Não há hipótese de recuo, uma vez enquadrado o indivíduo terá que optar por um caminho, retomando o tema das pílulas azul e vermelha de MATRIX com a diferença de que aqui a pílula do arrependimento está selando definitivamente uma opção de vida.
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- Você se considera um anjo do apocalipse ao ambicionar a destruição da realidade?
- Pode parecer uma falta de humildade e tanto, mas um enquadrador é um anjo destruidor em miniatura, porque destruo as esperanças no presente. Os anjos que destruíram Sodoma e Gomorra com o fogo do céu, não o fizeram subitamente como pode ser interpretado da bíblia. Ao contrário, vieram muitos deles e fizeram um trabalho de anos de pequenas destruições, criaram os buracos necessários dinamitando ínfimas porções da realidade, e só então provocaram o espetacular holocausto da narrativa bíblica. Neste momento muitos enquadradores trabalham em silêncio produzindo buracos e mais buracos, todos muito pequenos para ser notados, mas que somados já permitem que se vislumbre a essência por baixo da areia de deserto do esquecimento do sentido da vida.
- Qual é o conselho que você dá àqueles que continuam sonhando em Sodoma e Gomorra?
- Que entrem por um dos buracos, que se desapressem e se desachatem. Os meus enquadramentos não são à princípio obras de destruição, analogamente ao ponto fundamental continente de todos os pontos do universo, o Aleph de Jorge Luis Borges, os meus enquadramentos são chamamentos à significação de cada um. Os espectadores tanto podem incolumemente passar pela visão, como também sofrer um choque existencial tão forte que resgate a essência da vida. Meu trabalho não é mau ou bom em si mesmo, meus enquadramentos são pedaços rarefeitos da realidade, de onde foi retirada toda a contaminação moderna, da qual sobra o valor dado pelo enquadrado: caso ele pare diante da imagem, será resgatado, caso siga seus passos sem ter sido tocado, terá grandes problemas no que lhe restar de vida, porque a cortina diante das suas vistas já terá sido rasgada, não restará paz no seu resto de vida.
- A morte será o prêmio pela recusa à contemplação?
- Uma vez enquadrado, o indivíduo não terá mais escapatória. Minhas obras são janelas que não aceitam a indiferença. De qualquer maneira ele estará para sempre implicado e mesmo que cada um mantenha o seu livre arbítrio, cada um é escravo das suas escolhas. O que eu quero dizer é que ninguém é obrigado a olhar as minhas fotografias, mas elas estão por aí prontas para serem espiadas, sem que eu dê um aviso prévio do risco que correm. Ao contrário do relatado no filme Matrix em que Morpheus oferece a opção das pílulas vermelha e azul ao discípulo Neo, os meus enquadramentos são o que são perante os espectadores e a maioria jamais saberá que aquele momento decisivo está selando definitivamente as suas vidas.
CONTINUA...
Por: Isaias Malta
Ilustração: All Music
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