A imagem perdeu no fim do século XX o seu papel secundário de ilustração, para conquistar a categoria de verdade sucessora do conceito, oportunizando a máxima popular: “Uma imagem vale mais do que mil palavras”. Enquanto mil palavras jazem escondidas nos livros, uma imagem transmitida pela TV diz tudo por si mesma.

O sujeito moderno agoniza ou nos zoológicos dos Reality Shows, ou perambulando sem rumo sob a pressão da anomia dos grandes conglomerados urbanos. Enquanto isso, as demandas ecológicas exigem o aparecimento de um novo sujeito que vá além da 1ª pessoa expressa no lema moderno “cogito ergo sum” (o “penso logo existo” de Descartes). O fenômeno do aquecimento global está ensinado a conjugação na 3ª pessoa do nós, mas não apenas o nós humanos, porque deve incluir também o meio para quebrar o paradigma máximo do capitalismo, concedente de livre licença para consumir limitada apenas pela quantidade de dinheiro.
A barreira do consumo é tênue frente à realidade dos recursos naturais finitos. Se cada cidadão do planeta puder gastar a medida dos seus ganhos, a equação de não tem sentido – exploração infinita num universo finito. A situação esdrúxula da impossibilidade física do planeta suprir demandas infinitas com recursos finitos, configura o consumismo como uma metafísica, um pensamento, que apesar do seu descolado da realidade, anima o núcleo espiritual do capitalismo.
A evolução tecnológica impôs um novo ritmo ao cogito de Descartes, elegendo outras prioridades além do pensamento, convertendo a máxima descartiana em “possuo, logo existo”. O deslocamento do interesse do pensamento para a posse apresentou desdobramentos, do ser para o corpo e do conceito para a imagem. Em substituição ao conceito, a verdade da imagem estabelecida como se fosse um “nous” grego, a coisa em si mesma – a própria realidade. A nova verdade da imagem foi tornada possível na esteira do turbilhonamento dos avanços tecnológicos desenvolvidos sob medida para uma mídia eletrônica que aprendeu a ver, provocou outro desdobramento do antigo cogito moderno: “vejo logo existo”.
O vejo logo existo acontece numa fase do modernismo em que é negado o próprio modernismo simbolizado pelo sujeito pensador descartado, ele não precisa pensar, só existir como imagem. Desta forma, a imagem, de categoria abstrata foi promovida a coisa, autônoma e controladora semelhante à metáfora do Big Brother, que é imagem se fazendo passar por real, imaginada em 1948 por George Orwell no livro “1984”. A criação dos meios de massificação da imagem tornou possível a emergência de um novo conceito de existência: a imagem é a verdade.
A ditadura imagética afeta diferentes áreas do conhecimento humano, até notadamente aquelas que sempre se valeram exclusivamente da escrita. A poesia, filha dileta do discurso, agora carece de complementações extra-discurso. Tornou-se embaraçoso pensar no ato lingüístico puro, tornando obrigatória a recorrência à imagem, não como recurso ilustrador, mas como fala protagonizante.
O nascimento da “Pop Art” se aproveitou da fusão entre a produção em massa e a autonomização da imagem, criando obras seriadas usando técnicas offset de replicação, reproduzindo imagens fortes, simples e auto-explicativas. O filósofo visual Andy Warhol soube ler o movimento da segunda metade do século para a massificação e expressá-lo em obras que podiam ser replicadas infinitamente. Num dos seus quadros mais famosos ele multiplico a sex simbol do século XX, a atriz Marilyn Moroe, numa série de quadros idênticos, a não ser pelas cores gritantemente diferentes. Foi o fenômeno da arte que explodia, a arte pop, numa época em que não existia os recursos da produção fotográfica massiva, cuja massa é medida em gigabytes digitais. Andy jamais sonhou a explosão atômica visual acontecida décadas depois, no mundo que levou ao extremo os conceitos de clonagem infinita das imagens, e do extermínio dos últimos traços do sujeito pensante moderno de René Descartes.
Por: Isaias Malta
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