13 outubro, 2007

O professor e os juízos sintéticos e analíticos


A ação em sala de aula implica no uso de dois tipos de atividades mentais que em filosofia são chamadas de juízos. Preponderantemente no processo normal de exposições teóricas há a manipulação de juízos analíticos, e quando se instala o doloroso clímax da avaliação, a capacidade sintética é posta à prova. Para o professor, um sujeito em que a entronização do movimento sintético/analítico é um fato consumado, a síntese redentora da avaliação final é uma decorrência perfeitamente lógica.

Apesar do exercício cotidiano dos juízos, o professor pode não ter as definições teóricas que o auxiliariam a desenvolver de maneira menos instintiva as abordagens teóricas, o que possibilitaria um maior equilíbrio na sua aplicação, numa forma de evitar a brusca irrupção dos fantasmas das avaliações nas pobres mentes dos alunos, “treinadas” analiticamente ao longo do tempo.
Que é juízo analítico? É aquele em que o predicado já está contido no sujeito. Quando uma relação entre dois conceitos está contida neles mesmos, diz-se que é um juízo analítico. Um exemplo é o princípio da identidade. Quando se diz que “A é igual a A”, lança-se mão de uma relação que já está contida em “A".

No entanto, é difícil o estabelecimento de relações mais complexas sem se recorrer a relações sintéticas. A seguinte asserção é analítica ou sintética? “Os corpos são extensos”. A princípio existe a tentação de defini-la como analítica, porém para Kant a questão pode ser definida em outros termos: caso a afirmação de que todos os corpos são extensos seja um juízo analítico, então pode se afirmar igualmente que “todos os fenômenos que aparecem no espaço têm extensão”, estabelecendo-se aí um juízo sintético, porque se é verdade que o conceito “extenso” não está no conceito “fenômeno”, também o conceito “corpo” não está no conceito “fenômeno”.



Para Kant a aparentemente analítica afirmação de que “todo o corpo é extenso” pressupõe o conceito de espaço, que está fora do conceito corpo. Indo-se um pouco mais além, este corpo não existe apenas em extensão, ele goza do predicado de duração, logo, um terceiro conceito, o tempo, deve ser usado para fornecer coerência mínima a um corpo que deve ter massa, ou seja, extensão e deve perdurar durante um intervalo de tempo, ou seja, experimentar duração.

Essa digressão serve para demonstrar que é praticamente impossível estabelecer relações puramente analíticas ou puramente sintéticas. Há aqueles que duvidam da existência de juízos sintéticos, Leibniz é um deles, que sustentava que acredita-se neles apenas porque nunca se levou a análise tão longe, até ao infinito. Para os analíticos, que acham que todas as relações podem ser obtidas através de juízos analíticos, há a pressuposição de que tudo pode ser reduzido a conceitos, inclusive o espaço e o tempo, e que tais conceitos já estão contidos em cada objeto, o que tornaria impossível a heterogeneidade nas relações entre eles.

Sendo filosoficamente discutível o estabelecimento de relações analíticas e sintéticas puras, na prática da sala de aula é impossível. O professor mescla intermitentemente os juízos, porém com ênfase analítica. Isto é devido à grande de manda de visão de conteúdos novos em que nem sempe é possível se partir de póntos de vista globais. O movimento analítico é necessário e imprescindível, no momento em que os alunos ainda não dispõem de informações suficientes do assunto para o estabelecimento de relações contextualizadoras que fornecerão o futuro sentido.

Porém, um belo dia vem a avaliação e o professor vai querer ver aquele assunto contextualizado para fechar com chave de ouro o seu trabalho. Então ele se socorre de mecanismos altamente sintéticos exigindo do aluno o estabelecimento de relações com o resto da matéria vista e também com o seu prévio “background”. 


Um  exemplo disso seria o professor que explicou em detalhes o funcionamento de mapas e bússolas, mas numa prova 'Prática', sem nunca ter exercitado isso, coloca os alunos num local desconhecido com um mapa e uma bússola e dá-lhes a missão de encontrar determinado ponto.


Os dolorosos efeitos provocados pelas avaliações poderão ser mensurados pela graduação com que isto foi feito. Na sala de aula o professor provocou intermitentemente a “sístole/diástole” da análise/síntese? Como isso poderia ser feito?

Uma vez que a raiz da ruptura está na avaliação, então já as pré-avaliações deveriam exigir alguma capacidade de síntese no estilo daquilo que será a tônica da avaliação final. A capacidade de sintetizar, natural no professor, é apenas potencialidade no aluno e cabe a ele se dar conta de que aquelas coisas que são tão óbvias para ele, no mundo limitado de relações dos alunos, é um bicho de sete cabeças.

Uma vez eu vi num antigo filme cubano uma definição lapidar de inteligência: “inteligência é a capacidade de estabelecer relações”. Uma pessoa é reconhecida por sua inteligência não somente por sua capacidade de “armazenar coisas”, mas sim pelo emprego que dá a elas. Também é verdade que inteligência não pode ser considerada como uma herança natural. Ela tem plasticidade suficiente para poder ser cultivada ao longo de uma vida, mas onde viceja com mais intensidade é no duro, árido e selvagem terreno da infância e adolescência.

Pode o professor alegar que não é possível recorrer à síntese enquanto determinados conceitos não estão solidificados. Está certo, a síntese é a madurez do fruto, uma vez criadas as partes, o todo pode ser articulado. É isto que ele espera na avaliação final: ver o coroamento do seu trabalho, contemplar o seu “frankstein” cambaleante dando passos rumo ao mundo das relações inteligentes.

Porém, apesar da fórmula ser mágica de tão simples, a sua implementação exige do professor a desconstrução da lógica da qual ele é produto. Ele precisa abdicar da sua irresistível vocação final para a síntese e diluí-la durante o processo, ele precisa se recordar que algumas coisas somente agora, depois de completada a sua formação, lhe fazem sentido. Ele precisa acordar para o fato de que tudo que lhe é óbvio, assim se tornou por um maduro processo de síntese, elemento muito rarefeito na maioria dos educandos.

Para concluir, resta dizer que não basta ao aluno ter apreendido vários elementos. Caso isso tenha acontecido de maneira estanque, o milagre da síntese não brotará num passe de mágica. Alcançar a síntese daqueles elementos é uma atividade a ser aprendida, como qualquer outra, não basta ter as peças do quebra-cabeça, é preciso aprender a montá-lo.

por: Isaias Malta da Cunha

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