar uma grande alteração na regulação gênica e, conseqüentemente, mudanças morfológicas consideráveis. Supõe-se que eles tenham se originado de vírus que perderam a capacidade de sintetizar seus capsídios protéicos e se tornaram hóspedes obrigatórios ou, ao contrário, sejam pré-vírus, que ainda não desenvolveram capacidade para sintetizar uma cápsula de “animação suspensa” para poderem entrar em latência fora de ambientes celulares.

Podemos considerar os elementos de transposição como uma espécie de “inquilinos” dos cromossomos, numa condição semelhante a das plantas epífitas que necessitam se fixar em outros vegetais para sobreviver, como, por exemplo, muitas espécies de orquídeas. Já se especulou que estes elementos poderiam ser “parasitas” de DNA, mas esta hipótese está sujeita a muitas críticas (Hickey, 1992)[1].

Como qualquer estrutura orgânica intracelular, os transposons estão sujeitos aos dois níveis de seleção: molecular e orgânica. A seleção molecular faz com que estas estruturas não representem apenas “um peso” para a molécula de DNA. Em bactérias, por exemplo, identificaram-se muitos elementos de transposição que possuem genes, que conferem resistência aos antibióticos.

Em eucariotes, como nós, seu papel é menos claro, mas de alguma forma este DNA deve contribuir para a sobrevivência do organismo. Como se explicaria o fato de existirem muitos elementos transponíveis “vivendo” nos cromossomos de várias espécies, se não representassem nenhum valor adaptativo?

Segundo Hickey (1992), a evolução do sexo eucariótico foi um longo e complexo processo com muitos estágios. Para o autor, os estágios iniciais de evolução sexual podem ter sido devidos à seleção de elementos transponíveis. Tais transposons, ao possuírem genes que promovem a conjugação, são positivamente selecionados em bactérias.

A conjugação é uma forma primitiva de reprodução sexual. Um processo semelhante à conjugação ocorre durante a formação dos gametas dos organismos superiores. De acordo com o autor, como a conjugação ampliou a adaptação dos organismos introduzindo a “sexualidade”, os transposons foram selecionados e acabaram por criar condições para formas de vida mais complexa.

Também se especula que os introns[2] presentes nos genes[3] das células eucariontes sejam remanescentes evolutivos de uma classe especial de transposons (Hickey, 1992).

Muitas outras estruturas celulares têm sua origem atribuída às interações evolutivas. As mitocôndrias são estruturas celulares responsáveis pela produção de energia a partir da respiração aeróbica. Estas estruturas têm seu próprio material genético ou DNA. Estas e outras organelas, como os cloroplastos das células vegetais, parecem ter sido ancestralmente organismos procariontes de vida livre que, por processos simbiônticos, deram origem a algumas estruturas essenciais ao funcionamento das células eucariontes.

Vê-se que desde o nível molecular ao dos organismos o limite entre vida e não vida se relaciona com interação e não-interação, logo a vida é, essencialmente, interação tanto na sua origem quanto na sua evolução. Esta é a lógica comum que pode reunir vírus, plasmídeos, transposons, bactérias, protozoários, algas, fungos, plantas e animais. Basicamente, herdamos a capacidade e a necessidade de interagir.

Os seres animados são sistemas que interagem com o meio, estabelecendo trocas, podendo ser modificados por estas trocas sem se destruir e, para tanto, necessitam de sistemas de regulação, capazes de garantir a interação sem que haja a perda da individualidade. Por esta razão, Piaget afirmava que a vida é essencialmente auto-regulação.

Voltemos a duas questões essenciais: O que há em nós de meio? O que há em nós de não-meio?

Ao considerar a vida como essencialmente interação e auto-regulação, não é possível encontrar respostas precisas a estas questões, pois somos sempre um resultado da interação entre uma informação biológica com o seu contexto. Não é possível separar uma coisa da outra. Dessa forma, mesmo quando os nossos cromossomos forem mapeados e todos os nossos genes e proteínas conhecidos, nossa vida não será totalmente decifrada, graças a isso sempre haverá uma componente de criatividade que possibilitará o surgimento do novo, sendo impossível uma cópia exata de qualquer indivíduo, mesmo que se faça sua clonagem.


Notas e referências:
[1] HICKEY, D. A. Evolutionary dynamics of transposable elements in prokaryotes and eukaryotes. Genetica Kluwer, n. 86, p. 269-274, 1992.

[2] Introns: são partes dos genes dos eucariontes que são retirados do RNA mensageiro que participará da síntese protéica. Eles são encontrados apenas em genes de células que possuem membrana nuclear (eucarióticas). Assim, para sintetizar uma proteína é sintetizado um RNA mensageiro a partir do gene específico, mas, antes que esse RNA saia do núcleo para o citoplasma da célula, ele deve ser processado e são retirados dele vários pedaços que se convencionou chamar de introns, porque permanecem no núcleo e são degradados ali mesmo, não sendo utilizados na síntese da proteína que ocorre em estruturas do citoplasma da célula, denominadas ribossomos.

[3] Gene: unidade descritiva hereditária na genética dos ácidos nucléicos e que corresponde a um segmento de DNA. É a unidade física e funcional da herança. Um gene é uma seqüência ordenada de nucleotídeos localizados numa posição particular de um determinado cromossomo; cada gene codifica uma seqüência determinada de uma cadeia polipeptídica
Imagem: link

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