03 outubro, 2007

Problematização do conceito de meio

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O conceito de meio pode ser entendido a partir da interação entre sujeito e objeto sob o viés piagetiano, e das relações entre a sociedade e indivíduo, segundo a visão de Norbert Elias.

A problematização do conceito de meio requer o estabelecimento de um diálogo entre biologia, sociologia e filosofia, sendo fundamental para uma melhor compreensão do desenvolvimento cognitivo. Segundo a teoria piagetiana, desenvolvimento esse que depende de coordenações nervosas e orgânicas e é solidário com a organização vital no seu conjunto, apresentando acelerações ou retardamentos em função da experiência adquirida e do contexto social.

Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento embrionário comportam um certo conjunto de etapas necessárias. Os esquemas cognitivos, que resultam da generalização das ações, gradualmente, derivam uns dos outros. É impossível chegar às operações concretas sem passar por uma preparação sensório-motora e é impossível chegar às operações proposicionais se não nos apoiarmos nas operações concretas prévias.



Ao levar em conta que o desenvolvimento intelectual tem seu ritmo e seus caminhos obrigatórios, certas métodos e práticas pedagógicas podem criar condições mais adequadas às aprendizagens.

Em muitos momentos de sua obra, Piaget ressalta a importância dos aspectos sociais para o desenvolvimento dos sujeitos. A problematização do conceito de meio, resgata do corpo da sua obra algumas destas referências, ampliando esta questão a partir de outros olhares, como o de Norbert Elias[1], cujo conceito sobre sociedade, apresenta muitos encontros com a proposição piagetiana de interação entre o sujeito e o objeto, pois analisa a sociedade a partir das relações que existem entre a pluralidade ou sociedade e o homem singular ou indivíduo.

Para Elias, o homem singular não pode ser entendido como que existindo só por e para si mesmo, do mesmo modo a sociedade não pode ser interpretada como uma simples aglomeração de muitos seres singulares desprovida de qualquer estrutura ou como um objeto que existe de forma inexplicável para além dos homens singulares.


A sociedade, para Elias, é numa teia de relacionamentos estabelecida entre os indivíduos com pequenas variações decorrentes das contingências ambientais próprias de cada meio físico. Assim uma sociedade estabelecida num ambiente desértico terá particularidades diferentes de uma sociedade estabelecida numa floresta ou região ártica, porém, em todas, o tipo e a forma das opiniões assim como aquilo que os indivíduos sentem como sendo seu interior são marcados pela história de suas relações, pela estrutura da teia humana na qual, constroem sua individualidade, crescendo e vivendo como um dos pontos de junção.

Sua crítica recai sobre a tendência, em sociologia, de conceituar objetos do pensamento sociológico como sendo, por um lado, estáticos e, por outro, desligados e separados das relações em que se encontram envolvidos. Para combater a propensão constante de separação entre indivíduos e sociedades como objetos isolados e em estado de repouso, Elias trabalha com conceitos de "configurações" e de "seres humanos abertos". O primeiro refere-se à teia de relações de indivíduos interdependentes, que se encontram ligados entre si em vários níveis e de diversas maneiras. O último refere-se ao caráter aberto, pessoal e, por inerência, orientado para os outros, dos indivíduos compreendidos nestas configurações.

As configurações não são apenas amontoados de indivíduos, pois as ações de uma pluralidade de pessoas interdependentes criam a estrutura entrelaçada e suas numerosas propriedades emergentes, tais como relações de força, eixos de tensão, sistemas de classes e de estratificação, entre outras.

Numa perspectiva piagetiana, pode-se evidenciar, na obra de Elias, uma construção resultante do processo de interação, pois as ações, ou comportamento dos indivíduos humanos, estruturam e mantêm as configurações sociais, que, por seu turno, modificam estes indivíduos.
Para Piaget o caráter mais notável do conhecimento humano é sua natureza coletiva e individual, onde a transmissão cultural possibilitou a criação de civilizações. De forma que, no campo do conhecimento as operações individuais e coletivas são uma e mesma coisa, uma vez que a coordenação interindividual comporta ações, simultaneamente, coletivas e executadas por indivíduos.

O sujeito epistêmico, que constrói a lógica ou a matemática é um indivíduo descentrado, relativamente ao seu eu particular e ao setor do grupo social. Assim, as formas mais gerais do pensamento, que podem ser dissociadas dos seus conteúdos, são, por isto mesmo, formas de trocas cognitivas ou de regulação interindividual, integradas ao funcionamento de toda organização viva.

Este sujeito epistêmico de Piaget não é, portanto, uma entidade que possa ser divisada independentemente do contexto em que se desenvolveu, pois além de sua natureza orgânica, se trata de um ser cuja construção depende de suas trocas com os outros indivíduos. Isso se dá, principalmente, a partir da aquisição da linguagem, que é uma especialização proveniente da função simbólica.

A função simbólica é mais ampla que a linguagem, por incluir, além dos signos verbais, os símbolos no sentido estrito. Com o aparecimento da função simbólica são estabelecidas novas relações entre o indivíduo e o seu meio, relações que enriquecem e transformam seu pensamento[2].

A função simbólica estudada por Piaget se relaciona, não apenas a problematização do meio no seu aspecto social, mas também à compreensão da concepção de homem como animal symbolicum proposta por Ernest Cassirer[3].

Em seus ensaios sobre antropologia filosófica, Cassirer interpreta o ser humano como um animal simbólico, em vez de considerá-lo puramente racional. Poderíamos, então, interpretar o sujeito epistêmico de Piaget, o indivíduo social da teia de relacionamentos proposta por Elias e o animal symbolicum de Cassirer, como um ser vivo, cujas relações com os seus semelhantes, dependem, das suas características biológicas herdadas e das construídas na interação ambiental.

Referências e notas:
[1] ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Lisboa : Dom Quixote, 1993.
[2] PIAGET, Jean. [1945] A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho; imagem e representação. Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos S.A., 1990.
[3] CASSIRER, Ernst. [1944]. Ensaio sobre o homem : introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo : Martins Fontes ltda, 1997.

palavras-chave: interações organismo/meio, sujeito/objeto, Jean Piaget, Norbert Elias, Ernest Cassirer, comportamento, filtragem do mundo.

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