A tradição de confinamento dos corpos infantis à imobilização em espaços restritos não condiz com as aquisições das ciências da cognição.
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Várias Brincadeiras II de Ivan Cruz, 2006 |
Os espaços urbanos da atualidade se caracterizam pela redução das possibilidades de jogos e brincadeiras movimentadas e de corpo inteiro.A Escola brasileira também tem se caracterizado pela redução do tempo livre de intervalo com brincadeiras fisicamente criativas, se preocupando mais com o acréscimo de conteúdos programáticos nas diferentes áreas, os quais, em geral, são “ministrados” a crianças e adolescentes “aquietados” por horas seguidas.A proposição de ampliar o Ensino Fundamental, antecipando a obrigatoriedade da educação para os seis anos de idade, pode agravar ainda mais este quadro. Este aprisionamento do corpo infantil está na contramão da história de evolução biológica humana, que registra o maior aumento do encéfalo aos períodos de maior atividade física para a sobrevivência (Calvin,1994).
Desde o nível molecular ao dos organismos o limite entre vida e não vida se relaciona com interação e não-interação, logo a vida é, essencialmente, interação tanto na sua origem quanto na sua evolução. Esta é a lógica comum que pode reunir todos os seres vivos de bactérias a mamíferos.Basicamente, herdamos um organismo com a capacidade e a necessidade de interagir, estabelecendo trocas com o ambiente e podendo ser modificado por estas trocas. Todos os organismos escolhem assim como transformam o meio através de seu comportamento. Por seu turno, ao ser modificado, o meio passa a exercer diferentes pressões seletivas sobre os organismos, algumas das quais podem redundar em mudanças evolutivas.
A grande expansão do cérebro humano em relação aos outros primatas não começou antes da idade do gelo há 2,5 milhões de anos, quando florestas inteiras desapareceram. A adaptação dos hominídeos durante este período de abruptas alterações climáticas permitiu um acúmulo de habilidades mentais capazes de conferir uma flexibilidade comportamental. Uma das aquisições atribuída a este período foi a capacidade para a linguagem humana (Calvin, 1994). Estas informações sugerem que nossa inteligência foi aprimorada numa situação de estresse ambiental, que exigia ações mais efetivas para garantir a sobrevivência dos indivíduos. A partir desse período, nosso cérebro aumentou e criou suporte físico para o desenvolvimento da linguagem.
A sobrevivência sempre depende da possibilidade de resolver questões impostas pelo ambiente. Porém, ao considerarmos que nos seres vivos a integridade das estruturas orgânicas depende da função, compreendemos que tais questões ambientais também se constituem em necessidades.Outro aspecto relevante a considerar é o fato de no Reino animal, como um todo, o desenvolvimento do sistema nervoso estar intimamente ligado aos processos de coordenação motora. Sabendo o quanto o cérebro é importante para a inteligência depreende-se o quanto o movimento contribui para seus processos.Embora a inteligência não possa ser reduzida apenas aos seus constituintes biológicos, estes não devem ser relegados, pois são condição necessária, embora não suficiente, para o conhecimento e comportamento humanos.
A partir dessas considerações devemos nos perguntar: Quais os riscos da crescente imobilidade do corpo para educação? Como estas circunstâncias afetarão a capacidade de aprender nos sujeitos da educação Básica? Que conseqüências isto pode acarretar ao desenvolvimento da inteligência?Estas são perguntas necessárias para que a Escola mude sua cultura em relação ao corpo dos educandos, compreendendo a necessidade de implementar maior movimento às suas metodologias de trabalho. Para tanto é necessário compreender e investigar mais os efeitos dos movimentos corporais na inteligência humana.Nesse sentido, uma proposta de trabalho que merece atenção é a de dança criativa proposta por Wiener e Lidstone (1969), que busca estabelecer uma relação entre os movimentos e a criação própria. Não se tratando, portanto, da execução pura e simples de movimentos definidos e previamente estipulados por um adulto, mas a criação de um contexto desafiador que permita aos educandos expressarem-se com o corpo inteiro, descobrindo-se e revelando sua própria leitura de mundo.
Referências Bibliográficas:
CALVIN, William H. The emergence of Intelligence. Scientific American New York, v.271, n.4 p.79-85, Oct.,
CRUZ, Ivan. Várias Brincadeiras II. 2006. Brincadeiras de Criança. (site oficial do artista)
WIENER, Jack ; LIDSTONE, John. Creative Movement for Children : a dance program for the classroom. New York : Reinhold Book Corporation, 1969
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