21 novembro, 2007

Gwendolyn Mok faz do Erard um ponto de partida

Na continuação da entrevista concedida a Thad Carhart pela pianista Gwendolyn Mok, ela debate a estranheza de Thad perante a escolha de um piano do século XIX para gravar os CDs de piano solo de Ravel, contrariando o senso comum imperante no meio musical, inteiramente satisfeito com a estética sonora forjada pelos melhoramentos introduzidos nos pianos modernos. Em nome da diversidade, Gwendolyn traz de volta á cena novos timbres, talvez não tão retumbantes como os de um Steinway, mas nítidos e delicados, quase os de uma harpa, revivendo ambiências há muito perdidas.

Thad: Há pianos e pianos, os peritos sempre souberam isto para, e alguns pianistas deviam sabê-lo - não todos. Mas é só agora que uma nova geração de artistas pode aproveitar isto de maneira inteligente. Tem a ver com a estética sonora contemporânea aos compositores. Não se quer dizer que o Steinway seja mau, não é uma questão de vencedores ou perdedores, é uma questão de diversidade, da variedade e riqueza da experiência que pode advir, que como toda a melhoria uma vez implantada, você se acostuma com seu uso. Não seria surpreendente para nós que Ravel tivesse experimentado outro piano, e o tenha feito conscientemente, mas o fez tendo a sua música em mente, sem tê-la mudado. Perfeito! Mas, para adquirir algo você ao menos tem que se abrir às experiências. É mais ou menos o que penso que você está fazendo com o Erard, embora eu faça os questionamentos com menor seriedade (é lógico para mim que isto é sério), por ser um assunto empolgante.

Gwendolyn: Gosto de tocar tais peças em qualquer piano moderno, seja ele Steinway, Bosendorfer ou Bechstein, tanto como toco num Erard, não é necessário um retorno ao Erard, é apenas um ponto de partida. Mas o que aprendi tocando num Erard, é que nossos ouvidos têm que estar abertos para outras possibilidades, e uma vez que você entra em contato com tais possibilidades, isso vai mudar para sempre a sua expectativa de som sobre os pianos modernos.
Digo aos meus estudantes, que se você pode ouvir o som que você quer realizar, há boas chances de obtê-lo. Mas se você não consegue ouvir tal som, então temos de trabalhar muito na realização do conceito. É a mesma questão quanto ao pedal. Eu acabava de chegar para a minha lição com Perlemuter e tive de ficar no Hall esperando o chefe para entrar. Daí um tempo ele veio rindo, movimentado a cabeça em sinal de bom humor. Ele acabara de ter teve uma interessante conversa com um fã americano. Era um pianista que tinha ligado, e todo lisonjeiro falou "Oh, Perlemuter, o seu pedal é divino! Qual é segredo do seu pedal?" E Vlado respondeu "não pedalo com os pés, pedalo com os ouvidos!" E deligou o telefone.

Thad: A técnica superficial é o refúgio de salafrários tanto quanto o patriotismo barato é para os políticos! Você consegue fazer com que ouçamos o que você ouve de maneira satisfatória?

Gwendolyn: Gravamos esse dois CDs num grande auditório com dois microfones Neumann, e dois microfones dirigidos para a captação do som de retorno ambiental. A diferença entre os resultados do piano usado nesta gravação e aquele que você obtém gravando com um piano moderno é bastante discernível. O CD foi gravado para a gente curiosa sobre Ravel e que nunca ouviu a sua música e está interessada neste cenário, ou para o aficionado que já conhece bem e ama Ravel e que gostaria de expandir a sua audição.

Thad: Estou ansioso para ouvir a sua interpretação porque você é uma pianista séria, e é assombroso para mim e muito encorajador que você esteja fazendo este magnífico trabalho. Não se deve dizer apenas "Oh que realização!" pelo trabalho em si mesmo, mas porque claramente você o está realizando com seriedade. Sei que você está fazendo muitas coisas além de descobrir que instrumento se presta mais com o quê e o uso que se faz dele e assim por diante, mas é uma parte importante do quadro, porque ironicamente isso é uma daquelas coisas que permanecem obscuras para nós. Como você diz, até que houvesse uma técnica digna do nome, a restauração muitas vezes era limitada a uma espécie de manutenção sofisticada. Agora há restauradores que trabalham para trazer esses pianos inteiramente de volta, devolvendo-nos a possibilidade de outras ambiências sonoras além daquelas que estamos acostumados.

Gwendolyn: Não estou tentando impor meu o ponto de vista ou forçar uma situação. Só estou oferecendo mais uma alternativa às diversas e excelentes gravações disponíveis da obra de Ravel. Um aspecto do estilo de escrita de Ravel ficou esclarecido para mim por Roger Nichols, que escreveu o libreto deste CD. Ele foi perguntado pela Editora Peters sobre a intenção da gravadora de lançar outra edição das mesmas peças solo de Ravel, aproveitando a pequena janela de abertura dos direitos autorais. Durand por muitos anos teve domínio completo sobre a música de Ravel. Se você estiver indo comprar alguma partitura, compre-a editada pela Peters, porque elas são belamente impressas e muitos erros foram corrigidos. Roger disse que em 1885 quando Vitor Hugo morreu, o seu funeral marcou a transição entre o velho e o moderno espírito na literatura francesa. Ravel naquele tempo tinha só dez anos. Na época ele não teve noção dessa ocasião importante, mas a sua música compreendeu a transição entre o velho mundo de ordem e cerimonial e o novo. Isso ficou refletido na sua obra, na forma de trabalhos como Le Tombeau de Couperin, que contém uma homenagem não tanto ao próprio Couperin, mas como tributo dirigido a toda música francesa daquele período, desenvolvido na linguagem única de Ravel.

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palavrs-chave: Erard, restauração, gravação, CD, timbre, couperin, pianista, pesquisa musical, piano moderno

Referências
Título: Gwendolyn Mok faz do Erard um ponto de partida
Capítulo: Thad Carhart entrevista Gwenlolyn Mok-4
Fonte: http://www.gwendolynmok.com/interviews.html
Tradução: Isaias Malta

Imagem: link

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