Buscar a reflexão teórica em educação significa a sondagem das bases de compreensão da experiência empírica e construção de argumentos, que pode nortear a transformação da prática pedagógica.
Atuando como professora no Curso de Licenciatura Curta em Ciências, busquei o campo educativo a fim de repensar a biologia e compreender o que é "educar", pois durante minha atuação profissional fui percebendo que apesar da pesquisa biológica ser uma fonte de conhecimentos fundamentais para uma compreensão mais profunda da vida e do próprio homem, entre os centros de pesquisa e a comunidade há um grande abismo e os avanços científicos levam mais de dez anos para chegarem à Educação Básica, quando chegam. Passei a considerar a educação como essencial para construção de uma ponte entre os centros de pesquisa e a população ou entre a Ciência e a Cultura.
Estes mesmos questionamentos são feitos por outros Geneticistas que também se preocupam com a sobrevivência e o desenvolvimento humanos. Entre eles Albert Jacquard[1] define o objetivo primário da educação como o de revelar a um filho de homem a sua qualidade de homem, ensiná-lo a participar na construção da humanidade e, para tal, incitá-lo a tornar-se o seu próprio criador, a sair de si mesmo para poder ser um sujeito que escolhe o seu percurso e não um objeto que assiste submisso à sua própria produção.
Essa idéia me remeteu a outros autores como Edgar Morin, Fhilippe Ariés, Thomas Kuhn, George Snyders, Gaston Bachelard, Paulo Freire, Agnes Heller, Oliver Sacks e Jean Piaget. Esse último, também biólogo, foi uma surpresa, pois sempre imaginara que ele era um psicólogo e nuca havia conhecido qualquer uma de suas teorias durante os meus cursos de graduação e pós-graduação na área de Genética, embora Piaget tenha buscado relacionar intensamente essa área da Biologia com o desenvolvimento humano. Suas interpretações da biologia do conhecimento são cativantes e me serviram de estímulo, nessa escolha pelo caminho educativo, pois indicam, além de um caminho a ser percorrido, o quanto pode ser interessante a atuação de biólogos na área de educação.
Educar significa transformar e, para tanto, é fundamental a reflexão teórica, pois os problemas ou soluções alcançados através da prática exigem o aprofundamento das questões teóricas. Ao buscarmos a reflexão teórica, podemos encontrar as bases para compreensão da experiência empírica e construção de argumentos, que sustentem a transformação da prática pedagógica.
Para Paulo Freire[2], ensinar não se esgota no tratamento do objeto ou conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. Nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e reconstrução dos saberes ensinados, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo.
Intervindo no mundo o conhecemos e esse conhecimento, ao ser produzido, transforma o sujeito. Assim, a educação nos leva para além de nós mesmos e saber educar significa criar as possibilidades para esta transformação, para isso. É necessário que haja uma cumplicidade entre educador e educando. Jaqueline Moll[3] salienta que, por desconhecer as referências de vida e de mundo da criança, a escola cobra, como se fossem naturais, atividades e comportamentos para ela incompreensíveis.
Ao lançar o olhar para além das séries iniciais, veremos que este desconhecimento se estende ao longo de todo processo de escolarização. O reconhecimento entre educador e educando deve, portanto, ser construído, a fim de que não permaneçam como estranhos àqueles que devem ser parceiros. Ao conhecer o educando o educador construirá saberes sobre si e encontrará os próprios caminhos para ações pedagógicas significativas.
Desse modo, descobrir quem são os sujeitos da educação torna-se essencial e a obra de Piaget é um fascinante “mapa” para esta descoberta. Assim, os caminhos percorridos neste estudo, buscam a compreensão dos processos de construção de conhecimento, tomando por base as reflexões piagetianas sobre a biologia do conhecimento[4].
Piaget é focado aqui como um biólogo revolucionário, que na década de sessenta questionava a linha filosófica assumida para a interpretação dos processos evolutivos. Ao comparar suas reflexões com descobertas da genética realizadas a partir da década de noventa, verifica-se o quanto ele foi pioneiro em suas suposições, pois alguns pesquisadores já convergem em direção ao pensamento piagetiano, embora não tenham consciência disso.
Ao focar o Piaget biólogo, constatamos que a essência desse pensador é justamente ser revolucionário em todos os campos do conhecimento em que se debruçou tendo como preocupação central o descortinamento da inteligência humana. Ao longo de sua rica obra, ele nos desafia ao pensamento dialético e permite o diálogo com diversos outros autores. Sua forma de abordagem do ser humano rompe com uma visão dicotômica entre homem e natureza, quando estabelecemos um paralelismo entre os processos de interação entre o organismo e o meio com as relações entre o sujeito e o objeto.
Através de dados sobre descobertas no campo da biologia e suas conseqüentes implicações teóricas, fica claro que o meio não pode ser visto apenas como um local onde os organismos se encontram.
Mais do que isso, o meio é um contexto de intensas convivências e mútuas transformações, como sugere a dialética piagetiana, que confere tanto ao meio, quanto ao organismo papéis de igual importância nos processos evolutivos.O ser humano se torna um ser social, através de um processo decorrente dessa interação entre o organismo e o meio ou o sujeito e o objeto. Compreender estes processos é fundamental para o diálogo entre educadores e educandos a fim de que sejam estabelecidos os processos interativos, pelos quais se estruturam o conhecimento e aprendizagens do sujeito.
Referências e notas:
[1]JACQUARD, Albert. A herança da liberdade: da animalidade à humanitude. 1ed. Lisboa : Publlicações Dom Quixote, 1988.
[2]FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa São Paulo : Paz e Terra S/A, 1997.
[3]MOLL, Jaqueline. Alfabetização possível: reinventando o ensinar e o aprender. Porto Alegre : Mediação, 1996.
[4] PIAGET, Jean. [1967] Biologia e conhecimento. 1ed. Porto : Rés ed, 1978.
Fonte da ilustração: Rodopios
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