17 outubro, 2007

Piano: um século para chegar à forma atual

Desde a tosca estrutura inicial de caixão equilibrado em quatro pernas esculpidas, o piano passou por enormes transformações até chegar ao grande piano orquestral, como o rei das salas de concerto.

Piano do Wolfgang A. Mozart de  1780 até sua morte em 1791.

O piano demorou a se tomar um instrumento realmente popular entre compositores e intérpretes. Para que se tenha uma idéia, não há registro, na história da música, de um único grande pianista em 1750 - os destaques eram os organistas ou cravistas. O novo instrumento era, sim, o centro das atenções, mas sobretudo como curiosidade. Já existiam fabricantes da novidade, os modelos começavam a variar, mas faltavam compradores. Os principais produtores daquela engenhoca experimental estavam na Alemanha ou na Inglaterra. Os entusiastas diziam notar diferenças entre os instrumentos provenientes dos dois países.


Somente em 1780 surgiram os primeiros modelos verticais
Os pianos eram, na verdade, enormes caixotes equilibrados em quatro pernas de madeira esculpidas. Em seu interior, um complexo traçado de cordas metálicas gerava a sonoridade buscada. No fim do século XVIII, o piano já era amplamente utilizado na Europa, e começaram a funcionar, timidamente, duas fábricas do outro lado do Atlântico, uma em Boston, outra na Filadélfia.

Em 1780 surgiram os primeiros pianos verticais, que costumam ser chamados de pianos de armário, em oposição aos pianos de cauda. Os primeiros surgiram na Áustria, e menos de dez anos mais tarde começaram também a ser fabricados nos Estados Unidos. Em todos os modelos, o objetivo era o mesmo: alcançar sonoridade, variedade de tons, nuances e limpidez. As inovações começaram a suceder em grande velocidade, e o piano rapidamente se aprimorou, a ponto de, no começo do século passado, ser um instrumento popularizado em larga escala: além de ser considerado extremamente nobre por compositores e intérpretes, passou a fazer parte dos salões das casas aristocráticas e também das classes mais abastadas. Ter aulas de piano, em meados de 1810, não era exatamente moda, mas certamente fazia parte de uma educação refinada e elevada.

Em 1808, a Wachtl & Bleyer, uma fábrica de Viena que começava a se firmar como uma das mais requisitadas no mercado europeu, lançou uma propaganda afirmando que a tensão total das cordas de seus instrumentos equivalia a cerca de 5 mil quilogramas (num piano de hoje, a tensão é oito vezes maior). Outros fabricantes alardeavam as vantagens de suas fórmulas para combinar aço e madeira.

Em 1820, a firma britânica Allen and Thom conseguiu aquele que foi, durante décadas, considerado o melhor sistema de tubos de aço para a moldura das cordas estendidas com máxima tensão dentro da caixa de madeira de seus pianos. Surgiram, a partir desse invento, os primeiros pianos com a forma atual: não mais uma caixa quadrada, mas a recortada forma dos pianos de cauda. Depois disso, vários outros fabricantes foram encontrando soluções que permitiam obter uma vibração nítida e marcada.

Surgiram as dissidências e divergências. Alguns fabricantes europeus diziam que a moldura de puro aço armada dentro da caixa de madeira, onde eram presas e esticadas as muitas cordas do piano, criava um som demasiadamente metálico nos instrumentos. No entanto, numa grande exposição mundial realizada em Londres, em 1862, os pianos norte-americanos foram a grande sensação - parte de todo o alvoroço se devia ao fato de que eram feitos com moldura interior em puro aço.

Naquela altura, as inovações se multiplicavam. Os teclados, por exemplo, que sempre haviam sido tema de muita pesquisa e muita experiência, finalmente haviam chegado à sua forma definitiva - ou quase. Desde o século XI os teclados deram mote para muita discussão. Guido di Arezzo foi um dos primeiros a utilizar, nos instrumentos que fabricava, um teclado que agia sobre cordas esticadas. Criou oito tons cheios com sete intervalos, nos quais havia dois semitons, e usou isso tudo num clavicórdio de 20 notas.

