O progresso histórico é atribuído como fato social, todavia uma análise mais minuciosa aponta não para o conjunto, mas para a ação de indivíduos revolucionários que assimilaram melhor seu contexto e estabeleceram novos paradigmas científicos.
Diderot[1], já em 1754, salientava que quando voltamos nossas atenções sobre os trabalhos dos homens e vemos cidades construídas por toda a parte, todos os elementos empregados, línguas fixadas, povos policiados, portos construídos, mares atravessados, terra e céus medidos, o mundo nos parece bem velho. Mas, quando encontramos os homens incertos dos princípios da medicina e da agricultura, das propriedades das substâncias mais comuns, do conhecimento das doenças que os afligem, do corte das árvores, da forma do arado, a terra parece que só foi habitada ontem. Para ele, se os homens fossem sábios, eles se entregariam, enfim, às pesquisas relativas ao seu bem-estar.
Muitos homens se lançaram a este tipo de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento, todavia, mais do que se poderia supor, o aporte de informação e tecnologia gerou um dos grandes problemas do século XX.
Gramsci[2] salienta que, em geral, na civilização moderna, se pode observar que todas as atividades práticas se tornaram tão complexas e as ciências se mesclaram de tal modo à vida, que qualquer especialidade tende a criar uma escola própria e, conseqüentemente, tende a formar um grupo de intelectuais especialistas de nível mais elevado, que ensinem nestas escolas.
Com isso se agrava a particularização e fragmentação da ciência, tanto na sua produção quanto na sua transmissão, considerando-se qualquer área do conhecimento humano. Infelizmente não se nasce sabendo o que é ser humano, precisamos construir nossa humanidade ou humanitude, como diria Jacquard, e isso não é nada fácil.
Na tentativa de compreender quem somos, de acordo com Basbaum[3], a ciência apoderou-se do homem: classificou-o no conjunto do reino animal; penetrou suas entranhas anatômicas e fisiológicas; perscrutou sua mente, e relacionou-o com o meio natural e social em que vive: seu habitat. Estudou esse habitat e as suas mútuas influências, fazendo de cada homem ou grupo humano, um produto do seu meio. Mas, neste ato, ela dilacerou-o, subdividiu-o em grupos de estudos paralelos que jamais ou raramente se encontram.
A especialização dos cientistas fragmentou o homem em suas múltiplas faces e com isso, perdeu-se de vista o homem como um todo. Examinando as árvores, perdemos de vista a floresta. A anatomia praticamente esgotou o organismo humano e a fisiologia nos fez conhecer as funções de quase todos os órgãos que compõem o corpo humano, do coração às menores fibras nervosas e suas relações recíprocas. A Psicologia tenta compreender a essência do homem como possuidor de uma consciência, que lhe dá uma nova dimensão dentro do reino animal.
O homem é um ser social, além de biológico, e sua psicologia está intimamente entrelaçada com o mundo exterior e suas condições cambiantes. Todavia cada ciência quer decifrar o homem à sua imagem: para o químico, o organismo humano é apenas um laboratório químico, para o físico uma concentração de átomos, mas cada uma destas concepções revela apenas um aspecto do ser humano, integral, enraizado em seu meio, do qual é produto e produtor.
De acordo com Jacobs[4], a compreensão do homem está relacionada com sua caracterização ecológica. A organização estrutural das populações humanas é certamente a mais elevada do reino animal. Isto se aplica não só à estrutura social dentro das populações, das famílias às nações, como também às relações interpopulacionais, que são únicas, podendo superar inclusive as observadas entre populações de espécies distintas e com muita freqüência se assemelham ao que se observa entre predador e presa ou hospedeiro e parasita. Por outro lado, o intercâmbio e interdependência entre populações humanas é muito maior do que para outras espécies, afetando não apenas o intercâmbio de pessoas, como, também, o de energia, de matéria, de conhecimento e cultura.
