23 novembro, 2007

A roupa da moda Matrix


Uma simples ida ao banco pode suscitar idéias que vão desde a deliciosa paródia entre os agentes smiths do filme Matrix e os habitantes dos centros urbanos, à constatação de que a roupa contemporânea está chegando próxima da funcionalidade das malhas apertadinhas dos filmes de ficção científica.

Chegando a um banco, me deparo com uma imagem emblemática da interação homem-máquina: a fotografia publicitária de uma mulher deitada na relva em plena natureza, de olhos fechados em êxtase ouvindo algo nos seus fones auriculares. Como a espera nos bancos costuma testar a paciência, resolvi prestar atenção aos mínimos detalhes. A razão disso pode ser chamada de atividade de “passa-tempo”, antídoto contra ambientes fastidiosos. Assim, quando me deparo com os motivos gráficos das propagandas do local, gosto de me deliciar lentamente com cada um deles. Geralmente dá certo, porque o poder da contemplação exige tempo para "aquecer", o tempo necessário para as coisas se resolverem, porque o mundo descarta rapidamente aqueles que não tenham se deixado submergir no estresse.


Uma vez obtido o pleno regime contemplativo, sobreveio a primeira constatação: a modelo não está na realidade usufruindo do contato com a natureza, porque não coincidem a iluminação ambiental e a incidente sobre o corpo da moça. As sombras das flores logo adiante não se projetam sobre seus braços. É uma figura enxertada naquele ambiente, presumo que devido à dificuldade de alocar, juntamente com toda a parafernália de estúdio, uma moça completamente maquilada num terreno de flores... e mosquitos, borrachudos, moscas, aranhas, formigas, espinhos, etc. Ou seja, o banco está vendendo uma imagem falsificada de integração homem-natureza, do mesmo modo que outros produtos adulterados pela sede do lucro da indústria: remédios, leite, água, brinquedos, etc.

Terminada a minha peregrinação pelos intestinos bancários, no outro dia estando em casa numa manhã luminosa, eis que entrevejo pela janela a mulher do caseiro passando em sua caminhada matinal, usufruindo da alameda guarnecida por ciprestes decanários formando um túnel verde... portando os mesmos fones auriculares da moça do banco. Então não pude me furtar a traçar analogias entre a propaganda bancária e a figura em carne e osso passível de contemplação. Desconfio que o antigo conceito de vestuário, como sendo uma pele postiça sobre o corpo para conferir certo conforto térmico, já esteja ultrapassado. A roupa atual integra além da pele artificial, câmera de foto/vídeo, mp3 player, telefone, acesso à internet, chave USB e baterias recarregáveis para mantê-la em funcionamento.




 Parece que ninguém mais contempla a natureza vestindo somente os trapos dos antepassados, se minimamente não tiver um mp3 player ou um celular à mão, pois a pessoa se sentirá nua e a sua intranqüilidade será empecilho a quaisquer benefícios do contato com o ar puro. Quando vejo nas ruas as pessoas conectadas a telefones móveis por fones nos ouvidos, não consigo deixar de me lembrar da grande paródia da vida contemporânea sintetizada no filme Matrix. A moça do banco, a mulher do caseiro que passeia nas aragens matinais e os transeuntes dos centros urbanos estão conectados ao sistema da Matrix. E parece que a sede de conexão se torna cada vez mais avassaladora, porque a cessação dela provoca tantos mal-estares físicos e psicológicos, que já se fala da síndrome de abstinência conectiva como a mais nova doença mental a afligir os desconectados.
 
O esforço dos fabricantes de alta tecnologia para suprir um aparelho que integre definitivamente todos os dispositivos de interconexão é o reflexo da tendência unificadora entre o vestuário e os dispositivos eletrônicos pessoais. A realidade do filme “Jornada nas Estrelas” está chegando, não tanto à moda bichesca da malha apertadinha do capitão Kirk apertando o peito para pedir um teleporte, mas como uma roupa que não serve apenas ao vestir, pois além entretenimento e da necessidade compulsiva de conexão, está se configurando como interface indispensável na relação homem-natureza. A Apple já lança o Iphone, que é um hardware integrativo e o Google lança o Android, que um é sistema operacional para gerir roupas digitais. Qualquer aproximação entre a nossa realidade e a malha do Capitão Kirk não terá sido mera coincidência.

Palavras-chave: eletrônica, vida moderna, matrix, ficção científica, roupa cibernética, conectividade, síndrome de abstinência conectiva.


Por Isaías Malta

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