29 outubro, 2007

Hormônios e Neotenia na Evolução Humana

por
macaco e homem, pensando


Na década de oitenta surgiram fortes evidências moleculares apoiando, de forma contundente, a hipótese de que chimpanzés e gorilas estão mais próximos genealogicamente do grupo humano do que dos orangotangos e gibões. Sabe-se que o homem e o chimpanzé são as espécies mais recentes entre os hominídeos[1]. De acordo com Bonatto (1988)[2], em 1975, os pesquisadores King e Wilson utilizaram todas as técnicas bioquímicas disponíveis para examinar tantas proteínas quanto possível, verificando que as diferenças entre os genes estruturais de chimpanzés e humanos são extraordinariamente pequenas.

As técnicas moleculares revelaram que o tempo decorrido entre a separação da linhagem que conduziu ao gorila e a separação posterior entre as linhagens do homem e do chimpanzé seria de 500 mil a um milhão de anos (Bonatto, 1988).Um intervalo de tempo de quinhentos mil ou um milhão de anos é muito pequeno se for comparado com a hipótese de 15 milhões de anos proposta pelos estudos antropológicos tradicionais a partir da análise de fósseis. Também continua a ser um intervalo de tempo perturbadoramente pequeno se comparado aos cálculos obtidos a partir das distâncias imunológicas, os quais sugerem que a separação entre a linhagem humana e a dos grandes macacos teria ocorrido há 5 milhões de anos.


Quando duas espécies são muito parecidas morfologicamente e pertencem a um mesmo gênero, elas são denominadas espécies irmãs. Um exemplo de espécies irmãs são alguns dos fringilídeos de Darwin das ilhas Galápagos. Outras espécies são apenas congêneres mas não são irmãs como os leões e gatos que pertencem ao gênero Felix. Os chimpanzés e humanos não são espécies irmãs nem mesmo congêneres, pois pertencem a gêneros diferentes. Entretanto a sua distância genética global é muito menor que a média existente entre espécies irmãs (Gould, 1987)[3].

A semelhança genética entre humanos e chimpanzés criou um paradoxo para a visão atomista de que cada característica orgânica era controlada por um único gene, pois, nesse caso, nossas dessemelhanças físicas tão acentuadas em relação aos chimpanzés teriam que refletir muitas diferenças nos genes. A solução deste paradoxo pode ser encontrada em genes chamados de reguladores por terem efeitos muito abrangentes, que influenciam o organismo como um todo e não apenas características individuais.

Dentre os genes reguladores podemos incluir aqueles cujo produto são os hormônios, pois os hormônios regulam genes alvos, ligando-se aos seus determinados receptores nos cromossomos, ativando ou bloqueando estes genes em função de necessidades do organismo como um todo.

O efeito da atuação dos hormônios como genes reguladores pode ser entendida através da aquisição das características sexuais secundárias na puberdade. Nesse período, as glândulas sexuais tornam-se mais ativas lançando grandes quantidades de hormônios no organismo, pondo em atividade muitos genes de diferentes tecidos, durante um período relativamente curto, para produzir as diversas transformações físicas típicas desse processo.

Analisados no seu conjunto, os organismos multicelulares são constituídos, basicamente, por outros organismos unicelulares, as células, que abrem mão de sua individualidade por uma totalidade maior. Aqui, o que poderia ser um todo, ou seja a célula, virou parte e nessa relação os hormônios são imprescindíveis no processo de coordenação, estabelecendo limites e propósitos a serem atingidos para que cada célula desempenhe um papel no conjunto integrado.

