12 novembro, 2007

Cérebro, Genes, Linguagem e Inteligência

por

O crescimento do cérebro humano está intimamente imbricado com o surgimento da linguagem. A era glacial foi o período em que nosso córtex cerebral mais se desenvolveu, atingindo as proporções atuais. Em grande medida esse período de desenvolvimento se relacionou com a necessidade de estabelecimento da sociedade humana, sem a qual não podemos mais sobreviver.


A camada de dois milímetros de espessura do córtex é a região cerebral mais relacionada aos processos inteligentes. Quando esticada, essa camada do cérebro humano é capaz de cobrir quatro folhas de papel tamanho ofício, enquanto o córtex do chimpanzé ocupa apenas uma destas folhas, o de um macaco prego ocupa o espaço de um cartão postal e o de um rato ocupa o espaço de um selo.

A grande expansão do cérebro humano em relação aos outros primatas não começou antes da idade do gelo há 2,5 milhões de anos, quando florestas inteiras desapareceram em virtude da drástica queda na temperatura e nos regimes de chuvas. A adaptação dos hominídeos a estas condições deve ter sido bastante dinâmica durante este período de abruptas alterações climáticas. Entre outras coisas ela permitiu um acúmulo de habilidades mentais capazes de conferir uma flexibilidade comportamental, a qual é igualável por outros vertebrados.

Segundo Calvin (1994), uma aquisição atribuída a este período foi a capacidade para a linguagem humana, a qual permitiu uma melhor atividade coletiva para caça.[1] A linguagem humana não se relaciona somente com o ato de falar, pois afeta a inteligência de forma integral.

Oliver Sacks [2] relata o caso do menino surdo Joseph, que até os onze anos de idade não aprendera qualquer linguagem. Quando começou a aprender sinais, todavia, não tinha nenhuma noção clara do tempo passado, apresentava uma estranha ausência do senso histórico como se só existisse no momento presente. Parecia, literalmente, incapaz de manipular imagens, hipóteses ou possibilidades. O autor salienta que é evidente que o pensamento e a linguagem possuem origens (biológicas) separadas, que o mundo é examinado e definido muito antes do advento da linguagem, existindo um vasto âmbito de pensamento em crianças antes do seu surgimento (e ninguém estudou isto tão bem quanto Piaget), mas embora um ser humano não se torne deficiente mental sem ela, se torna bastante restrito no âmbito dos seus pensamentos, confinando-se a um mundo pequeno e limitado.

Estas informações sugerem que nossa inteligência foi aprimorada numa situação de estresse ambiental, que exigia ações mais efetivas para garantir a sobrevivência dos indivíduos. Nosso cérebro aumentou e criou suporte físico para o desenvolvimento da linguagem. As redes neurais que nos capacitam a falar se desenvolvem após o nascimento durante um período crítico que começa em torno de um ano e meio de idade e necessita da interação comunicativa com outras pessoas. Estes períodos críticos observáveis no desenvolvimento de algumas redes neurais, indicam que o desenvolvimento do organismo após o nascimento também segue alguns caminhos obrigatórios assim como ocorre no desenvolvimento embrionário.


Piaget se interessou pelo padrão do desenvolvimento embriológico, estudando os trabalhos de embriologistas da sua época. Chamou-lhe a atenção os “créodos” ou caminhos obrigatórios que o embrião percorre ao longo do seu desenvolvimento, pois suas pesquisas com crianças revelavam que o desenvolvimento da inteligência seguia seus próprios caminhos obrigatórios até atingir maior flexibilidade a partir dos seus níveis mais avançados, que ele chamou de pensamento lógico matemático.

Pesquisas mais recentes sobre a biologia do desenvolvimento revelaram que nossas características mais conservadas são determinadas pelos “genes homeóticos”, os quais se mantêm muito invariáveis ao longo da evolução, mesmo quando comparamos organismos com um distante parentesco evolutivo como moscas e ratos. Paradoxalmente, os genes que determinam os nossos caminhos obrigatórios durante o desenvolvimento, especialmente, no período embrionário, são justamente os mesmos que nos conferem uma grande identidade genética com os outros seres vivos e tornam possível a troca de DNA entre espécies muito diferentes.

Este paradoxo entre caminhos obrigatórios e possibilidade de recebimento de DNA exógeno indica que, mesmo em nível celular ou até molecular, a vida depende de um equilíbrio constante entre ordem e caos, organização e plasticidade. Sobreviver significa conciliar a preservação do sistema com a possibilidade de produção de mudanças e a construção de novidades. Isso nos permite interpretar a vida com a metáfora de Nietzsche, na fala de Zaratustra, sobre o caminhar em uma corda estendida!

A preservação do sistema para o desenvolvimento biológico é bem mais crítica nos estágios iniciais, onde não podem ser eliminadas etapas, pois cada estágio cria as bases sobre as quais se estruturam os próximos. O mesmo padrão de desenvolvimento é sugerido por Piaget para a inteligência e para o nascimento da linguagem na criança.

O conhecimento atual sobre a genética e a biologia do desenvolvimento mudou a concepção de meio, pois o material hereditário não é mais visto como uma entidade isolada do meio, apresentando janelas de interação, inclusive podendo receber informação genética exógena. O modo mais contemporâneo de interpretação do desenvolvimento biológico, bem como das relações entre os organismos e o meio apóiam as idéias de Piaget sobre a necessidade de uma ultrapassagem dialética das proposições de Darwin e Lamarck sobre evolução e origem das espécies, muito mais do que se poderia imaginar nas décadas de 60 e 70.

O conceito de interação, central em todo pensamento piagetiano, nos fornece um paradigma adequado para percebermos o meio como um contexto com múltiplas determinações, que ultrapassam a idéia de mero espaço físico.

Além disso, os ensaios de Piaget sobre as correspondências de funções e os isomorfismos parciais de estruturas entre o organismo e o sujeito do conhecimento, apontam para a necessidade de utilização tanto da informação biológica, bem como da filosófica ou da sociológica, não apenas para descrever, mas, também, para pensar o ser humano, a fim de compreender seus processos cognitivos. Por este motivo, oferecem uma importante base epistemológica para um olhar interdisciplinar na proposição de práticas educativas adequadas ao desenvolvimento da inteligência humana.
Por Gladis Franck da Cunha

Referências:
[1] CALVIN, William H. The ergence of Intelligence. Scientific American New York, v. 271, n. 4 p. 79-85, Oct., 1994.

[2] SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro : Imago, 1990.

Ilustrações: Ciência Hoje Portugal   e link 2

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails