08 outubro, 2007

O meio como um contexto de convivências

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A noção sobre a problemática ambiental impõe comumente uma dicotomia entre o lá fora das árvores e animaizinhos e os espaços urbanos. A exclusão do homem e suas criações, da natureza, estabelece o antagonismo entre humano e natural, numa epistemologia do desastre ecológico.
Área agricola observada do estábulo

O que é o ambiente?
Durante meu doutoramento, perguntei para estudantes do 1º Grau, com idades entre 10 a 14 anos o que era o ambiente. Transcrevo abaixo algumas destas respostas dadas para refletirmos. Quando foram questionados, todos os entrevistados estavam cursando a 5ª série do 1º grau, tendo estudado durante o ano anterior o tema “O meio ambiente”. Três estudavam em uma escola Estadual da periferia da cidade de Bento Gonçalves (RS), limítrofe à zona rural e os demais em uma escola municipal situada num bairro de classe popular. Obtive as seguintes respostas:
Lenita (14;0) - Preservar a natureza. Não matando animais, não cortando árvores, não “chogando” lixo nas ruas, etc..
Vanessa (12;0) - Cuidar da natureza, não matar animais, não jogar lixo nas ruas.
Renata (12;0) - É segurar o lugar bem limpo e não jogar lixo em volta.
Franciele L (12;0) - É um lugar bom, livre e limpo.
Vanusa (11;0) - É limpo e saudável.
Alexandra A (11;0) - Eu acho que o meio ambiente é muito limpo.
Geopira (10;0) - O ambiente é um lugar limpo e saudável.
Franciele D (12;0) - Lugar limpo onde não existe sujeira e está livre.
Roberto (14;0) - Eu não sei.... É uma cidade limpa?

Observemos que as três primeiras entrevistadas descreveram o meio ambiente como ações que deveriam ser realizadas, como se ele não tivesse uma materialidade e fosse, apenas, um padrão de comportamento. Para os demais, o ambiente era concebido como um lugar inespecífico que, necessariamente, deveria estar limpo. Roberto, que num primeiro momento não sabia o que responder, situou o “lugar” numa cidade que deveria estar limpa.
Para todos os entrevistados o meio era mais do que um lugar desconhecido, era uma espécie de paraíso imaginado, porém não visitado.
borda da mata 1
A necessidade de fazer este questionamento surgiu da pergunta: Do que depende nossa visão de meio? E esta pergunta se constituíra anteriormente, já como uma das razões da busca pelo campo educativo, pois quando eu perguntava aos meus alunos do curso de Licenciatura curta em Ciências, com idades entre 18 e 25 anos, em média, o que era o ambiente, recebia respostas nas quais o ambiente e a natureza eram geralmente tomados como sinônimos. Quando a pergunta, era: Onde está o meio ambiente? Os alunos costumavam olhar para a rua à procura de algum local com vegetação. Nunca apontavam a sala de aula em que estavam! Ou seja, os “lugares” construídos pelos homens nunca faziam parte das suas respostas.

Para que o ser humano e as cidades fossem incluídos no conceito de ambiente era necessária uma maior reflexão sobre o tema. Questionava, então, com o grupo: Esta sala na qual estamos faz parte do ambiente? Após algumas colocações e inseguranças eles acabavam concluindo que sim.
Quando eu fiz a mesma pergunta aos estudantes de 1º Grau (Esta sala na qual estamos faz parte do ambiente?), obtive dois tipos de resposta: a) O grupo que relacionou o ambiente com ações de preservação respondeu: Não, não faz; b) O grupo que relacionou o ambiente a um lugar respondeu: Está no meio ambiente mas não faz parte do meio ambiente.

De forma geral pude concluir que tanto os garotos quanto os jovens questionados tinham um conceito de ambiente que se confundia com as noções de preservação ambiental. Seu ambiente não evocava as relações entre os seres vivos e desconsiderava os aspectos construídos. Assim como, excluíam a espécie humana do ambiente, como se fossem coisas antagônicas.Isto porque nossa visão do meio depende dos conceitos de que dispomos.Por esta razão o conceito de meio usado por Piaget é essencial, pois está impregnado de interação. Ele nunca aborda o meio isolado de sua relação com os organismos e o questiona, não a partir das questões estudadas pela Ecologia, mas a partir das concepções sobre evolução, que estão na base de toda análise biológica contemporânea.

O conceito de interação de Piaget foi elaborado no sentido de ultrapassar dialeticamente as posturas aprioristas (de primado do organismo sobre o meio ou do sujeito, sobre o objeto) e finalistas (de primado do meio sobre o organismo ou do objeto sobre o sujeito).A utilização de tal conceito na interpretação do significado do meio físico ou social nos revela um papel muito intenso do meio na constituição dos sujeitos sem descartar a importância deles em si mesmos. Há uma continuidade entre os sujeitos e seu meio, não se trata, simplesmente, de organismos num espaço ou lugar, mas sim de um contexto de convivências, gerador de transformações mútuas em todos os níveis.

Referência: Tese de Doutoramento: CUNHA, Gladis Franck da. Interação e meio: a filtragem do Mundo. Porto Alegre : UFRGS, 1999. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. (Orientadora: Analice Dutra Pillar; Co-orientadora: Vera Lúcia da Silva Valente)

palavras chave: ambiente natural, ambiente construído, conceito de ambiente, Piaget

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