A presença de redes gênicas controladas por hormônios sugere a existência de dois meios internos interagindo constantemente para a manutenção do equilíbrio orgânico, um seria constituído pelo próprio genoma e o outro pelo funcionamento do organismo como um todo.
No ciclo vital dos insetos, por exemplo, ocorre a metamorfose, a qual envolve processos nos quais há transformações físicas que caracterizam a passagem de um estágio a outro.
Verificou-se, no caso de uma mariposa do tabaco, que, embora um mesmo hormônio seja produzido em mais de uma das etapas da metamorfose, seus efeitos diferem em cada estágio do desenvolvimento, sugerindo que a competência para dirigir uma resposta adequada é dada por um conjunto de fatores, em função de mudanças dinâmicas na quantidade de hormônio e de interações regulatórias entre os diferentes fatores envolvidos (Gilbert, 1994)[4].

Tanto as quantidades de hormônios presentes quanto as suas interações com outros elementos fazem com que seja muito variável a ativação gênica nos diferentes tecidos dos organismos vivos. Os hormônios são um belo exemplo de precisão vital e os macro-efeitos que podem produzir nos levam a especular que tenham desempenhado um importante papel nos processos evolutivos.

Somente grandes transformações repentinas poderiam explicar, em termos evolutivos, a separação entre uma linhagem e outra num curto espaço de tempo. Como vimos no capítulo anterior [7], os elementos de transposição podem afetar a atividade gênica, fazendo, por exemplo, com que ela seja maior nas regiões próximas aos seu locais de inserção. Nesse caso, a ação de elementos de transposição que desencadeassem uma maior ativação de genes produtores de hormônios se constituiriam numa pbrobabilidade de ampla variação orgância num espaço curto de tempo.

Assim, caso um elemento de transposição se inserisse num cromossomo de forma a ficar próximo de um gene produtor de hormônio ou responsivo a ele, aumentando ou diminuindo sua atividade, ele poderia afetar todo o desenvolvimento de um organismo. Um dos efeitos possíveis seria, como há exemplos, induzir que o amadurecimento sexual ocorresse já na fase juvenil conservando-a. O evento de manutenção da forma jovem recebe o nome genérico de neotenia[5].

O biólogo Stephen J. Gould sugere que a neotenia é a melhor explicação para a diferenciação entre a linhagem humana e a dos chimpanzés (Gould, 1987)[6]. Ele enfatiza a idéia que L. Bolk propôs em 1926: “o ser humano teria se desenvolvido por uma alteração no equilíbrio hormonal, que atrasou o desenvolvimento como um todo” (p.59). Seu ensaio intitulado “A criança é o verdadeiro pai do homem” analisa uma impressionante lista, com mais de vinte características comuns, que temos com os estágios juvenis de outros primatas, mas que desaparecem nos adultos.


Para compreendermos melhor a proposição de Gould temos que levar em conta os seguintes critérios:

- relativamente, sabe-se que os mamíferos vivem a mesma quantidade de tempo, já que os animais menores têm batimentos cardíacos e metabolismo mais acelerados. Assim, dos pequenos roedores aos elefantes, todos eles respiram cerca do mesmo número de vezes ao longo da vida;

- o tempo de gestação também é proporcional ao tempo total de vida, que, por sua vez, depende do metabolismo em geral. De modo que, a gestação dos pequenos roedores dura alguns dias enquanto a dos elefantes chega a dois anos.

Vários fatos sugeriram a Gould que houve neotenia no processo evolutivo humano. Entre eles pode-se destacar que:

- nosso crescimento intra-uterino demorar mais do que em qualquer outro primata, porém no momento do nascimento nossa maturação esquelética progrediu menos do que a de qualquer símio já estudado. Ou seja, quando nascemos nosso esqueleto é proporcionalmente menos ossificado do que nos demais primatas;

- de forma geral, os primatas possuem um desenvolvimento tardio quando comparados aos outros mamíferos de tamanho equivalente, vivendo mais tempo e amadurecendo mais devagar;

-entre os primatas, o curso e o ritmo de desenvolvimento dos seres humanos são ainda mais lentos, por exemplo: nossos dentes surgem mais tarde, amadurecemos devagar e vivemos mais temp;

- o Homo sapiens possui um período de gestação um pouco mais longo do que os grandes macacos e os bebês humanos nascem mais pesados;