Na realidade o homem continua sendo, ainda, um desconhecido, cuja ação sobre o meio afeta fatores como a diversidade, maturidade, estabilidade e organização dos ecossistemas em todas as direções e quantidades possíveis. Sendo o aquecimento global apenas uma destas direções possíveis. Embora tenhamos a potencialidade para conseguir uma melhor proteção e gestão dos ecossistemas de forma a suprir nossas necessidades básicas e elevar o nível de vida de todos, se observa o agravamento da pobreza, fome, enfermidades e analfabetismo, além da constante danificação ao ambiente de que depende nosso bem estar.
É preciso progredir no sentido de resolver estas questões.
Geralmente, falamos em progresso da humanidade como um processo histórico, que tenha sido produto da ação do conjunto da sociedade. Todavia, as transformações são o produto da interação dos sujeitos com seu meio e uma análise mais crítica nos aponta, não para o conjunto, mas para indivíduos revolucionários que assimilaram melhor seu contexto e estabeleceram os novos paradigmas para as ciências. São os indivíduos mais inquietos e essencialmente curiosos que provocaram, nas mais diferentes áreas, as transformações.
A curiosidade é fruto da necessidade de assimilação do seu entorno. Segundo Piaget, o assimilado é recebido por estruturas preexistentes, mas esse processo causa perturbações ao equilíbrio interno e na reequilibração novas estruturas vão sendo formadas, de acordo com as possibilidades destas estruturas prévias, e novas necessidades são criadas.
As novas estruturas formadas permitem mais assimilação, provocando mais desequilíbrios, os quais provocarão mais reequilibrações, que, no processo de acomodação, originarão mais estruturas e assim sucessivamente, de acordo com os limites impostos ao indivíduo pelo meio e as disposições afetivas, desejos ou necessidades do sujeito.
Um fechamento extremo caracterizaria o sujeito ortodoxo, no sentido em que este se impõe princípios ou uma doutrina estrita de interpretação do mundo, tornando-se intransigente a tudo quanto seja novo ou diferente, não aceitando novos princípios ou idéias. Nesse caso, seus filtros são inflexíveis, pois não lhe permitem mudar e, pelo contrário, o levam a acomodar-se com o que é velho, sem “apetite” ou inquietudes para novas descobertas, tirando-lhe a curiosidade.
O meio pode favorecer ou dificultar o surgimento de indivíduos inquietos ou curiosos. Como salientam Piaget e Inhelder[5] longe de constituir uma fonte de ‘idéias inatas’, já inteiramente elaboradas, a maturação do sistema nervoso se limita a determinar o conjunto das possibilidades em cada nível e ambiente social. Este processo pode ser acelerado ou retardado em função das condições culturais e educativas em que o sujeito está inserido. Em outras palavras, podemos educar visando favorecer a construção de filtros, que ampliem a percepção do mundo ou, então, que a restrinjam.
Se escolhermos a primeira opção, necessitamos abandonar nossa idéia fragmentada de mundo, pois todos os seres estão imbricados em relações, embora a maioria passe desapercebida. Logo, problematizar o meio envolve a compreensão da própria natureza humana e nosso intrincado mundo de relações. Sobre o nosso planeta e os seres que o habitam, a ciência já aprendeu muitas coisas, mas ela ainda precisa nos desafiar a amar esta Terra, vendo-a como parte de nós mesmos.
Notas e referências:
[1] DIDEROT, Denis.[1754] Da interpretação da natureza e outros escritos. São Paulo : Iluminuras - Proj e Prod. Editoriais Ltda, 1989.
[2] GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo : Círculo do Livro S.A., 1987.
[3] BASBAUM, Leôncio. Alienação e humanismo. 6 ed. São Paulo : Global, 1985.
[4] JACOBS, Jürgen. Diversidad, estabilidad y madurez en ecosistemas influidos por las actividades humanas. In : Dobben ; Lowe-McConnell (Eds.) Conceptos unificadores en ecología. Barcelona : Editorial Blume, 1980.
[5] PIAGET Jean ; INHELDER, Bärbel. Da lógica da criança à lógica do adolescente. São Paulo : Pioneira, 1976.
