Seria possível descrever música para surdos? A pergunta enseja a suspeita de que surdo não é apenas aquele que não ouve, oportunizando uma série de metáforas construídas na tentativa de sonar o mutismo.
Como descrever aos surdos a imponência da Toccata e Fuga em ré menor de Johann Sebastian Bach? A toccata começa com raios faiscando no céu, em movimentos descendentes procurando a terra profícua. O órgão, instrumento divino por excelência, é formado de milhares de flautas de uma nota só, desde flautins a grandes tubos, em que o amálgama de seus sons recria a ambiência auditiva de suspensão eterna. Nessa obra Bach explora as capacidades dinâmicas do grande órgão, desde as passagens a plenos “pulmões”, a outras de textura cristalina em piano. Descrever o movimento inicial é como iniciar cegos na arte de contemplar cachoeiras, porém sempre alguém é tentado a fazê-lo, porque a arte não pode se perder nos desertos da percepção, ela deve, assim como os cursos d’água do deserto, se aprofundar e correr subterraneamente sob as areias estéreis.
Bach no auge da sua juventude ainda está mais propenso a exibir seu vigor virtuosístico, longe da culminância do pensamento musical absoluto atingido no entardecer da vida, como pode ser percebido na sua obra derradeira “A Arte da Fuga”. A peça em questão tem a impetuosidade de uma tempestade barroca e impressiona mais por efeitos sonoros, do que pela profundidade das suas reflexões. Aos surdos, assevero que ouvi-la é se elevar por breves instantes à categoria do gênio e pairar acima das nuvens sobre a terra. O grande órgão movimenta enormes colunas de ar em direção ao espaço aberto, para onde vão as perguntas, e de onde todas as respostas são esperadas.
O prelúdio é seguido de uma fuga esvoaçantemente juvenil. Das técnicas de composição, essa é a que melhor transmite a sensação de passagem no tempo, onde uma idéia assume diversas transformações sem, no entanto, perder o motivo que é anunciado no primeiro cantar da voz principal. Não será por intermédio de uma rigorosa descrição técnica recorrendo às cambiantes normas harmônicas, nem tão pouco lançando mão de adjetivações, que se conseguirá transferir a ambiência de uma fuga transmutando suas linhas polifônicas no espectro sonoro sem perder o tema que será repetido de diversas maneiras, invertido, modulado, ritmicamente alterado, sem contudo, perder sua identidade. Apesar de infrutífera, a tarefa de transformar música em narração pode ser tentada recorrendo-se ao poder das metáforas para a construção de imagens, uma vez que a matéria prima da música é diáfana, quase tanto quanto o imaterial mundo simbólico das letras; a vibração.
CONTINUA...
Por Isaías Malta
Fonte da Ilustração: Yabeltrami
Bach no auge da sua juventude ainda está mais propenso a exibir seu vigor virtuosístico, longe da culminância do pensamento musical absoluto atingido no entardecer da vida, como pode ser percebido na sua obra derradeira “A Arte da Fuga”. A peça em questão tem a impetuosidade de uma tempestade barroca e impressiona mais por efeitos sonoros, do que pela profundidade das suas reflexões. Aos surdos, assevero que ouvi-la é se elevar por breves instantes à categoria do gênio e pairar acima das nuvens sobre a terra. O grande órgão movimenta enormes colunas de ar em direção ao espaço aberto, para onde vão as perguntas, e de onde todas as respostas são esperadas.
O prelúdio é seguido de uma fuga esvoaçantemente juvenil. Das técnicas de composição, essa é a que melhor transmite a sensação de passagem no tempo, onde uma idéia assume diversas transformações sem, no entanto, perder o motivo que é anunciado no primeiro cantar da voz principal. Não será por intermédio de uma rigorosa descrição técnica recorrendo às cambiantes normas harmônicas, nem tão pouco lançando mão de adjetivações, que se conseguirá transferir a ambiência de uma fuga transmutando suas linhas polifônicas no espectro sonoro sem perder o tema que será repetido de diversas maneiras, invertido, modulado, ritmicamente alterado, sem contudo, perder sua identidade. Apesar de infrutífera, a tarefa de transformar música em narração pode ser tentada recorrendo-se ao poder das metáforas para a construção de imagens, uma vez que a matéria prima da música é diáfana, quase tanto quanto o imaterial mundo simbólico das letras; a vibração.
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Por Isaías Malta
Fonte da Ilustração: Yabeltrami
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