- muitos de nossos órgãos continuam a crescer durante mais tempo que órgãos semelhantes de outros primatas;

- ao nascer, o cérebro do chimpanzé tem 40,5% do seu tamanho final, atingindo 70% ao longo do primeiro ano enquanto os bebês humanos, ao nascerem, têm somente 23% da massa cerebral do adulto, não chegando a 70% do tamanho total antes do final do terceiro ano de vida;

- cerca de 30% da vida do Homo sapiens é dedicada ao crescimento e os adultos humanos retêm, em vários aspectos importantes, os traços juvenis de seus ancestrais primatas;

- comparados com os outros primatas nosso crescimento é muito lento, embora nossa gestação leve, apenas, poucos dias a mais, ou seja, comparada com a velocidade do nosso desenvolvimento pós-natal. Assim, parece que nascemos ainda como fetos, pois para atingir a mesma condição de outros primatas ao nascer, a gestação humana deveria durar cerca de um ano e meio;

- a gestação humana deveria durar de sete meses a um ano além dos nove meses que passamos no interior do útero, de acordo com diferentes cálculos.

Como conseqüência de uma gestação relativamente mais rápida do que em outros mamíferos, ao nascer, os bebês humanos são muito mais frágeis e indefesos do que os filhotes de qualquer outro mamífero, incluindo os primatas. Para Gould (1987) a explicação desse encurtamento da gestação se refere ao tamanho do canal pélvico feminino para o qual o tamanho das cabeças dos bebês está quase no limite.

Em contrapartida, ao nascer “precocemente” em relação aos demais mamíferos, embora sejamos mais frágeis, temos nossos laços familiares reforçados e a maior parte do desenvolvimento cerebral humano, ou seja três quartas partes do cérebro se formam em um meio muito mais rico em informações visuais, sonoras, olfativas e táteis do que o ambiente intra-uterino, além de permitir uma precoce interação do sujeito sobre o meio.

A importância da ação do sujeito sobre o meio para o desenvolvimento cognitivo é central em toda obra piagetiana. Segundo a perspectiva interacionista de Piaget, toda interação redunda em transformações tanto dos organismos quanto do meio ou dos sujeitos e dos objetos. Assim, do ser humano iniciar mais cedo a interagir com seu ambiente físico ou social do que nos demais mamíferos pode ter desempenhado um papel essencial para o surgimento e adaptação da nossa espécie. Nossa prematuridade também nos tornou animais essencialmente sociais, uma vez que uma convivência prolongada tornou-se necessária à nossa sobrevivência. A vida social por sua vez possibilitou um enriquecimento das possibilidades de interações e os processos educativos devem se inserir neste contexto tão particularmente humano, explorando suas múltiplas oportunidades para o desenvolvimento de indivíduos mais capacitados intelectual e emocionalmente.

NOTAS e Referências:
[1] - Os hominídeos ou Hominoidea são uma superfamília dentro da ordem dos primatas, da qual fazem parte: homens (Homo sapiens), chimpanzés (Pan troglodytes e Pan paniscus), gorilas (Gorilla gorilla), orangotangos (Pongo pygmaeus) e gibões (Hylobates spp.).
[2] - BONATTO, Sandro L. Evolução Humana: evidências moleculares. Ciência Hoje São Paulo, v. 8, n. 48, p. 10-11, 1988.
[3] - GOULD, Stephen J. Darwin e os grandes enigmas da vida. São Paulo : Martins Fontes, 1987.
[4] - Gilbert, Scott F. Developmental Biology, Massachusetts : Sinauer Associates, Inc, 1994.
[5] - Neotenia: literalmente significa “manter a juventude”
[6] - Publicação original: “Ever since Darwin”, 1977.
[7] – Capítulo 10 “Dançarinos no genoma” disponível em: http://diversae.blogspot.com/2007/10/danarinos-do-genoma_14.html


Palavras chave: Gould, evolução humana, hormônios, neotenia, primatas, Gilbert, Bonatto.

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