Palavras-chave: piaget, fragmentação, gramsci, habitat
fontes das ilustrações: Una Ciência y dos Paradigmas? e Bizrevolution
Muitos homens se lançaram a este tipo de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento, todavia, mais do que se poderia supor, o aporte de informação e tecnologia gerou um dos grandes problemas do século XX.
Gramsci[2] salienta que, em geral, na civilização moderna, se pode observar que todas as atividades práticas se tornaram tão complexas e as ciências se mesclaram de tal modo à vida, que qualquer especialidade tende a criar uma escola própria e, conseqüentemente, tende a formar um grupo de intelectuais especialistas de nível mais elevado, que ensinem nestas escolas.
Com isso se agrava a particularização e fragmentação da ciência, tanto na sua produção quanto na sua transmissão, considerando-se qualquer área do conhecimento humano. Infelizmente não se nasce sabendo o que é ser humano, precisamos construir nossa humanidade ou humanitude, como diria Jacquard, e isso não é nada fácil.
Na tentativa de compreender quem somos, de acordo com Basbaum[3], a ciência apoderou-se do homem: classificou-o no conjunto do reino animal; penetrou suas entranhas anatômicas e fisiológicas; perscrutou sua mente, e relacionou-o com o meio natural e social em que vive: seu habitat. Estudou esse habitat e as suas mútuas influências, fazendo de cada homem ou grupo humano, um produto do seu meio. Mas, neste ato, ela dilacerou-o, subdividiu-o em grupos de estudos paralelos que jamais ou raramente se encontram.
A especialização dos cientistas fragmentou o homem em suas múltiplas faces e com isso, perdeu-se de vista o homem como um todo. Examinando as árvores, perdemos de vista a floresta. A anatomia praticamente esgotou o organismo humano e a fisiologia nos fez conhecer as funções de quase todos os órgãos que compõem o corpo humano, do coração às menores fibras nervosas e suas relações recíprocas. A Psicologia tenta compreender a essência do homem como possuidor de uma consciência, que lhe dá uma nova dimensão dentro do reino animal.
O homem é um ser social, além de biológico, e sua psicologia está intimamente entrelaçada com o mundo exterior e suas condições cambiantes. Todavia cada ciência quer decifrar o homem à sua imagem: para o químico, o organismo humano é apenas um laboratório químico, para o físico uma concentração de átomos, mas cada uma destas concepções revela apenas um aspecto do ser humano, integral, enraizado em seu meio, do qual é produto e produtor.
De acordo com Jacobs[4], a compreensão do homem está relacionada com sua caracterização ecológica. A organização estrutural das populações humanas é certamente a mais elevada do reino animal. Isto se aplica não só à estrutura social dentro das populações, das famílias às nações, como também às relações interpopulacionais, que são únicas, podendo superar inclusive as observadas entre populações de espécies distintas e com muita freqüência se assemelham ao que se observa entre predador e presa ou hospedeiro e parasita. Por outro lado, o intercâmbio e interdependência entre populações humanas é muito maior do que para outras espécies, afetando não apenas o intercâmbio de pessoas, como, também, o de energia, de matéria, de conhecimento e cultura.
Na realidade o homem continua sendo, ainda, um desconhecido, cuja ação sobre o meio afeta fatores como a diversidade, maturidade, estabilidade e organização dos ecossistemas em todas as direções e quantidades possíveis. Sendo o aquecimento global apenas uma destas direções possíveis. Embora tenhamos a potencialidade para conseguir uma melhor proteção e gestão dos ecossistemas de forma a suprir nossas necessidades básicas e elevar o nível de vida de todos, se observa o agravamento da pobreza, fome, enfermidades e analfabetismo, além da constante danificação ao ambiente de que depende nosso bem estar.
É preciso progredir no sentido de resolver estas questões.
