09 outubro, 2007

Piaget: Um Pensador Revolucionário

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Piaget se opôs às idéias evolutivas clássicas mais aceitas durante as décadas de 50, 60, 70 e 80 e propôs a sua ultrapassagem dialética, através de uma síntese não linear entre estes posicionamentos antagônicos, mas sim circular.

Em seus ensaios sobre a biologia do conhecimento Piaget se caracterizou por um posicionamento revolucionário que se contrapunha às idéias evolutivas mais aceitas durante as décadas de 50, 60, 70 e 80.
A obra piagetiana está repleta de críticas aos textos clássicos de evolução das décadas de sessenta e setenta por eles ‘descartarem’ Lamarck e elaborarem todos os seus conceitos exclusivamente a partir da teoria de Darwin sobre a origem das espécies. Piaget não podia aceitar a idéia de que o acaso e a seleção fossem suficientes para determinar todo o processo evolutivo. Sua concepção de evolução não se trata de uma simples tentativa de completar as lacunas recíprocas tanto da visão construída a partir da teoria de Darwin ou da de Lamarck, para assumir uma posição intermediária, pois argumenta ser necessário ir além.

Como Piaget antecipara, quando publicou seus ensaios sobre esse tema, em textos atuais sobre evolução, como o de Taddei, Matic e Radman (1997)[1], os autores propõem que as interpretações de Lamarck apresentam coerência e portanto devem ser reavaliadas, assim como questionadas as visões clássicas do darwinismo puro no sentido de buscar uma reinterpretação destes autores.
Uma vez que a mesma proposta era defendida por Piaget já nos anos sessenta, convém conhecermos os conceitos sobre evolução que foram alvo de seus questionamentos e são expressos num livro de George Stebbins de 1970[2], que foi até meados da década de 80 usado como livro texto em programas de pós-graduação em genética de universidades brasileiras.

Stebbins resumia o desenvolvimento da teoria sintética da evolução enfatizando que os biólogos modernos aceitavam a evolução como um fato, tão bem demonstrado como os fatos da história antiga. Enfatizava que Darwin pôde convencer o mundo da existência e do grande significado da evolução orgânica devido ao seu conhecimento profundo de história natural, sua habilidade para acumular uma larga variedade de fatos mediante a observação, a experiência e a correspondência com outros naturalistas, e, particularmente, por sua habilidade para sintetizar esses fatos, estruturando-os em um todo coerente. Ele salientava ainda que “o mais importante cientista anterior a Darwin foi Lamarck, cuja teoria da evolução se baseava no conceito de que as modificações adquiridas pelo organismo na adaptação aos ambientes, que encontra durante a vida, são automaticamente transmitidas a seus descendentes, integrando-se, assim, à hereditariedade. Este conceito de herança de modificações adquiridas, embora não completamente desacreditado, tem a seu favor tão pouca evidência, que raros biólogos atuais o admitem como um fator importante na evolução” (p. 7-8);

 
Este descrédito atribuído à teoria de Lamarck desgostava imensamente a Piaget, pois dessa forma os fatores externos ao organismo, ou seja, o meio passava a ter um papel secundário no processo evolutivo uma vez que a teoria sintética da evolução considerava os processos intrínsecos como a mutação e recombinação genética como fonte de toda a variabilidade, cabendo à seleção natural apenas o papel posterior de orientar a evolução.


O papel do meio como sendo uma fonte de variabilidade “útil” era considerado muito pequeno porque a maioria das mutações passíveis de análise que ocorriam em populações bem adaptadas ao seu ambiente trazia prejuízos ao organismo. Tais mutações eram, em geral, deletérias, sendo "rejeitadas" pelos processos de seleção natural. Assim sendo, segundo a teoria sintética da evolução, as mutações seriam raramente fonte direta da variação necessária à mudança evolutiva. Este papel era atribuído fundamentalmente à recombinação genética que seria o intermediário necessário entre a mutação e a seleção. Segundo esta perspectiva, as estruturas adaptadas presentes nas populações evoluiriam muito gradualmente através do acúmulo de mutações seguidas de várias recombinações genéticas, as quais ocorrem por trocas de genes entre os cromossomos de origem paterna e materna durante a meiose I no processo de formação dos gametas.

Dessa forma, apesar da teoria da seleção natural de Darwin ter revolucionado o conhecimento das coisas vivas seus desdobramentos teóricos se caracterizaram como uma forma de primado do organismo sobre o meio. Por outro lado, uma teoria evolutiva fundamentada apenas em Lamarck nos levaria ao primado do meio sobre o organismo.


Para romper com estas posturas epistemológicas Piaget propõem uma terceira posição que significa sua ultrapassagem dialética, pois concede ao meio e ao organismo papéis de igual magnitude. Nesse sentido, ao privilegiar as interações entre organismo/meio bem como sujeito/objeto, estabelece uma síntese não como uma reunião linear entre estes posicionamentos antagônicos, mas sim circular, que respeita simultaneamente a integridade do genoma e sua dependência ao meio.


Notas:
[1]- TADDEI, François ; MATIC, Ivan ; RADMAN, Miroslav. Origem das espécies: o que há de novo? Ciência Hoje São Paulo, v. 21, n. 126, p. 48-57, 1997.
[2] - STEBBINS, George L. [1970]. Processos de evolução orgânica São Paulo : Livros Técnicos e Científicos, 1974.


Palavras chave: Piaget, Darwin, Lamarck, ultrapassagem dialética.

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