25 outubro, 2007

Contrapontos

O enquadrador não deseja produzir arte consumível e nem estar no topo da evidência, preferindo se autodenominar de criador de buracos causadores de contemplação e quem for parado por eles jamais será o mesmo.

Anoitecer com luz artificial
...ANTERIOR
- Você se considera uma antítese a tudo isso?

- Minha autodenominação explicita isso. Minha missão é enquadrar, para dar significado a tudo aquilo que a apressada vida industrial desvalorizou. E para contrapontuar as perdas teleológicas deste estilo de vida, tento aprisionar a luz dos personagens esquecidos pela contemporaneidade. Saio dos recintos fechados, não no sentido da busca do ar livre, mas da visão que se fechou, e procuro ressuscitar a metafísica das pequenas banalidades. Meus enquadramentos buscam a essência dos personagens desprezíveis, que podem ser inquiridos e que podem fornecer respostas.

- Enquadrando, você resgata uma metafísica perdida?

- Sim, ao enquadrar as cenas complexas destes tempos, são os meus olhos que resgatam a história que está sendo perdida. E não estou sozinho nesse processo, já que tenho que usar a imagem num mundo devotado 100% para a imagem. Sou um músico de orquestra tocando uma flauta picolo numa fanfarra de bilhões de outros instrumentos. É a sina dos mega acontecimentos dentro da sociedade de consumo, um lugar em que a explosão de cores e formas se saturou tanto que formou um deserto. É esse deserto que delimita o meu espaço de expressão. Por isso delimito e enquadro minúsculas porções da saturação reinante e faço sucessivas reduções, retirando os excessos de luz, cor, sons, enfim, suavizo a expressão dos personagens torturados pela excedência e os revisto de pobreza significante. Só aí eles revelam a sua essência perdida nas esteiras da produção em série.

- Então você ao desmassificá-los, torna-os únicos num retorno ao estado inicial da unidade perdida, ou na criação de uma identidade nova?

- A sociedade moderna jamais conseguiu mudar o essencial, ele está aí e sempre esteve,soterrado por milhões de toneladas de lixo multimídia. Como estamos na era da duplicação, o essencial também é reproduzido em escala absurda formando imagens duplas, triplas, quádruplas, quase ao infinito. Nós destruímos a quietude com a ditadura dos excessos. Há cheiros em demasia, assim como luzes, formas, texturas e imitações. Na ânsia de imitar a natureza e criar um mundo artificial o mais benevolente conosco, nos cercamos de uma parafernália desessencializadora que embaralhou os últimos resquícios de referência. Quando enquadro, vou retirando todas as imagens soprepostas, uma a uma, até que reste a original, aquela que dá significado ao personagem. Então ele se desachata e preenche o espaço que é seu por direito, resgatando o significado perdido para a industrialidade.

- Como enquadrador, o resultado da sua arte é consumido por quem?

- Esse é o paradigma que quero quebrar, não espero que a minha arte seja consumida, ela não é alimento para ser digerido. Os meus enquadramentos devem conduzir à contemplação dos buracos que provoco no deserto da pressa civilizadora. Alguém que pare um minuto diante de um deles, terá cumprido a minha missão. Contudo, aquele que entrar por um daqueles buracos, terá ido muito mais além das minhas ambições, porque se tornará também um enquadrador, um igual que produzirá os seus próprios buracos, num efeito multiplicador. A última esperança para a nossa era não seja conhecida no futuro como a idade de trevas, é o fustigamento dos seus componentes monolíticos. atacando as micro fissuras de escassez essencial.
CONTINUA...

Por: Isaias Malta

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails