05 outubro, 2007

Perspectivas e Entrelaçamentos Teóricos

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Piaget rompe com a visão dicotômica entre homem e natureza, interpretando a vida como auto-regulação resultante de interações entre sujeito e meio, possibilitando a superação dos reducionismos comuns nas explicações das relações sujeito/meio.

A compreensão acerca do ser humano envolve a problematização do conceito de meio e requer o estabelecimento de um diálogo entre biologia, sociologia e filosofia. O ponto de referência para esse diálogo parte da visão piagetiana sobre a interação sujeito/objeto e permite o aporte de diferentes olhares, possibilitando diferentes perspectivas e entrelaçamentos teóricos.A comunicação entre diferentes áreas O estabelecimento de espaços de comunicação entre diferentes áreas de conhecimento visa superar problemas fundamentais de socialização da cultura científica e também se constitui numa perspectiva de rompimento com uma interpretação reducionista do mundo.



Desde 1982, Morin[1] vem alertando para o perigo de um neo-obscurantismo generalizado, onde o especialista se torna ignorante de tudo aquilo que não concerne a sua disciplina e o não especialista renuncia previamente a toda possibilidade de refletir sobre o mundo, a vida, a sociedade, deixando este cuidado aos cientistas os quais não têm nem tempo nem meios conceituais para isso. Para Morin, essa é uma situação paradoxal onde o desenvolvimento do conhecimento instaura a resignação à ignorância e onde o desenvolvimento da ciência é, ao mesmo tempo, o da inconsciência.



No mesmo sentido Kuhn[2] enfatiza que se o pesquisador rejeitar a idéia de que a ciência é uma descrição composta de campos individuais, e considerá-la como um conhecimento da natureza tout court, estará obrigado, na medida do possível, a considerar os temas científicos em conjunto.

De acordo com estas linhas de raciocínio, também as pesquisas em educação devem primar pelo desenvolvimento de um pensamento amplo e complexo, onde os estudos sobre a natureza e o desenvolvimento das estruturas de conhecimento e de aprendizagem do homem não privilegiem visões particulares ou simplificadas de cada área.



A teoria piagetiana se revela como um nicho[3] adequado para tornar possível uma análise interdisciplinar, pois nela a palavra meio não se limita a designar os objetos animados e inanimados que nos rodeiam, pois abrange: natureza, objetos construídos pelo homem, idéias, valores, relações humanas, em suma, história e cultura, e se constitui no objeto do conhecimento[4].


 
A dissociação entre as áreas humanas e biológicas proporciona explicações muito simplistas sobre nossa condição de ser humano. Não podemos ser reduzidos à forma de meros animais intelectuais, resultantes de um processo evolutivo casual, nem tão pouco considerados apenas como seres sociais, em quem a herança biológica praticamente não se manifeste. 


Assim, não se pode definir o ser humano unicamente pelos seus constituintes biológicos (células, órgãos e metabolismos) ou sociais (cultura, economia e política), é necessário, para explicar as suas características mais essenciais, levar em conta os grupos sociais e culturais aos quais está integrado, sem esquecer que depende de um funcionamento orgânico. Embora a psicologia, filosofia e biologia sejam ciências que há muito tempo estejam tentando dar explicações sobre a natureza e o desenvolvimento das estruturas de conhecimento, comportamento e aprendizagem do homem, a ausência do diálogo interdisciplinar pode gerar grandes reducionismos. 


Piaget reúne estas áreas e rompe com a visão dicotômica entre homem e natureza, quando interpreta a vida como, essencialmente, auto-regulação. Para ele, a auto-regulação resulta das interações entre sujeito e meio e uma análise mais detalhada deste conceito possibilita tensões dialéticas, que abrem um campo teórico capaz de se contrapor às explicações de natureza simplista sobre as relações do sujeito com seu meio. 


A dimensão de mundo que construímos é definida pelo ambiente percebido ou Umwelt e depende de nossa capacidade de assimilar e acomodar, ou seja, de nossa filtragem pessoal, que não é pré-determinada, mas se desenvolve através da interação e envolve processos contínuos de auto-regulação. 


A reflexão teórica sobre o conceito de meio deve questionar o papel da educação na ampliação do nosso Umwelt.A percepção, segundo Piaget, não é passiva e envolve um processo assimilativo. Para assimilar, necessitamos de esquemas cognitivos, os quais são estruturados a partir da generalização das ações. Como processo ativo a assimilação consiste em modificar o objeto em função da ação e do ponto de vista próprios, gerando um desequilíbrio no sujeito que assimila. 


O restabelecimento do equilíbrio se dá pela acomodação, que gera novas estruturas, as quais modificam o sujeito. Os esquemas, ao mesmo tempo em que permitem a assimilação, limitam-na às suas particularidades. 


Estes esquemas constituem os filtros, que defino como as portas ou janelas pelas quais os organismos se comunicam com o meio. Desse modo, os filtros tanto se interpõe quanto mediam nosso contato com o mundo real e compreendê-los é essencial para adequar os processos educativos às particulares dos educandos. 


Ao dirigir nosso olhar a um objeto estamos sempre interpondo filtros diversos, construídos a partir de conceitos, representações, pressupostos, paradigmas. Seja este objeto um problema científico, ou uma coisa simples como uma escada. 


Ao olhar para uma escada, não vemos apenas ela em si mesma, vemos algo em que podemos subir e que exigirá um certo esforço, ou seja, quando olhamos tecemos considerações que dependem da nossa experiência particular. 


O olhar não se refere somente ao sentido biológico da visão, mas envolve todo o ser humano. Perceber envolve interesse e não indiferença, pois é uma forma de ação sobre o meio e não uma atitude passiva. Assim a percepção, no sentido em que é definida por Piaget, nos transforma. 



Um olhar que questione o mundo possibilita uma atuação mais crítica e conscientizada na construção de uma sociedade que reconfigure suas relações consigo mesma e com o ambiente. Ao problematizar o conceito de meio no sentido de entendermos melhor qual é o mundo que vemos e qual é o mundo que poderíamos ver, podemos propor práticas pedagógicas coerentes com a concepção de que a educação deve garantir a promoção de um ser humano íntegro e capaz de compreender suas relações e efeitos sobre o ambiente natural, uma vez que se torne mais capaz de perceber os efeitos de suas ações sobre o meio.

Notas e referências: 
[1] MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 1ed. Portugal : Publicações Europa-América, 1982 
[2] KUHN, Thomas S. A tensão essencial. Lisboa : Edicões 70, 1989.
[3] Nicho - conceituado amplamente como todas as atribuições da espécie em seu habitat: como, onde e as expensas de quem a espécie se alimenta, a que organismos serve de alimento, como e onde encontra refúgio, como e onde se reproduz, entre outras inúmeras atividades de que participa. Fundamentalmente é tudo o que uma espécie necessita para sobreviver.
[4] RAMOZZI-CHIAROTTINO, Zélia. Psicologia e epistemologia genética de Jean Piaget. São Paulo: EPU Ltda, 1988.

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