Séculos mais tarde, em 1780, um fabricante de pianos de Viena, Neuhaus, propôs que o teclado tivesse a forma côncava. Em 1882, o húngaro Paul von Janko patenteou um invento que pretendia facilitar pianistas amadores: seis fileiras de notas, num teclado parecido com o dos grãos. Na época, causou sensação, mas acabou abandonado.
 

Os pianistas também deram sua contribuição. Chopin, por exemplo, preferia pianos ingleses. Beethoven obrigou fabricantes a inventarem novos modelos para sua música. Os pequenos martelos que fazem as cordas soarem eram cobertos de couro, cuja espessura variava de um fabricante para o outro, e também de feltro.

A leveza do sistema de teclas pode dar a um pianista maior ou menor velocidade. Por trás dessas inovações e mudanças, nomes que o grande público desconhece realizaram experiências e inventos de enorme importância. Também a acústica dos instrumentos sofreu mutações, conforme surgiam novas teorias físicas sobre os fenômenos acústicos em geral.

Um físico chamado Oscar Paul afirmou, no século passado, que sua "teoria da onda sonora, se aplicada diretamente ao piano, mostraria que a alma do instrumento estava oculta em sua sonoridade e que a qualidade do tom e do volume dependia diretamente da forma e do material da sua construção". Parece óbvio, e é - atualmente. Na época, era motivo de muita teorização e contradição. Outro físico importante, Siegfried Hansing, afirmou que o ouvido humano era incapaz de perceber todos os matizes e as nuances das tais ondas sonoras. Para ele, a percepção da qualidade do som e de seu volume devia-se sobretudo à capacidade de percussão do piano, ou seja, aos martelinhos sobre as cordas.

Hoje, um bom piano depende de materiais de todos os continentes

Discussões à parte, o certo é que, no século passado, fabricar pianos era um excelente negócio. E, como todo bom negócio, tinha resultados paralelos: afinal, poucos produtos dependem tanto de fornecedores externos como uma fábrica de pianos. Do feltro que cobre os martelinhos ao metal torcido das cordas, das chapas de madeira aos teclados, tudo num piano é detalhado e meticuloso - e fabricado por fornecedores independentes.

Também a matéria-prima para um bom piano é uma espécie de mostruário de produtos do mundo inteiro. Claro que, hoje, a ponta do martelinho que toca as cordas não é mais revestida por uma mistura de lã virgem e cabelo humano coberta por uma pequena e delicada capa de couro. Mas, ainda assim, os principais fabricantes de piano da Europa e dos Estados Unidos utilizam material de primeira linha e das mais diversas origens. Nos tempos dos teclados de marfim e ébano, a matéria-prima vinha da Ásia e da África.

Até hoje, o melhor metal das cordas, pinos e travas continua vindo da Suécia e da Inglaterra. As melhores madeiras, das Filipinas, das ilhas do Caribe, da América do Sul e de algumas regiões dos Estados Unidos. A melhor lã para o feltro dos martelinhos continua vindo da Austrália e de vários países europeus. Os martelinhos ingleses foram, durante décadas, os mais requisitados do mundo - e eram feitos em pequenas indústrias artesanais, de tradição familiar. Também na Alemanha, sobretudo na região vizinha a Hamburgo, e nos Estados Unidos existem, há muito tempo, fabricantes tradicionais de martelinhos de piano. O feltro que cobre os martelinhos, por sua vez, é também uma especialidade.

O mais renomado produtor é inglês: Whitehead Brothers, de Manchester. A propósito: a melhor lã é a dos rebanhos da raça merino, um carneiro existente nos Estados Unidos.

Dificilmente alguém que olhe um piano poderia imaginar todas essas minúcias. Ou pensar que muita pesquisa foi feita até que se chegasse à conclusão, na segunda metade do século passado, de que nas montanhas dos estados norte-americanos de Oregon e Washington existem madeiras espetaculares, mais de 1 mil metros acima do nível do mar, para construir pianos.

Por: Isaías Malta

Referências: 

Coleção Caras-Três Séculos de Música para Piano
Piano de Mozart (O que é isto?)

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