Geralmente, falamos em progresso da humanidade como um processo histórico, que tenha sido produto da ação do conjunto da sociedade. Todavia, as transformações são o produto da interação dos sujeitos com seu meio e uma análise mais crítica nos aponta, não para o conjunto, mas para indivíduos revolucionários que assimilaram melhor seu contexto e estabeleceram os novos paradigmas para as ciências. São os indivíduos mais inquietos e essencialmente curiosos que provocaram, nas mais diferentes áreas, as transformações.
A curiosidade é fruto da necessidade de assimilação do seu entorno. Segundo Piaget, o assimilado é recebido por estruturas preexistentes, mas esse processo causa perturbações ao equilíbrio interno e na reequilibração novas estruturas vão sendo formadas, de acordo com as possibilidades destas estruturas prévias, e novas necessidades são criadas.
As novas estruturas formadas permitem mais assimilação, provocando mais desequilíbrios, os quais provocarão mais reequilibrações, que, no processo de acomodação, originarão mais estruturas e assim sucessivamente, de acordo com os limites impostos ao indivíduo pelo meio e as disposições afetivas, desejos ou necessidades do sujeito.
A assimilação do meio é mediada por filtros, construídos e mantidos pela ação do sujeito sobre o meio, sendo, portanto, passíveis de transformações.
A filtragem do mundo, num primeiro momento é basicamente orgânica, mas à medida que a função simbólica vai se estruturando, nos tornamos capazes de assimilar o mundo humano. Enquanto o sujeito se desenvolve nessa interação vai "dando sentido às coisas", mas, em certa medida, também se fecha para o mundo, restringindo seu olhar.Um fechamento extremo caracterizaria o sujeito ortodoxo, no sentido em que este se impõe princípios ou uma doutrina estrita de interpretação do mundo, tornando-se intransigente a tudo quanto seja novo ou diferente, não aceitando novos princípios ou idéias. Nesse caso, seus filtros são inflexíveis, pois não lhe permitem mudar e, pelo contrário, o levam a acomodar-se com o que é velho, sem “apetite” ou inquietudes para novas descobertas, tirando-lhe a curiosidade.
O meio pode favorecer ou dificultar o surgimento de indivíduos inquietos ou curiosos. Como salientam Piaget e Inhelder[5] longe de constituir uma fonte de ‘idéias inatas’, já inteiramente elaboradas, a maturação do sistema nervoso se limita a determinar o conjunto das possibilidades em cada nível e ambiente social. Este processo pode ser acelerado ou retardado em função das condições culturais e educativas em que o sujeito está inserido. Em outras palavras, podemos educar visando favorecer a construção de filtros, que ampliem a percepção do mundo ou, então, que a restrinjam.
Se escolhermos a primeira opção, necessitamos abandonar nossa idéia fragmentada de mundo, pois todos os seres estão imbricados em relações, embora a maioria passe desapercebida. Logo, problematizar o meio envolve a compreensão da própria natureza humana e nosso intrincado mundo de relações. Sobre o nosso planeta e os seres que o habitam, a ciência já aprendeu muitas coisas, mas ela ainda precisa nos desafiar a amar esta Terra, vendo-a como parte de nós mesmos.
Notas e referências:
[1] DIDEROT, Denis.[1754] Da interpretação da natureza e outros escritos. São Paulo : Iluminuras - Proj e Prod. Editoriais Ltda, 1989.
[2] GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo : Círculo do Livro S.A., 1987.
[3] BASBAUM, Leôncio. Alienação e humanismo. 6 ed. São Paulo : Global, 1985.
[4] JACOBS, Jürgen. Diversidad, estabilidad y madurez en ecosistemas influidos por las actividades humanas. In : Dobben ; Lowe-McConnell (Eds.) Conceptos unificadores en ecología. Barcelona : Editorial Blume, 1980.
[5] PIAGET Jean ; INHELDER, Bärbel. Da lógica da criança à lógica do adolescente. São Paulo : Pioneira, 1976.
Palavras-chave: piaget, fragmentação, gramsci, habitat
fontes das ilustrações: Una Ciência y dos Paradigmas? e Bizrevolution
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